Angel Fernández Vila (Horacio)
O programa do Moncada, contido na histórica alegação de Fidel A História me Absolverá postulava, entre as medidas mais urgentes a serem tomadas por um governo revolucionário “conceder a propriedade desembargada e intransferível da terra a todos os colonos, subcolonos, rendeiros, posseiros e precaristas que ocupem parcelas de cinco ou menos hectares de terra, indenizando o Estado a seus anteriores proprietários, à base da renda que receberiam por tais parcelas num período de dez anos”.
A fundamentação desta transcendental medida contida no Programa do Moncada foi divulgada e explicada posteriormente pela imprensa e pela rádio clandestinas do Movimento Revolucionário 26 de julho.
Assim, por exemplo, no jornal clandestino Vanguardia Obrera, na edição correspondente a 20 de fevereiro de 1957, na página editorial, sob a manchete “A Reforma Agrária”, explica-se a injusta e absurda situação da posse das terras em Cuba, onde “apenas 1/5 do solo está nas mãos de pequenos proprietários, enquanto 4/5 partes de nossas terras se encontram nas mãos de megacompanhias latifundiárias que não a trabalham”. O editorial concluía: “Temos que reconquistar 4/5 partes do solo cubano para nossos camponeses desapossados”.
No território liberado do Segundo Front Oriental, no jornal Surco eram publicados os preceitos sobre a necessidade de concretizar a reforma agrária, baseados no Programa do Moncada. Os camponeses daquele território liberado, organizado e mobilizado pelo lutador camponês comunista José (Pepe) Ramírez, se preparavam para receber e aplicar a Lei que estava sendo elaborada na Serra Maestra.
Profundamente impressionado pelos avanços revolucionários atingidos no território liberado do Segundo Front, constatados numa visita a esse lugar no mês de outubro de 1958 pelo representante nacional de propaganda do M-26-7, expôs suas impressões em carta endereçada ao companheiro Arnol Rodríguez, dirigente nacional do Movimento 26 de Julho, preso no Castelo do Príncipe. Nesta carta, referindo-se ao trabalho dos camponeses nesse território liberado, o dirigente clandestino do movimento informava:
“Existe uma Comissão de Assuntos Camponeses. Realizou-se um Congresso Camponês em Armas, que foi maravilhoso. Os camponeses estão incentivados e esperançados. Acho que seria um crime e uma falta de consequência revolucionária não acometer com toda a força o problema da reforma agrária, como primeira medida do Governo Revolucionário. Desta vez os camponeses não serão esquecidos! É nossa firme decisão!”.
Em pleno desenvolvimento da luta guerrilheira, na Serra Maestra, em 10 de outubro de 1958 foi assinada pelo comandante Fidel Castro a Lei no. 3 implantando a Reforma Agrária em todo o território liberado pelo Exército Rebelde.
Esta Lei, em seu capítulo I, art. 1º, dispunha: “Concede-se a propriedade da terra que cultivam aos rendeiros, sub-rendeiros, rendeiros, colonos, subcolonos, precaristas e posseiros, caso ocuparem parcelas de cinco ou menos hectares de terra particular ou do Estado, aos quais lhes será expedido o título de propriedade sobre as mesmas, com os requisitos estabelecidos nesta Lei”.
Começa imediatamente a aplicação desta Lei nos territórios liberados da Serra Maestra e do Segundo Front Oriental “Frank País”.
Meses mais tarde, ao ser derrocada a ditadura de Batista e substituída pelo Governo Revolucionário, a Lei de Reforma Agrária foi assinada por Fidel, em 17 de maio de 1959, na Serra Maestra, cumprindo-se assim uma das medidas fundamentais do Programa do Moncada, e entregando à Revolução sua principal arma para a reconquista de nossas terras, a liquidação do latifúndio e a definitiva liberação de nossos camponeses.
Prévio à assinatura e promulgação da Lei de Reforma Agrária, foi criado o Instituto Nacional da Reforma Agrária, (INRA), organismo estatal dirigido por Fidel e encarregado de aplicar, em todo o país, os preceitos e disposições da lei agrária, a fim de liquidar o latifúndio, entregar a terra aos que trabalham nela, organizar a produção agropecuária e florestal cooperativa e, enfim, liberar os camponeses e incorporá-lo ao desenvolvimento das forças produtivas de nossas extensas e ferazes áreas agrícolas, deixando bem claro o caráter agrário de nossa Revolução.
Foram delimitadas no país 26 Zonas de Desenvolvimento Agrário, (ZDA), que enquadradas nas antigas seis províncias que compreendia o território nacional, e subordinadas às correspondentes Direções Provinciais do INRA, constituiriam os dispositivos encarregados da realização das tarefas da reforma agrária em suas respectivas regiões.
