quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

DEPOIS DO PRIMEIRO ATO INSTITUCIONAL DA ERA PETISTA, VEJAM AQUI AS ARMAS DO ESTADO BURGUÊS PARA REPRIMIR O DIREITO DE DIVERGIR (PELA ESQUERDA!):




Drones, robocops, gladiadores, caveirões, armamento "não letal", espionagem, Infiltração policial, agentes provocadores.
Tudo isso às vésperas dos 50 anos do golpe de 1964!
Obs.: O Ministro da Defesa, diante de críticas, criou uma comissão para fazer uma nova redação, mais "democrática", em verdade, mais disfarçada. Veja o que vem por aí, independente das palavras "mais leves" do Ato Institucional petista:

Polícia do Rio ganha nova geração de “Caveirões”
Novo caveirão da PM do Rio de Janeiro sobe escadas e anda inclinado
Soldado Robocop
Em meio a protestos, Tropa de Choque do Rio abre licitação para compra de armaduras "Robocop"
Drones de Israel vigiarão o Rio de Janeiro
PM do Rio vai usar Drones contra crime organizado
Polêmicos e revolucionários, mais de 200 'drones' voam no país sem regra
PM do Rio utiliza drone para reprimir tráfico de drogas em Macaé
PM terá óculos especial de identificação facial
PM de São Paulo testa óculos de reconhecimento facial

Editado o Ato Institucional nº 1 da era petista


(Nota Política do PCB)
No último dia 20 de dezembro, o Governo Dilma, através da PORTARIA NORMATIVA No 3.461, contribuiu decididamente para a reformulação da logística de repressão do Estado, exigida há tempos pelas Forças Armadas e pelos setores mais retrógrados da sociedade, atribuindo ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica a condição de planejar, organizar, gerenciar e efetuar ações repressivas contra manifestações públicas organizadas por movimentos e/ou ativistas sociais.
Sob a justificativa de efetuar Operações para a Garantia da Lei e da Ordem (OP GLO)em situações previsíveis ou em iminentes situações de crises políticas, contra ações das chamadas Forças Oponentes (F Opn), as Forças Armadas passam a ter a incumbência de assessorar e efetuar todas as medidas necessárias com vistas à repressão e à restauração da ordem desejada.  As ações vão desde o uso da inteligência e contrainteligência, com possíveis monitoramentos das comunicações e outros apetrechos de espionagem, até o uso de medidas psicológicas e de comunicação de massas, para condicionar o apoio da opinião pública aos atos praticados pelo governo.
Como se já não bastasse a violência de policiais militares equipados como gladiadores, as Forças Armadas, para enfrentar a “desordem”, vão lançar mão “de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às FOpn”.
As chamadas Forças Oponentes são identificadas como grupos, organizações, pessoas, “infiltrados” em Organizações Sindicais e Políticas, que de modo geral possam gerar “instabilidades, insegurança e ameaças públicas ou privadas”. Cabe nesse aspecto ressaltar a desfaçatez do governo em enquadrar, sob a mesma classificação, desde grupos narcotraficantes até entidades e movimentos sociais, numa clara lógica de criminalização das organizações e dos militantes políticos e sociais que lutam contra os efeitos perversos do sistema capitalista na vida da população.
Entre os delitos classificados como ações de Forças Oponentes, destacam-se: paralisação de atividades produtivas,  invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; bloqueio de vias públicas de circulação e distúrbios urbanos; “delitos” que, por sua vez,  já são acintosamente propagados pela mídia como ações de “vândalos” e “terroristas”, mas que, na verdade, correspondem a respostas efetivas da classe trabalhadora e das camadas populares à opressão, miséria, desigualdade e exploração causadas pelo capitalismo e seus agentes. Até mesmo as greves, direito dos trabalhadores garantido pela Constituição, entraram no rol dos “delitos” a serem reprimidos pelas Forças Armadas, num claro retrocesso que lembra o tempo da ditadura.
O PCB vem a público denunciar que esse ato do Governo Dilma, a mando dos setores mais reacionários e a serviço dos grandes grupos capitalistas e das empresas preocupadas com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, representa a instauração de um verdadeiro estado de exceção no país, visando a resguardar não a segurança pública, mas a garantia da lei da exploração burguesa e da ordem do capital. O ato demonstra ainda o grau de subserviência do governo petista às imposições da FIFA, que teme a não realização da Copa em função das manifestações populares, que certamente voltarão com força neste ano e tendem a prosseguir mesmo depois dos eventos, em função da continuidade dos problemas que provocaram as grandes mobilizações no ano passado.
Diante da grave crise social na qual estamos mergulhados e das crescentes manifestações que evidenciaram o esgotamento do modelo político e econômico social-liberal vigente, o PT e os demais partidos da ordem burguesa vêm acelerando ações que visam a aumentar a repressão, a vigilância social e a submissão das massas ao sistema, pretendendo evitar que as contradições sociais explodam através de revoltas populares, sempre ameaçadoras aos interesses do capital e de suas forças políticas representativas.
A publicação dessa Portaria, às vésperas de o golpe empresarial-militar de 1964 completar 50 anos, apenas reforça a percepção de que, em momentos de aguçamento da luta de classes, independentemente de quem esteja administrando o estado burguês, as classes dominantes se antecipam a qualquer possibilidade de instabilidade política resultante do acirramento das contradições sociais e se lançam ao ataque em defesa de seus interesses.
O ato político do Governo Dilma revela a existência de um processo de fascistização em curso da sociedade brasileira, com o início de uma série de atos articulados que, a partir de agora, ampliarão a ação repressiva do Estado. Associada à pesada propaganda ideológica disseminada pelos meios de comunicação, esta ação tem o intuito de tentar calar todas as justas e genuínas manifestações contrárias aos efeitos do sistema no dia a dia das pessoas, tornando oficial a criminalização das organizações políticas e sociais que lutam contra o capitalismo e seus agentes, assim como de todos os movimentos populares. É a tentativa de impor a ordem a ferro e fogo, garantindo a paz dos cemitérios!
O PCB conclama os partidos e organizações de oposição socialista, assim como o conjunto dos ativistas dos movimentos populares e sociais, à necessária unidade política para barrar as medidas reacionárias adotadas pelo governo Dilma, as quais representam claramente mais uma traição de classe do PT aos trabalhadores brasileiros.
PCB – Partido Comunista Brasileiro
Comissão Política Nacional
Janeiro de 2013
VEJAM UM RESUMO DA PORTARIA NORMATIVA, QUE PODE SER VISTA NA ÍNTEGRA NO ARQUIVO ANEXO:

Garantia da Lei e da Ordem, Ministério da Defesa
PORTARIA NORMATIVA No 3.461 /MD, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2013.
(...)
- Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos
MD33-M-10
15/68
instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.1
- Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
- Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio, praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população em geral.
(...)
3.2.4.1 Por se tratar de um tipo de operação que visa a garantir ou restaurar a lei e a ordem, será de capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação. Esta confiança é conquistada, entre outros itens, pelo estabelecimento de orientações voltadas para o respeito à população e a sua correta compreensão e execução darão segurança aos executantes, constituindo-se em um fator positivo para sua atuação.
(...)
4.2.2.3 Inteligência
4.2.2.3.1 O minucioso conhecimento das características das F Opn e da área de operações, com particular atenção para a população que nela reside, proporcionará condições para a neutralização ou para a supressão da capacidade de atuação da F Opn com o mínimo de danos à população e de desgaste para a força empregada na Op GLO.
4.2.2.3.2 A atividade de inteligência deverá anteceder ao início da Op GLO, sendo desenvolvida, desde a fase preventiva, com acompanhamento das potenciais ações das F Opn. A produção do conhecimento apoiará as ações das forças empregadas e fornecerá dados para o desenvolvimento das atividades de Comunicação Social (Com Soc) e de Operações Psicológicas (Op Psc).
4.2.2.3.3 A utilização dos conhecimentos oriundos de órgãos de inteligência externos às FA exigirá um plano de inteligência adequado à situação, buscando a efetiva integração desses órgãos, antecedendo a ocorrência de fatos motivadores do emprego das FA.
(...)
4.2.4.2 Ações dissuasórias devem ser adotadas para que as ameaças identificadas não se concretizem, evitando, assim a adoção de medidas repressivas.
4.2.4.3 Esta dissuasão deve ser obtida lançando-se mão de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às FOpn.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

