sexta-feira, 7 de maio de 2010

A ANISTIA AOS TORTURADORES E A CONCÓRDIA DOS VERDUGOS

Nota Política do PCB

Na história social e política brasileira, os mitos mais sagrados são o da concórdia entre as classes e o nosso “espírito pacífico”. No dia 29 de abril passado, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que por 7 votos a 2 blindou politicamente a Lei de Anistia de 1979, mostrou ao país como e por que tais mitos sobrevivem e se fortalecem, ofendendo a memória e a luta de homens e mulheres que sacrificaram suas vidas para combater a ditadura burguesa, sob a forma militar, que se instalou no Brasil em 1964.

Capitaneada pelo Ministro Eros Grau, relator da matéria, a seção do STF contou com mais seis votos favoráveis à Lei de Anistia, a maioria de ministros nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas impressões digitais aparecem na decisão. O Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União defenderam no STF, certamente por orientação de Lula, a interpretação de Eros Grau, fundamentada no argumento de que todos, torturados e torturadores, foram “contemplados” pelo perdão amplo, geral e irrestrito da lei. Coincidentemente, na véspera da decisão, o Presidente Lula jantou com os ministros do STF.

Se havia alguma dúvida, o Supremo, para o deleite político dos reacionários e fascistas de ontem e de hoje, textualmente consolida o entendimento autoritário de que a Anistia também alcança aqueles que, sob o manto ou não do Estado, praticaram delitos que não são de natureza política, a exemplo de tortura e assassinato. Assim, a suprema corte brasileira, em nome de uma pacificação e concórdia que apenas servem para preservar da punição os criminosos que atuaram a mando das classes dominantes, despreza a legislação mais avançada dos fóruns internacionais, a qual considera imprescritível os crimes de tortura.

Para o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a decisão possui significados que transcendem os limites jurídicos. O primeiro e principal significado é de natureza política. Em uma democracia frágil como a nossa, mesmo nos termos de sua institucionalidade burguesa, blindar politicamente os verdugos da ditadura militar sinaliza para a sociedade que estes estão tacitamente perdoados também em um plano moral. Este perdão moral é quase uma homenagem aos bandidos de ontem, fardados ou não, e um estímulo implícito àqueles que imaginam estar o Estado acima dos direitos e garantias fundamentais da pessoa.

Este entendimento da lei, baseado no mito da concórdia e de uma suposta índole pacífica do brasileiro, é ainda mais grave porque institucionaliza a anistia aos torturadores, invertendo moralmente o seu sinal e transformando-a em um novo legado autoritário do antigo regime. Com os nove votos, o STF reescreve o significado político da Anistia, sob o qual o regime militar consegue uma dupla vitória: perdoa a si mesmo com o perdão confirmado aos seus verdugos, e condena uma segunda vez as vítimas do arbítrio, agora ofendidas moralmente por uma corte que se pretende imparcial, mas, com raras exceções, vota em geral pelos interesses mais conservadores da sociedade brasileira.

O segundo significado diz respeito à compreensão da memória política daqueles fatos que repercutem hoje e vão repercutir no futuro. E assim ocorre porque um dos valores da liberdade de qualquer povo é o conhecimento da verdade – verdade esta que teima em aflorar, a despeito de leis autoritárias blindadas, políticos coniventes com a mentira e uma imprensa hegemonizada ideologicamente pelos interesses do capital.

Por tudo isso, a decisão do STF é um golpe moral e político na história recente dos brasileiros. Daí ser necessário denunciá-la e resistir aos seus efeitos. Calar vai significar esquecer a memória da luta pela democracia. Vai, sobretudo, sinalizar para os fascistas e reacionários de hoje que eles estão livres para cometer torturas e assassinatos em nome da “Segurança Nacional” ou da ordem político-institucional. Não nos surpreendamos se os torturadores passarem a exigir as reparações e indenizações atribuídas aos verdadeiros anistiados políticos.

O PCB reafirma que os bandidos que atuaram em nome da ditadura burguesa-militar devem ser punidos pelos seus crimes de lesa-humanidade.

O PCB alerta que a cultura do esquecimento, proposta sempre às vítimas pelos criminosos do terror de Estado, deve ser repudiada e combatida.

O PCB exige a criação de uma efetiva COMISSÃO DA VERDADE, e não de conciliação como é da pior tradição brasileira, que esclareça as torturas, assassinatos e desaparecimentos de todas as vítimas da repressão, dentre as quais dezenas de dirigentes e militantes do nosso Partido.

COMITÊ CENTRAL

PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB)

Rio de Janeiro, maio de 2010

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