Uma vez promulgada a Lei da Reforma Agrária, começou um amplo processo de divulgação do conteúdo e benefícios desta Lei, desenvolvido em todo o país pelo Movimento Revolucionário 26 de Julho. Esta campanha incluiu a coleta de fundos e doação de equipamentos e insumos para ajudar os pequenos camponeses convertidos em proprietários das terras que cultivavam, em virtude da lei revolucionária.
Esta ampla mobilização de nosso povo, e em particular de nossos camponeses, a favor da lei recém-aprovada, teve sua expressão mais bem-sucedida na gigantesca passeata camponesa realizada em Havana, em 26 de julho do “Ano da Libertação”, com a participação de aproximadamente 700 mil camponeses revolucionários procedentes dos locais mais afastados de nosso país, os que foram alojados e atendidos pelas famílias havanesas, num belo abraço, nunca antes visto, entre a cidade e o campo.
A partir desta grande mobilização nacional de apoio à Lei da Reforma Agrária, e já criado o INRA como instituição estatal para aplicá-la, Fidel efetuou durante o segundo semestre de 1959, três reuniões nacionais com seus “comandantes da Reforma Agrária”, como foram chamados os governadores e chefes de Zonas de Desenvolvimento Agrário do INRA.
A finalidade destas reuniões nacionais era ir orientando e alertando os funcionários do INRA sobre o complexo e delicado trabalho que implicava o resgate das terras usurpadas e sua entrega aos camponeses, assim como a organização, nos vastos latifúndios intervindos, de formas cooperativas de utilização e exploração estatal das mesmas. Além disso, Fidel aproveitou estes encontros para definir conceitos e esclarecer dúvidas que surgiam aos governadores e chefes de Zonas durante o desempenho de suas complexas tarefas.
A Primeira Reunião Nacional do INRA efetuou-se em Havana, no dia 4 de agosto de 1959. Nela, Fidel explicou importantes aspectos conceptuais da instrumentação desta decisiva lei da Revolução; de sua fundamentação e alcance; das razões políticas, econômicas e militares que tornavam necessária sua urgente aplicação. Ao longo de suas intervenções e diálogos com os funcionários, o Comandante-em-Chefe foi definindo conceitos e entregando argumentos para o trabalho dos chefes de Zonas de Desenvolvimento Agrícola, tais como:
• Se nos questionassem, quais são os limites das terras do Estado?, lhes respondemos que se estendem desde a Ponta de Maisí até o Cabo de San Antonio, e abrangem as terras compreendidas entre a costa norte e a costa sul da nossa Ilha.
• Se os latifundiários aduzissem sua condição de proprietários históricos de suas terras, vocês devem perguntar-lhe se por acaso são eles ‘siboneyes’ ou descendentes diretos de nossos aborígines.
• Caracterizando os funcionários responsáveis pela liquidação do latifúndio, sentenciou: “Os chefes das Zonas de Desenvolvimento Agrícola representam a máxima autoridade nesse território. A autoridade quase ilimitada que têm, devem saber exercê-la, e exercê-la bem.”
• O INRA é a Revolução feita Organismo, como a Lei da Reforma Agrária é a Revolução feita Lei”, afirmou Fidel naquela histórica reunião.
A Segunda Reunião Nacional do INRA efetuou-se no dia 7 de outubro e nela Fidel abordou aspectos operativos da aplicação da lei e debateu com os chefes provinciais e das zonas de desenvolvimento agrícola as experiências e dificuldades com que os mesmos já se vinham deparando no desenvolvimento da tarefa. Definiu, na marcha, algumas possíveis adeuações da lei que surgiam das experiências daqueles que a estavam implementando. Estabeleceu:
• A Lei da Reforma Agrária a temos feito com um espírito revolucionário, mas a temos aplicado com um critério ainda mais revolucionário. Temos que avançar, rapidamente, até o passo de liberar os rendeiros do pagamento da renda e entregar-lhes o título de propriedade da terra”.
• Na hora de definirmos quantos hectares vamos deixar a um latifundiário, pode ser que tenham o critério de deixar-lhe 1343, como indica a lei se estão bem cultivadas, mas seria melhor deixar-lhe 670. Estejam totalmente certos de que este latifundiário será nosso inimigo, tanto se lhe deixarmos 1342 quanto lhe deixarmos 670”. Na análise deste tema, o chefe do INRA na província de Camaguey expunha “que se deviam deixar só 402 hectares, porque esse pessoal está conspirando e vai conspirar ainda mais contra a Revolução”. A essa ideia, Fidel respondeu: “Deixa-os que conspirem, pois então vamos aprovar uma nova lei confiscando todos os bens dos conspiradores. Se lhes deixarem só 402 hectares vão se sentir com mais direito a conspirar. (*).