"O capitalismo hoje promove uma produção destrutiva"


por István Mészáros
entrevistado por Eleonora de Lucena[*]
A atual crise do capitalismo, que faz eclodir protestos por toda a parte, é estrutural e exige uma mudança radical. Essa é a visão do filósofo István Mészáros, 82.
Professor emérito da Universidade de Sussex (Reino Unido), o marxista Mészáros defende que as ideias socialistas são hoje mais relevantes do que jamais foram. Nesta entrevista, feita por e-mail, ele afirma que o avanço da pobreza em países ricos demonstra que "há algo de profundamente errado no capitalismo", que hoje promove uma "produção destrutiva".
Maior discípulo e conhecedor da obra do também filósofo húngaro marxista György Lukács (1885-1971), Mészáros lançará aqui o seu livro O Conceito de Dialética em Lukács [trad. Rogério Bettoni, Boitempo, R$ 39, 176 págs.], dos anos 60.
A mesma editora lança, de Lukács, Para uma Ontologia do Ser Social 2 [trad. Ivo Tonet, Nélio Schneider e Ronaldo Vielmi Fortes, R$ 98, 856 págs.] e o volume György Lukács e a Emancipação Humana [org. Marcos Del Roio, R$ 39, 272 págs.].
Folha - O sr. vem ao Brasil para falar sobre György Lukács. Como profundo conhecedor do legado do filósofo, como avalia a importância das suas ideias hoje?
István Mészáros - Lukács foi meu grande professor e amigo por 22 anos, até sua morte, em 1971. Ele começou como crítico literário politicamente consciente quase 70 anos antes. Com o passar do tempo, foi se movendo na direção dos temas filosóficos fundamentais. Seus três trabalhos principais nesse campo – "História e Consciência de Classe (1923), "O Jovem Hegel" (1948) e "A Destruição da Razão (1954) – sempre resistirão ao teste do tempo.
Seus estudos históricos e estéticos sobre granes figuras da literatura alemã, russa e húngara seguem sendo as mais influentes em muitas universidades. Além disso, ele é autor de uma monumental síntese estética, que, tenho certeza, virá à luz um dia também no Brasil. Felizmente, seus também monumentais volumes sobre problemas da ontologia do ser social estão sendo publicados agora no Brasil pela Boitempo. Eles tratam de algumas questões vitais da filosofia, que têm implicações de longo alcance também para a nossa vida cotidiana e para as lutas em curso.
O que é menos conhecido sobre a vida de Lukács é que ele esteve diretamente envolvido em altos níveis de organização política entre 1919 e 1929. Ele foi ministro de Educação e Cultura no breve governo revolucionário da Hungria em 1919, que surgiu a partir da grande crise da Primeira Guerra Mundial. No Partido ele pertencia ao "grupo Landler"; era o segundo no comando. Esse grupo recebeu o nome em homenagem a Jenö Landler (1875-1928), que foi um líder sindical antes de se tornar uma figura do alto escalão partidário. Ela buscava seguir uma linha estratégica mais ampla, com maior envolvimento das massas populares.
Lukács foi derrotado politicamente em 1929. No entanto, voltando a 1919, em um dos seus artigos (está no meu livro editado agora pela Boitempo), ele alertava que o movimento comunista poderia enfrentar um grande perigo quando "o proletariado transforma sua ditadura contra ele mesmo". Ele provou ser tragicamente profético nesse alerta.
De qualquer forma, em todos os seus desempenhos públicos, políticos e teóricos, se pode encontrar sempre evidências de sua grande estatura moral. Hoje em dia lemos muito sobre corrupção em política. Podemos ver a importância de Lukács também como um exemplo positivo, mostrando que moralidade e política não só devem (como advogava Kant) como podem andar juntas.
O sr. e Lukács têm vidas que unem teoria e prática. Qual é a diferença entre ser um militante marxista no século 20 e hoje?
A dolorosa e óbvia grande diferença é que os principais partidos da Terceira Internacional, que tiveram uma força organizacional significativa e até influência eleitoral durante algum tempo (como no caso dos partidos comunistas da França e da Itália), implodiu não só no Leste, mas também no Ocidente. Apenas alguns partidos comunistas bem pequenos permanecem fiéis aos princípios de outrora. Essa implosão ocorreu muito tempo após a morte de Lukács.
Naturalmente, como um militante intelectual por mais de 50 anos ele estaria hoje desolado com esses desdobramentos. Mas partidos são criações históricas que respondem, de maneira boa ou ruim, a necessidades de mudança. Marx foi bem ativo antes da constituição de um partido importante que pudesse, depois, se juntar à Terceira Internacional. Quanto ao futuro, alguns partidos radicalmente eficazes podem ser reconstituídos se as condições mudarem significativamente.
Mas o tema em si é muito mais amplo. A necessidade de combinar teoria e prática não está ligada a uma forma específica de organização. De fato, uma das tarefas mais cruciais para a combinação de teoria e prática é o exame da difícil questão sobre porque houve a implosão desses partidos, tanto no Ocidente quanto no Leste, e como seria possível remediar esse fracasso histórico no atual desenvolvimento da história.
O que significa ser um marxista hoje?
Praticamente o mesmo que Marx enxergou nos seus dias. Mas, é claro, é preciso ter em mente as mudanças históricas e as novas circunstâncias. Marx enfatizou corretamente desde o princípio que, ao contrário do passado, uma característica crucial da análise socialista dos problemas é a confrontação com a autocrítica. Ser crítico ao que nos opomos é relativamente fácil. Isso porque é sempre mais fácil dizer "não" do que encontrar uma forma positiva que possa ser utilizada para que as mudanças necessárias possam ser realizadas.
É preciso um verdadeiro senso de proporção: compreender tanto fatores negativos – incluindo a sua parte mais difícil da autocrítica –, como as potencialidades positivas sobre as quais o progresso pode ser feito. Ambos aspectos são relevantes. É essencial reexaminar com uma intransigente autocrítica até os acontecimentos históricos mais problemáticos do século passado, em conjunto com suas então expectativas. Isso se quisermos superar as contradições do nosso lado no futuro.
A pressão do tempo e os atuais conflitos das situações históricas de hoje tendem a nos desviar desse caminho de ação. Mas o princípio orientador de combinar crítica com genuína autocrítica será sempre um requisito essencial.
Quando a União Soviética acabou, muitos previram o fracasso do marxismo. Depois, com a crise de 2008, muitos previram o fim do neoliberalismo e a volta das ideias de Marx. Do seu ponto de vista, o marxismo está em expansão ou não?
Você está certa. É preciso ser cuidadoso sobre conclusões apressadas e definitivas em qualquer direção. Geralmente elas são geradas mais por desejos do que por evidências históricas. O colapso do governo Gorbachev não resolveu nenhum dos problemas em questão na URSS. A fantasiosa tese sem sentido do "fim da história" de Fukuyama não faz a menor diferença.
Também não é possível descartar o neoliberalismo simplesmente pelo fato de que suas ideias e políticas, promovidas com agressivo triunfalismo, não são apenas perigosamente irracionais (haja visto sua atitude sobre a guerra), mas são absurdas as suas defesas do devaneio do imperialismo liberal. Sob certas condições, mesmo absurdos perigosos podem obter apoio massivo, como sabemos pela história.
A verdadeira questão principal é quais são as forças subjacentes e determinações que conduzem o povo a becos sem saída em diferentes direções. A mudança de humor que colocou "O Capital", de Marx, nas mesas de café da moda (não para estudo, mas para mostrar tema de conversa) não significa que as ideias marxistas estão agora avançando por todo o mundo. É inegável que o aprofundamento da crise que vivenciamos hoje está gerando protestos por todo o mundo.
Mas encontrar soluções sustentáveis para as causas que tendem a surgir em todos os lugares requer a elaboração de estratégias apropriadas e também correspondentes formas de organização que possam coincidir com a magnitude dos problemas em jogo.
E o que dizer sobre as ideias conservadoras? Elas estão ganhando mais adeptos?
Em certo sentido, elas estão inegavelmente ganhando mais adeptos, mesmo que não seja no terreno das ideias conservadoras sustentáveis. "Não mudar" é quase sempre muito mais fácil do que "mudar" uma forma estabelecida de comportamento. É a situação histórica real que induz as pessoas a irem numa direção em vez de outra. Mas a questão permanece: o curso adotado é sustentável? Há uma conhecida lei da física, no terreno da eletricidade, que diz que a corrente elétrica segue a linha da menor resistência.
Isso é verdadeiro também sobre a situação de muitos conflitos sociais que decidem, mesmo que temporariamente, em que direção um problema deve ser equacionado naquele momento dependendo da relação de forças (ou seja: a força de resistência à situação atual) e da capacidade de realização de alternativas adequadas. A viabilidade de longo prazo de um curso adotado em relação a outro não é de forma alguma garantia de melhor sucesso. Muitas vezes o oposto é o caso.
Na nossa situação histórica, as respostas viáveis de longo prazo podem requerer incomparáveis maiores esforços do que tentar seguir o "curso que deu certo no passado", em vez de encarar o desafio e o fardo de uma mudança estrutural radical. Mas os problemas são enormes, e a interação de forças na sociedade é sempre incomparavelmente mais complexa do que a direção da corrente elétrica. Por isso, é muito duvidoso que o que "deu certo" na linha conservadora da menor resistência possa funcionar no médio prazo, muito menos no longo prazo.
Qual seria uma boa definição para o período histórico atual?
Essa é a questão mais importante em nosso período histórico em que crises se manifestam em diferentes planos da nossa vida social. Se estamos preocupados em enfrentar uma solução historicamente sustentável para nossos graves problemas, entender a verdadeira natureza do debate das contradições é essencial. Conflitos e antagonismos históricos são passíveis somente a soluções do tempo histórico. É muito confuso falar de capitalismo como um sistema mundial.
O capitalismo abarca apenas um período do sistema do capital. Só ultimamente é que constitui um sistema mundial de fato, para além da sustentabilidade do próprio capitalismo. O capitalismo como um modo social de reprodução é caracterizado pela extração predominantemente econômica da mais valia do trabalho. Entretanto, há também outras formas de obter a acumulação do capital, como a já conhecida extração política do trabalho excedente, como foi feito na URSS e em outros lugares no passado.
Nesse sentido, é importante notar que a diferença fundamental entre as tradicionais crises cíclicas/conjunturais do passado, pertencendo à normalidade do capitalismo, e a crise estrutural do sistema do capital como um todo - que é o que define o atual período histórico. Por isso tento sempre enfatizar que nossa crise estrutural (que pode ser datada do final dos anos 1960 e se aprofundando desde então) necessita de mudanças estruturais para uma solução duradoura possível. E isso certamente não pode ser atingido com uma "linha de menor resistência".
Quais são as figuras mais importantes deste século 21 até agora?
Como sabemos, o século 21 é ainda muito jovem e muitas surpresas ainda estão por vir. Mas a figura política que teve o maior impacto na evolução histórica do século 21 – um impacto que deve perdurar e ser estendido – foi o presidente da Venezuela Hugo Chávez Frias, que morreu em março deste ano.
Claro, Fidel Castro também está muito ativo na primeira metade desta década, mas as raízes de seu grande impacto histórico estão nos anos 1950. Do lado conservador, se ainda estivesse vivo, eu não hesitaria em nomear o general De Gaulle. Ninguém se alinha à sua estatura histórica no lado conservador até agora neste século.
E qual o evento mais surpreendente do século 21?
É provavelmente a velocidade com que a China conseguiu se aproximar da economia norte-americana, alcançando agora o ponto em que ultrapassar os EUA como "motor do mundo" (como definem de forma complacente) é considerado factível em apenas alguns anos. Era previsível há muito tempo que isso iria acontecer tendo em vista o tamanho da população chinesa e a taxa de crescimento anual de sua economia. Mas muitos especialistas diziam que isso iria ocorrer daqui a muitas décadas no futuro.
No entanto, seria muito ingênuo imaginar que a China pode permanecer imune à crise estrutural do sistema do capital, simplesmente porque seu balanço financeiro é incomparavelmente mais saudável do que o norte-americano. Mesmo o superávit de milhões de milhões de dólares dos chineses pode evaporar-se de um dia para outro no meio de uma turbulência não muito distante no futuro. A crise estrutural, por sua própria natureza, obrigatoriamente afeta a humanidade como um todo. Nenhum país pode invocar imunidade a isso, nem mesmo a China.
As crises fazem parte do capitalismo. Qual sua avaliação sobre a que eclodiu há cinco anos. Quem ganhou e quem perdeu?
Parte do capitalismo? Sim e não! Sim, no sentido limitado de que a crise eclodiu com intensidade dramática nos países capitalistas mais poderosos do mundo, que se autodenominam "capitalistas avançados". Mas muito do seu "avanço" é construído não apenas sobre privilégios de exploração (no passado e no presente) das suas relações de poder (políticas e econômicas) em relação ao chamado "Terceiro Mundo", mas também sobre o catastrófico endividamento de sua realidade econômica.
Escrevi em 1987, num artigo publicado no Brasil em 1987, que o "verdadeiro problema da dívida" não era – como foi apontado na época – a dívida da América Latina, mas a dívida insolúvel dos EUA, que está fadada a acabar com uma colossal quebra, equivalente à magnitude de um terremoto econômico para o mundo todo. Há dois anos, quando dei minha última palestra no Brasil, apontei que a dívida dos EUA somava astronômicos 14,5 milhões de milhões de dólares, antecipando seu inexorável aumento. Hoje nos movemos para os 17 milhões de milhões de dólares, e mais e mais.
Qualquer um que imagine que isso é sustentável no futuro, ou que isso não vai afetar todo o mundo na Terra, quando o processo de crescimento inexorável do endividamento está fadado a levar a uma situação paralisante, deve viver num planeta diferente.
O capitalismo se fortaleceu ou se enfraqueceu com a crise?
As tradicionais crises cíclicas/conjunturais costumavam fortalecer o capitalismo no passado, já que eram eliminadas empresas capitalistas inviáveis. Assim, ocorria o que Schumpeter idealmente chamou de "destruição criativa". Os problemas são muito mais sérios hoje, porque a crise estrutural afeta até dimensão mais fundamental do controle social metabólico da humanidade, incluindo a natureza de forma perigosa. Assim, falar de "destruição criativa" nas condições atuais é totalmente autocomplacente. É muito mais apropriado descrever o que está acontecendo como uma "produção destrutiva".
A crise provocou mudanças políticas em muitos países. É possível discernir um movimento geral, mais para a esquerda, ou mais para a direita?
Até agora, mais para a direita do que para a esquerda. Todos os governos dos países capitalisticamente avançados – e não apenas eles – adotaram políticas que tentam resolver os problemas através da "austeridade", com cortes reais em salários, assim como nos padrões de vida já precários daqueles que são geralmente descritos como os "menos privilegiados".
E a linha de "menor resistência" ajuda na extensão, ou, ao menos, na tolerância das respostas institucionais conservadoras dominantes para a crise. Mas é muito duvidoso que essas políticas, que agora tendem a favorecer a direita, possam produzir soluções duradouras.
Como o sr. previu, a pobreza aumentou nos últimos anos, mesmo em países do coração do capitalismo. Nos EUA, a desigualdade aumentou. No Reino Unido, há um movimento para dar comida aos pobres, coisa que não ocorria desde a Segunda Guerra. O que está errado no capitalismo? É possível que o sistema não possa mais gerar crescimento suficiente para a humanidade?
Dar cesta básica para os muito pobres não é o único sinal visível desse aspecto da crise, nem essa situação está confinada os países capitalisticamente avançados, como o Reino Unido. Escrevi em "Para Além do Capital" (publicado em inglês em 1995) sobre a volta dos sopões. Nos últimos dois ou três anos podemos vê-los nas telas das TVs em escala maior no mais "avançado" (e privilegiado) país: os EUA. Certamente há algo de profundamente errado – e totalmente insustentável – na maneira pela qual o crescimento é perseguido sob o capitalismo.
Algumas formas, pela sua natureza cancerosa de crescimento, são proibitivas mesmo em termos de condições elementares de ecologia sustentável. Porque elas são manifestações flagrantes de "produção destrutiva". Ao mesmo tempo, tanta coisa é desperdiçada como "lixo rentável", enquanto incontáveis milhões, agora mesmo nos mais avançados países capitalisticamente, precisam suportar dificuldades extremas. Há alguns dias o ex-primeiro-ministro britânico John Major estava reclamando que neste Inverno muitas pessoas no Reino Unido terão que escolher entre comer e se aquecer. Em 1992, quando ainda era primeiro-ministro, ele disse com máxima autocomplacência: "O socialismo está morto; o capitalismo funciona". Eu disse, então: "Precisamos perguntar: o capitalismo funciona para quem e por quanto tempo?".