• Desenvolvendo seu pensamento de que a Lei da Reforma Agrária constitui também uma necessidade para a defesa do país, Fidel expressa: “Temos também o problema da defesa da Revolução. Esta questão é tão importante, que sem ela todos os planos agrícolas irão por água abaixo. A preparação militar dos camponeses constitui uma tarefa principal do INRA. Deve-se coordenar a defesa militar da República com o INRA”.
• Fidel expressa que se algum Chefe de Zona for acusado pelos latifundiários de “estar fora da lei”, saibam vocês que a partir do momento em que disparamos o primeiro tiro contra o regime estabelecido, ficamos “fora da lei”.
Na Terceira Reunião Nacional do INRA, que teve lugar em 7 de dezembro de 1959 e que coincidiu com o fim daquele combativo, laborioso e definitório segundo semestre do “Ano da Liberação”, nosso Comandante-em-Chefe, em sua condição de presidente do INRA, fez um resumo do trabalho realizado naquele período, assinalando os aspectos críticos, negativos e acertos que se tinham conseguido, bem com as tarefas pendentes, a resolver futuramente. A reunião teve um começo surpreendente, pois ao entrarmos na sala, deparamo-nos com que na presidência não só estavam Fidel e dirigentes nacionais do INRA, como era habitual, mas também presidia a reunião o presidente Osvaldo Dorticós e os membros do Conselho de Ministros do Governo Revolucionário.
Fidel começou a reunião dizendo-nos, em tom grave: “Convidei a esta Terceira Reunião Nacional do INRA o presidente da República e o Conselho de Ministros para que vocês saibam que existe um Governo neste país, pois vocês se converteram em uns “pequenos czares” em suas zonas de desenvolvimento, adotando decisões em questões alheias a suas esferas de trabalho e, noutras ocasiões, agindo de forma não coordenada nem autorizada pelos ministros que têm a ver com as mesmas. Os 26 chefes de Zonas de Desenvolvimento Agrário cumpriram sua missão de banir o latifúndio, mas alguns já se excederam em suas funções e prerrogativas. Conhecemos que sempre o fizeram, no intuito de acelerar o trabalho na zona: que foram pressionados pela urgência que têm as tarefas que lhes encomendaram, ou por outras circunstâncias que fazem mais lento ou que se opõem ao cumprimento das tarefas que desenvolvem, mas se torna imprescindível consultar e coordenar as acções com os ministros correspondentes”.
“Não fazê-lo assim deu lugar a choques desnecessários entre funcionários e tarefas empreendidas por diferentes dispositivos do Governo e no INRA nas Zonas de Desenvolvimento Agrário. Houve ocasiões em que algumas dessas decisões erradas, não consultadas, foram denunciadas pela oposição, que as engrandece e as generaliza aos olhos da opinião pública, como parte de sua luta a morte contra a Revolução”.
Como tema central da Terceira Reunião Nacional do INRA, Fidel expunha a necessidade de aumentar a produção de alimentos, já que com os benefícios da Revolução, se tinha ampliado de forma colossal o nível de vida do povo.
“Seis meses depois da promulgação da Lei da Reforma Agrária, as grandes companhias norte-americanas botaram a boca no trombone e a campanha contrarrevolucionária chegava a seu ponto mais alto. A Revolução Cubana era um acontecimento mundial e a publicidade contra nós era em nível mundial e nós não a podemos contestar, só os anos, o tempo, poderão contestar suas mentiras. Quando os povos se tenham revoltado nos demais países e façam também uma Revolução como esta, é que se poderá contestar cabalmente esta campanha contra Cuba.
“Os imperialistas pensam em invadir Cuba, mas para invadi-la têm que matar quatro milhões de cubanos”.
Com estas empolgantes, valentes e patrióticas palavras, Fidel concluiu a Terceira Reunião Nacional do INRA, analisando criticamente o trabalho realizado e os avanços na implementação da Reforma Agrária, ao findar o “Ano da Liberação”.
(*) Mais adiante, em 3 de outubro de 1963, teve lugar a promulgação da Segunda Lei da Reforma Agrária, já que, como Fidel tinha previsto e anunciado na Terceira Reunião Nacional do INRA, em 1959, a reação da burguesia agrícola e seus aliados no país, e o incremento das agressões a nossa Revolução por parte do governo norte-americano, obrigaram a Revolução a desferir um golpe definitivo a essa burguesia sabotadora e beligerante que ainda retinha e subutilizava aproximadamente 20% da superfície agrícola.
Esta Segunda Lei da Reforma Agrária estabeleceu, finalmente, a nacionalização, a favor do Estado cubano, de todas as fazendas rústicas que ultrapassassem os 67 hectares.
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