A escolha entre comer e se aquecer, que ele é agora forçado a reconhecer, não é exatamente a prova de quão bem o "capitalismo funciona". Na realidade, o único crescimento com significado é o que responde à necessidade humana. Crescimento destrutivo, incluindo o vasto complexo industrial militar – chame-o de "destruição criativa" – pode demonstrar apenas fracasso. O único crescimento historicamente sustentável para o futuro é aquele que fornece as mercadorias em resposta à necessidade humana e os recursos para aqueles que delas necessitam.
A crise ampliou o desemprego em muitas regiões e abalou o Estado de bem-estar social na Europa. Multidões foram às ruas protestar na Espanha, em Portugal, na França, na Inglaterra, na Grécia. Nos EUA, o Occupy Wall Street desapareceu. Qual deve ser o resultado desses movimentos? Há conexão entre eles? Os partidos de esquerda estão se beneficiando dessas ações ou não?
Em contraste com a idealização propagandística, o Estado do bem-estar social, na realidade, foi muito limitado a um punhado de países capitalistas. Mesmo lá foi construído sobre fundações frágeis. Não poderia ser nunca expandido ao restante do mundo, apesar da promoção acrítica das teorias do desenvolvimento da modernização, quase sempre estruturadas no quadro contraditório do sistema do capital. A verdadeira tendência de longo prazo apontava no sentido oposto ao do idealizado Estado do bem-estar.
A tendência objetivamente identificável foi caracterizada por mim já nos anos 1970 como a "equalização descendente da taxa de exploração diferencial". Isso inclui as diferenças marcantes nos níveis de ganhos por hora de trabalhadores para exatamente o mesmo trabalho na mesma corporação transnacional (por exemplo, nas linhas de montagem da Ford) na "metrópole" em relação aos países "periféricos".
Essa tendência continua a se aprofundar e ainda está longe da sua necessária amplitude. Os protestos em muitos países capitalistas são compreensíveis e devem se aprofundar no futuro. Eles surgem nesse arcabouço dessa tendência perversa de equalização de longo prazo. Compreensivelmente, os partidos que operam no enquadramento da política parlamentar não podem se beneficiar dos protestos. Isso porque eles tendem a acomodar seus objetivos a limites restritos das consequências negativas decorrentes do Estado do bem-estar.
Lukács dizia que os sindicatos eram a organização social civil mais importante. Isso continua valendo?
A visão de Lukács sobre esse ponto era muito influenciada pelo seu camarada e amigo Jenö Lander, que foi um líder sindical antes de se tornar liderança do mesmo grupo partidário no qual Lukács também desempenhou um papel de liderança.
Lukács está certo sobre a contínua importância dos sindicatos, com um acréscimo importante. Não foi ressaltado suficientemente que a potencialidade dos sindicatos foi – e continua sendo – afetada de forma muito ruim pela divisão do movimento da classe trabalhadora organizada entre o chamado "braço industrial" (sindicatos) e o "braço político" (partidos) do trabalho.
A potencialidade positiva dos sindicatos não acontecerá até que essa divisão prejudicial, que produz danos para ambos, seja corrigida significativamente.
Qual sua avaliação sobre a chamada Primavera Árabe? Ela acabou? Há ligação entre os movimentos no mundo árabe e os da Europa? Alguns enxergam uma nova disputa na região. Isso faz sentido?
O impacto da Primavera Árabe tendeu a ser muito exagerado na época em que testemunhamos os primeiros dramáticos acontecimentos. E, depois, sem razão, foram minimizados quando as manifestações de massa no Norte da África arrefeceram.
Até agora, nenhum dos problemas fundamentais foi resolvido em nenhum país em questão. Assim, os protestos vão continuar no futuro, focando também em algumas das graves contradições econômicas (que resultaram em protestos por comida no passado, relutantemente reconhecidos até por proeminentes publicações do "establishment," como a Economist, de Londres), e não apenas na sua dimensão militar e política.
Os levantes vão continuar, ganhando na mídia o nome da estação ligado a eles. Também não pode ser esquecido que alguns países europeus tiveram importantes interesses coloniais no Norte da África e no Oriente Médio. E há tentativas de reavivá-los, o que é bem visível hoje. Ninguém deve imaginar que o imperialismo está confinado no passado.
O Brasil também está passando por uma fase de muitos protestos. Como o sr. avalia esse processo? Há conexão com o que ocorre no mundo?
É impossível encontrar hoje um lugar no mundo onde não estejam ocorrendo sérios protestos sociais. Eles parecem estar focados em diferentes temas, criando a impressão superficial de não existe correlação entre eles. Mas isso é também um auto-engano. Muitas vezes, no passado, muitos desses protestos costumavam ser desconsiderados, tidos como movimentos de um tema específico, sem implicações na estabilidade geral da ordem social estabelecida. Nada pode ser mais distante da verdade.
É verdade que a grande variedade de protestos que testemunhamos hoje em diferentes partes do mundo não se enquadra nos canais e nos modos de ação da política tradicional. Mas seria tolice ter isso como prova de sua irrelevância. Ao contrário, eles apontam para razões muito mais profundas para os problemas e as contradições que se acumularam.
No momento, não é visível nenhuma estratégia de coalescência. Sua característica geral parece ser a de que estão testando os limites e procurando maneiras mais efetivas de articulação de suas preocupações. Estamos testemunhando um processo que ainda está em desdobramento e cujo significado deve ter grandes consequências no futuro.
Há quem enxergue a ação dos EUA nas manifestações pelo mundo, com o objetivo de desestabilizar governos. Isso faz algum sentido?
Isso é uma enorme e excessiva simplificação. Os EUA indubitavelmente estão na linha de frente de conflitos e conflagrações internacionais, por conta do seu impressionante poder dominante no hegemônico imperialismo global. Mas as causas são muito mais profundas do que o que possa ser resolvido por "desestabilização de governos".
Em alguns casos limitados isso pode acontecer, e, de fato, pode ser buscado com êxito pelas forças mais extremistas de organismos da administração norte-americana. Mas, há limite para tudo, até para o neoliberal mais radical e para o aventureirismo neoconservador.
Como a internet muda a luta política hoje?
Certamente a internet ajuda na comunicação e na coesão dos movimentos de protesto, como ficou evidenciado recentemente. Mas não deve ser esquecido que ela também dá os recursos para as forças do outro lado do confronto – dando assistência direta a vários Estados capitalistas.
De qualquer forma, para os dois lados a internet pode apenas fornecer ajuda subsidiária, não importando quão forte ela seja. Os problemas só podem ser resolvidos no próprio terreno em que surgiram. E isso diz respeito às determinações estruturais fundamentais de nossa ordem social.
Como o sr. analisa a relação entre capitalismo e democracia? São compatíveis?
Capitalismo e democracia não são incompatíveis, salvo em situações de crises extremas que trazem à tona os Hitlers e os Pinochets onde quer que tais crises eclodam – mesmo no Brasil no passado recente. A normalidade da produção capitalista é sustentada de forma melhor na ordem das regras formais democráticas de controle e regulação.
É por isso que regimes ditatoriais são insustentáveis no longo prazo e tendem a ser revertidos (mesmo a "miltonfreedmenização" do Chile de Pinochet) para modos políticos mais maleáveis de regulação formal democrática, dentro da moldura geral das trocas capitalistas.
Nos EUA, a direita radical colocou o país à beira do abismo por conta de uma tímida reforma no sistema de saúde. Isso trouxe riscos para os grandes negócios e as finanças. Como o sr. explica isso?
O sistema de saúde nos EUA é apenas uma parte da crise que testemunhamos. Fundamentalmente é inseparável da dívida astronômica de 17 milhões de milhões de dólares que já mencionei. Por enquanto, foi feita uma acomodação parcial entre democratas e republicanos, de forma que a nova data para o problema trilionário irresolvido ficou para o final de 2013, mas não deve trazer novamente um suspense internacional.
Mas podemos estar certos de que essa questão voltará com crescente severidade. 17 milhões de milhões de dólares significa tanto que não é possível encontrar um tapete de tamanho suficiente sob o qual se possa varrer e esconder essa quantia. Como costumeiramente é feito como forma de adiar a solução de problemas.
É possível dizer que o partido democrata foi mais para a direita e falhou em isolar a direita radical do partido republicano?
É difícil dizer qual dos dois partidos é mais à direita do que o outro. Mas ambos estão igualmente errados ao estarem tão à direita para serem capazes de enfrentar os graves problemas da sociedade norte-americana.
Como o sr. analisa a administração Obama e o estado da democracia nos EUA?
Obama prometeu muita coisa que nunca se materializou sob sua Presidência. Basta pensar em Guantánamo. Mas isso não é questão de um presidente em particular. Estruturas de poder não podem ser entendidas em termos personalizados.
Devemos lembrar a entrevista à televisão que o presidente democrata Jimmy Carter deu. Ele chorou, com lágrimas nos olhos, ao dizer que "o presidente não tem poder". De fato, ele conseguiu fazer mais desde que deixou a Presidência do que pode quando estava no comando. Até agora não vimos o presidente Obama chorar na televisão. Mas "há uma primeira vez para tudo", diz o ditado.
Os EUA espionam o mundo inteiro. Recentemente foi revelado um esquema de espionagem norte-americana no Brasil envolvendo interesses em petróleo e mineração. O que o Brasil deveria fazer para defender sua soberania?
Esse tema beira a insanidade. Espionam todos como potenciais inimigos, mesmo chefes de Estado de governos amigos. Há quem possa rir e achar que o problema não é tão sério. Mas precisamos lembrar que a defesa da soberania não pode estar confinada no domínio das leis e da política internacionais.
A legislação internacional é pateticamente fraca a esse respeito, sem mencionar as instituições que tratam globalmente disso. Vale lembrar o título de um livro de um proeminente advogado liberal, Philippe Sands. É "Lawless World: America and the Making and Breaking of Global Rules".
Essas questões são decididas pelas relações reais de poder. E, é claro, as forças preponderantes do capital global ficam com a parte do leão nesse processo de tomada de decisão. A soberania não pode ser protegida sem se atentar para esse lado crítico do problema, inseparável do poder preponderante das corporações gigantes do capital transnacional.
O poder dos EUA está em ascensão ou em queda?
Seria mais apropriado dizer que ele está estacionado, mas ainda é o mais dominante. As condições que explicam essa dominância estão presentes e são bem visíveis: vão do complexo industrial-militar, ao Banco Mundial, ao fato de o dólar ser a moeda de troca mundial. Nenhum outro país poderia sonhar em impor ao mundo uma dívida de 17 milhões de milhões de dólares. Mas uma dominância que repousa sobre esse tipo de fundações só pode ser instável.
Qual é a sua visão da China? Lá a pobreza diminuiu. Há socialismo?
As realizações da China no campo da produção incluindo o declínio da pobreza que você menciona têm sido monumentais. Mas há várias grandes perguntas para o futuro. Acima de tudo: por quanto tempo poderão ser mantidas as realizações na área produtiva sem que elas causem danos irreparáveis nos recursos gigantescos no domínio da ecologia?
Mais ainda: por quanto tempo poderão ser aceitas as impressionantes desigualdades entre os níveis mínimos de ganhos da população trabalhadora e a riqueza dos altamente privilegiados? O socialismo é inconcebível sem uma substantiva igualdade – também na China.
No passado, as disputas no interior do capitalismo provocaram guerras mundiais. Essa hipótese está no horizonte?
A opção pela Guerra foi usada no passado como parte da tentativa de resolver problemas entre partes em conflito sob as regras do capital. Foram duas guerras mundiais no século 20. Com as armas de destruição em massa, ficou impossível prever a compatibilidade dessa solução com as condições elementares da racionalidade. Mas há representantes da direita radical que não hesitariam em jogar com fogo e até abertamente advogam a plena legitimidade de jogar com fogo.
Muitos deles estão presentes em elevados postos da hierarquia política. Assim, o presidente [Bill] Clinton, por exemplo, declarou que "há apenas uma nação necessária, os EUA". Na mesma época, Robert Cooper (guru do primeiro-ministro britânico Tony Blair e conselheiro internacional de Xavier Solana) cantava louvores para o agressivo imperialismo liberal em seus escritos.
Da mesma forma, Richard Haass, diretor de planejamento político no departamento de Estado na gestão George W.Bush, insiste na necessidade de uma estratégia imperialista mais agressiva, escrevendo que a defensiva, não o imperialismo agressivo, é o maior perigo do interesse em reafirmar a hegemonia global dos EUA. Esta precisa ser defendida por quaisquer meios, mesmo com a guerra explícita.
A racionalidade é, obviamente, a grande dificuldade para implantar essas estratégias. Mas ninguém pode dizer que a possibilidade de até mesmo uma conflagração mundial possa agora ser excluída do horizonte histórico.
É possível dizer que a influência dos EUA na América Latina declinou na última década?
Sim. Falarei dos países relevantes nesse aspecto em seguida. E outros poderão se agregar a eles no futuro.
Como o sr. analisa as experiências de países como Venezuela (que fala em socialismo do século 21), Bolívia, Equador, Uruguai, Argentina?
Eles trilham por uma estrada muito difícil, na qual, indubitavelmente, muitos obstáculos serão erguidos no futuro pelo poder imperial dominante. Os EUA declararam abertamente que a América Latina era o seu quintal, reivindicando legitimidade para a sua dominação na região.
Como o sr. avalia os dez anos de PT no governo do Brasil?
Visitei o escritório do futuro presidente Lula em 1983. Tirei então uma foto do escritório onde se podia ler uma palavra iluminada: "Tiradentes". Eu fiquei pensando e continuo pensando hoje quanto tempo mais levará para que seja possível dizer que o escritório nacional de "Tiradentes" teve êxito em extrair os dentes infeccionados que causam tanta dor, mesmo num país com tantos recursos, em todos os sentidos, como o Brasil.
Qual é a sua visão sobre a relevância das ideias socialistas hoje?
Mencionei anteriormente que nossos problemas só podem encontrar soluções sustentáveis na sua época. Outras formas de enfrentá-los podem ser revertidas, como ocorreu no passado.
As ideias socialistas têm sido definidas desde o início como as que requerem uma época histórica para a sua concretização, embora os problemas imediatos de onde elas devem partir sejam muito dolorosos.
Em outras palavras, elas requerem não apenas os serviços urgentes de "Tiradentes", mas também prevenção para as doloridas infecções no longo prazo. As ideias socialistas são, portanto, mais relevantes hoje do que jamais foram.
Que países ou partidos representam o socialismo hoje?
Apenas alguns partidos muito pequenos proclamam sua fidelidade às ideias socialistas. E não há país que possa chamar a si mesmo como socialista.
No passado o sr. usou a expressão socialismo Mickey mouse para tratar de partidos que apenas brincavam com as ideias socialistas. Isso continua a ocorrer?
Não exatamente. O socialismo Mickey Mouse ficou mais fraco. O Partido Comunista Italiano que foi o partido de [Antonio] Gramsci e da Terceira Internacional primeiro se autoconverteu no que se chamam de democratas da esquerda.
Depois achou até a palavra esquerda muito comprometedora. Então se rebatizaram de partido dos democratas. Não há mais Mickey Mouse. É mais como um Popeye que perdeu o seu espinafre.
Quais são suas expectativas sobre o socialismo ou o comunismo no futuro? É um objetivo inatingível? E sobre o risco de barbárie? Existe?
Escrevi num livro também publicado no Brasil [ O século XXI: Socialismo ou barbárie ] que se tivesse que modificar as famosas palavras de Rosa Luxemburgo – "socialismo ou barbárie" – acrescentaria: "Barbárie se tivermos sorte". Porque a exterminação da humanidade é a ameaça que se desenrola. Enquanto falharmos em resolver nossos grandes problemas que se espalham por todas as dimensões da nossa existência e nas relações com a natureza, o perigo vai permanecer no nosso horizonte.
Onde deve estar um militante marxista hoje?
Contribuindo em tudo que ele ou ela possam fazer para buscar solução duradoura para esses grandes problemas.
Qual o seu plano para o futuro?
Continuar trabalhando em projetos de longo prazo que dizem respeito a todos nós.
17/Novembro/2013
[*] Repórter especial da Folha de S. Paulo.
O original encontra-se em blogdaboitempo.com.br/... e a tradução em www1.folha.uol.com.br/...
Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/ .

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Apartheid brasileiro: o caso do Maracanã




Paulo Metri
É um sobressalto para qualquer alma encarnar, como acreditam os espíritas, em um ser humano que viverá em um país capitalista. O ser pode não ser agraciado geneticamente com uma mente e um corpo propícios à sobrevivência neste sistema. Além disso, a aleatoriedade pode escolher um núcleo populacional sem respeito à vida, sem garantia de instrução, atendimento à saúde, acesso a moradia etc, graças à própria agressividade que o capitalismo induz. O núcleo familiar receptor pode também contribuir para a desgraça do ser, que, a estas alturas, se consciente da roleta que participa, desejará não mais nascer.
Estou sendo um pouco radical, uma vez que esta roleta tem uns poucos números de sorte, que correspondem a locais na Terra onde há vida menos desumana, com o capitalismo mitigado. Existem algumas sociedades em que cada ser tem maior consideração com seus pares, apesar de não se importar que haja exploração dos seres de outras sociedades. É como se os seres estrangeiros não pertencessem aos humanos. As guerras, em muitos casos, são consequência da exploração alheia. Se esta necessidade de acúmulo de riquezas não for domada, ela levará à extinção da espécie, dado seu alto grau de exploração humana, guerras e agressão ao meio ambiente.
Mas, em um ponto, pode-se falar a favor do capitalismo, pois é um grande promotor de desenvolvimentos tecnológicos, apesar de ser com o objetivo de acumular mais capital. É interessante notar que nunca se observa que a acumulação positiva de um grupo gera um déficit de acumulação ou carência de outro. De qualquer forma, a competição inspira mais o desenvolvimento tecnológico que a solidariedade.
Esta divagação me gratifica, mas preciso dizer algo sobre o Maracanã, porque é necessário justificar o pensamento que me motivou a escrever e me levou a este título. Uma confluência de interesses, principalmente políticos e econômicos, levaram as forças relacionadas a se mobilizarem para trazer a Copa do Mundo para o Brasil. O povo mesmo não foi consultado e, a bem da verdade, foi muito mal informado. Os políticos acreditavam que conseguir trazer a Copa para o Brasil renderia muito crédito político, se não fosse com o povo, certamente seria com os empresários.
Capitais nacionais e estrangeiros vislumbraram uma excelente oportunidade para aumentar suas riquezas. A FIFA tinha seus ganhos como certos, qualquer que fosse o local da Copa, graças à psicose mundial com relação a este esporte. Com isso, qualquer país hospedeiro abre mão de decisões suas para se submeter à ditadura da FIFA. Não recrimino a humanidade por eleger o futebol como uma das suas maiores obsessões, até porque ele ajuda as pessoas a se deleitarem durante o efêmero tempo nesta superfície. A FIFA tem interesse de preservar a característica circense do evento, para garantir o sucesso de outras Copas. Aliás, gladiadores lutavam contra seus iguais, cristãos desarmados eram entregues aos leões, na antiga Roma, para a máxima “diversão” do espetáculo.
Os Clubes brasileiros e as administrações estaduais descobriram uma forma de ganhar estádios novos com verba pública federal, de graça para eles. Verba esta, oriunda de imposto, que fez falta nos orçamentos da saúde, educação, moradia etc. Os construtores aproveitaram e impuseram reformas desnecessárias ao governo precipitado que decidiu sem visão social e só com interesse político. Ganham muito também empresas do esporte, agências de viagem, empresas de transporte, agências de propaganda e, sem dúvida, as empresas de mídia com o direito de transmissão. Enfim, o circo beneficia muitos, até o povo com a manutenção da esperança de alegrias.
O conluio no Brasil envolveu os mesmos grupos de outras Copas: FIFA, políticos, construtores etc. Para alegria dos construtores, concluíram erradamente que o Maracanã tinha que ser colocado abaixo e construído outro no lugar. O antigo era popular, pois alguns destituídos de dinheiro podiam assistir ao jogo até de perto, sem ver imagens de duas dimensões em uma tela, sentindo o cheiro do suor dos jogadores. Nele, o pobre conseguia ser aceito.
A versão das mentes servas do capital era: “O Maracanã precisa ser destinado a quem conquistou na sociedade o direito de ver belos espetáculos”. Continuavam dizendo: “Um Zé Ninguém não pode ter o direito de ouvir os berros dos jogadores, enquanto a elite está surda”. E concluíam: “Não se sabe onde estava a cabeça dos projetistas do antigo estádio com total repulsa à hierarquia social”. Esses destruidores do patrimônio popular deviam ir a um jogo de baseball em Cuba, o esporte mais popular deste país, para ver os portões totalmente abertos, sem bilheterias, com o povo entrando e sentando livremente. O único critério para a conquista de um assento era ter chegado cedo. Era assim, há uns quinze anos. Torço para que ainda seja.
Assisti, pela televisão, ao jogo final da Copa do Brasil do ano passado, que foi no novo Maracanã. Mesmo que estivesse motivado a ir ao estádio, me negaria a pagar mesmo o preço mínimo de R$ 250. A partir da televisão, o estádio parecia muito bonito. Aliás, pelo que foi gasto, se não parecesse, era o caso de se reivindicar uns fuzilamentos. Mas, o que mais me chamou a atenção foi, quando uma câmera, que provavelmente estava fixada em um trilho no teto do estádio, começou a deslizar mostrando a torcida do Flamengo. Era um mar homogêneo de torcedores brancos, cheios de dentes brancos, bem nutridos e vestidos e, por aí, vai. Veio à minha cabeça, por uma fração de segundo, a impressão que o Bolsa Família tinha conseguido um resultado inusitado, pois até o branqueamento da sociedade brasileira imaginado por conservadores do início do século passado tinha ocorrido. Mas, aquela era a imagem de um subgrupo extremamente minoritário dos flamenguistas. Ali, não tinha o povão torcedor do time, que forma a grande massa dos torcedores. Aí, veio a pergunta: “Onde está o povo?”
O povo está se comprimindo nas portas de bares e restaurantes, que têm telão, ou vendo em uma telinha pequena em casa. Dependendo do dia, ele pede uma cerveja para o dono do bar não olhar com cara feia. O povo foi expulso do Maracanã, com a adoção da proposta do capital. Não sei o que representava uma ida ao Maracanã para um torcedor verdadeiro, pois nunca fui um aficionado, mas, sou levado a crer que a reforma deste estádio foi sobejamente desaprovada. Para tornar pior o ato dos governos, a verba que o “modernizou” era pública, então ela não poderia ser usada para benefício de uma casta da sociedade. Hoje, o Maracanã, certamente, não parece com a Praça Castro Alves de Salvador, porque esta é do povo.
Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/

Nossa América hoje




Editorial ABP – 2014
Néstor Kohan
Neste começo do ano de 2014, diversos aniversários convergem. Os 55 anos da Revolução Cubana se sobressaem aos 20 anos da Rebelião Zapatista. A primeira aparece nas páginas mais gloriosas da história da luta continental (e mundial), inaugurando na região a transição para o socialismo e derrotando o imperialismo em sua tentativa de invasão militar e bloqueio econômico. A segunda, de menor profundidade política, porém não de menor importância simbólica e cultural, proporcionou uma bofetada no neoliberalismo apenas cinco anos depois da queda do muro de Berlim e quatro anos após a derrota sandinista.
Nenhuma destas duas rebeliões foi esmagada definitivamente pelos poderosos da Terra.
O imperialismo norte-americano, hoje mais agressivo que nunca, mais desesperado que nunca, de seu modo, mais enfraquecido que nunca, não conseguiu colocar fim ao exemplo cubano. Tampouco, conseguiu apagar a rebelião indígena de Chiapas. Mais uma vez, rumina sua impotência política.
Junto à Revolução Cubana e à Rebelião Zapatista, uma terceira estrela de rebeldia mantém seu brilho em meio à tormenta, a persistência histórica da insurgência colombiana. Este ano comemoram-se 50 anos da epopeia de Marquetalia. Meio século depois, esta rebeldia não foi derrotada. Apesar do Estado colombiano receber a maior “ajuda” (investimento) econômica militar do planeta, atrás apenas de Israel e Egito, um exército incrível de espiões, mercenários, empresários e assessores estadunidenses, não consegue desarticular a insurgência colombiana.
Na Venezuela, morto (assassinado?) o comandante Hugo Chávez, as agências norte-americanas USAID, NED, Ford e outras similares, não conseguem desarmar o processo bolivariano que, mais uma vez, contra todo o prognóstico midiático, volta a vencer as eleições periódicas. Ainda que sem contar com o carisma de Chávez, a Revolução Bolivariana não foi detida nem interrompida.
Nos quatro países (Cuba, México, Colômbia e Venezuela) o Estado norte-americano e seus aparatos de contrainsurgência investem milhões e milhões de dólares para esmagar a rebeldia. Mas não conseguem. Por trás de suas bravatas de cowboys, seus filmes triunfalistas que nunca se concretizam na vida real e seus programas milionários de contrarrevolução, que apenas servem para continuar endividando até o infinito o povo estadunidense, os generais do Pentágono e seus financistas do complexo militar industrial continuam, como Penélope, tecendo e esperando em vão.
Fidel não morreu e o povo de Cuba permanece de pé (a cada primeiro de maio Havana se pinta de povo). Os indígenas zapatistas de Chiapas continuam intactos em seus gestos de rebeldia (suas juntas de bom governo se mantêm ali, teimosas e obstinadas). Os rebeldes bolivarianos da Colômbia não deixam de ganhar e aumentar o apoio popular (não tanto pela pólvora, mas principalmente pela mobilização maciça do povo humilde e trabalhador). O povo bolivariano da Venezuela reafirma nas urnas e na rua que a pobreza não é alternativa de nada (as últimas eleições voltaram a mostrar a superioridade do projeto de Chávez).
Apesar de suas “estratégias”, o imperialismo rumina e não tem mais remédio que tragar essa quádrupla derrota em silêncio.
Para tentar remediá-la e neutralizá-la, a geopolítica estadunidense idealizou a Aliança do Pacífico. Uma tentativa tardia de voltar a implantar a vassalagem econômica monroista já fracassada com a ALCA. Essa é hoje sua principal aposta em escala continental. Em paralelo, o Vaticano, eterno aliado fiel das administrações da Casa Branca, destaca um quadro político populista como Bergoglio para disputar os processos sociais da região, o consenso das massas populares e a hegemonia sobre a sociedade civil.
Os programas de contrainsurgência e “segurança democrática”, no plano político militar, as alianças comerciais no âmbito econômico e o conservadorismo populista da prédica papal no terreno ideológico, constituem uma tripla operação de pinças que ameaça o movimento popular de nossa América.
Nessa difícil conjuntura se abre o ano de 2014. Nosso tempo é um tempo de disputa, de pulso, de medição de forças entre um projeto bolivariano continental de unidade das forças populares e uma tentativa imperial e contrarrevolucionária de frear as transformações latino-americanas.
O futuro está aberto entre a revolução e a contrarrevolução. Ganhará quem conseguir articular maior hegemonia em escala continental. Estamos nessa batalha. Bolívar não semeou no mar.
Néstor Kohan, membro da presidência coletiva do Movimento Continental Bolivariano (MCB)
Fonte:http://www.abpnoticias.org/index.php/hidden-editorial/458-nuestra-america-hoy
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

domingo, 5 de janeiro de 2014

PARA ALÉM DAS RUAS: AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO/JULHO DE 2013 E AS CLASSES MÉDIAS


HIRAN ROEDEL*
Considerações preliminares
Antes de abordarmos a questão das manifestações políticas que sacudiram o Brasil a partir de junho de 2013, cabem algumas questões preliminares, como: qual o perfil político dos brasileiros, qual a condição de hegemonia1das classes dominantes, e, por fim, qual a conjuntura política das manifestações. Essas são questões que fazem parte da reflexão, pois permitem a articulação com elementos mais amplos e que, por isso, possibilitam situarmos o objeto de nossa análise de modo a desvelar suas relações com um universo mais complexo.
Desse modo, o ponto inicial destacado, o perfil político dos brasileiros, ao mesmo tempo em que nos remete para o processo histórico do país, nos impõe a sua articulação com a condição de hegemonia das classes dominantes. Não obstante, a abordagem em separado obedece unicamente ao critério didático da reflexão.
Dada essa explicação preliminar, passemos aos elementos que integram, de forma global, a nossa reflexão.
O perfil político dos brasileiros
A primeira pergunta a ser feita nessa questão é: o que compõe o perfil político dos brasileiros? Ou melhor, o que define o perfil político dos brasileiros? Para respondê-la, como foi apontado acima, recorreremos ao processo histórico. Nesse sentido, o corte temporal escolhido é a partir dos anos 30 do século XX, por corresponder à conjuntura de aprofundamento das tensões e das transformações estruturais que forjaram, no Brasil, a sociedade urbano/industrial. Desse modo, pode-se observar o aspecto da lógica de revolução passiva2 que orientou a referida conjuntura.
As transformações estruturais ocorridas, a partir da década de 1930, obviamente não tiveram seu início nesse momento, mas são decorrência de um processo que estava em andamento há pelo menos 70 anos. O que ocorre na conjuntura dos anos 30 é a emergência de fatores e tensões que proporcionam a ruptura de parte da ordem estabelecida e, com isso, o rearranjo das forças político-econômicas no país em que a nova ordem incorpora traços da antiga que passa a ser superada gradualmente.
Dentre esses fatores e tensões, podemos destacar a conjuntura do pós 1ª Guerra que desemboca na Crise de 1929, ocasionando a retração do mercado internacional e o impacto econômico sobre a classe agroexportadora, resultando na fragilização política das tradicionais oligarquias rurais. Essa conjuntura permite o rearranjo das forças políticas, abrindo espaço para a classe empresarial urbana iniciar seu processo de protagonismo no cenário político nacional.
Porém, a sua sustentação nessa posição não ocorre sob a forma de ruptura, ou de uma revolução clássica, mas de conciliação entre as diversas forças envolvidas, o que não quer dizer que signifique um processo pacífico. Ou seja, esse empresariado urbano não substitui integralmente a classe de proprietários rurais do poder, mas sim reordena as posições no controle do Estado. É um processo que corresponde a uma ocupação de espaço gradual que levará, até assumir a condição de força política plena nesse controle, em torno de 30 a 40 anos.
Esse “cabo de guerra” que a classe empresarial urbana trava com a classe de proprietários rurais pelo controle do Estado somente lhe é favorável quando dois outros aspectos são postos na mesa: a urbanização e a expansão das classes médias. O primeiro é o fator impulsionador do segundo que se beneficia quanto mais complexa se torna a sociedade brasileira em decorrência do avanço das relações capitalistas no país.
Pode-se entender, então, que a sociedade urbano/industrial com seu desenvolvimento material, com seu bem-estar e conforto, atua como polo de atração ideológica3 e econômica para essas classes médias. Nesse aspecto, ela é revolucionária ao permitir, com sua adesão à visão de mundo do empresariado urbano, a ruptura gradual da ordem da classe de proprietários rurais. Entretanto, ela se assume como conservadora, sob o ponto de vista da classe trabalhadora, ao defender, pela perspectiva de seus interesses corporativos e de seus privilégios, a ordem de uma formação social liderada pelo empresariado urbano.
O apego ao individualismo favorecido por seu grau de escolaridade, de suas relações interpessoais, de suas origens familiares que possibilitam e sustentam seus privilégios individuais, constitui a linha de conduta política dessas classes médias, pois esses aspectos compõem seu capital social. Um capital a serviço do indivíduo e amplamente utilizado e valorizado, na estrutura de poder, pela classe empresarial.
Mas cabe destacar, que esse processo de transformação, pelo qual passava o Brasil, corresponde à conjuntura de deslocamento do eixo dinâmico do capitalismo mundial. Ou seja, a Europa ocidental, após a 2ª Guerra, perde sua posição de liderança econômica e sua condição de hegemonia no mundo para a nova potência que emergia: os EUA. Sob esse novo cenário, as tensões e relações internacionais passam a se submeter à hegemonia norte-americana. Por outro lado, a existência da URSS, e sua afirmação como potência também a partir dessa conjuntura, levou o mundo ao contexto da bipolarização, o que implicava no acirramento da luta ideológica.
No lado ocidental vive-se a expansão da sociedade de massa em que a cultura também passa a se orientar pelos paradigmas da mercadoria. O acirramento ideológico mundial fruto da bipolarização, caracterizado como Guerra Fria, implica no confronto de concepções de mundo. Trata-se, para uns, da disputa entre metadiscursos, ou discursos totalizantes, ou, ainda, de visões de mundo. Mas o que é evidente, é que são disputas por projetos de sociedade de caráter nacional.
Essa questão se torna importante de ser apontada, mesmo que de forma superficial, pois de um modo geral impactam no perfil político do brasileiro. A bipolarização e a hegemonia ocidental pelos EUA impõem um padrão de comportamento político das classes sociais no Brasil.
Diante disso, o conjunto de classes em aliança no Brasil que assumem a condição de direção econômica, política e cultural, ou seja, assumem a hegemonia, se define pelo perfil conservador que se expressa em todos os níveis. A relevância da visão de mundo, difundida pelos padrões norte-americanos no Ocidente, define o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro, que a partir dos anos 50 se orienta pela substituição de importações. Ao possibilitar a aceleração e a expansão industrial fortalece os empresários desse setor, além de oferecer às classes médias o privilégio do consumismo. Mas os principais pilares das alianças de classe são definidos entre os grandes proprietários rurais e o empresariado urbano, ocupando este último a condição de hegemonia após 1964.
As classes médias participam desse bloco de alianças em condições periféricas, porém como beneficiárias do bem-estar gerado pelo processo de crescimento industrial e de ampliação do consumo de bens, em especial a partir da década de 1970. Mas não se pode esquecer, ainda, que a ampliação da máquina estatal como impulsionadora desse processo, o que ocorre desde os anos 30, incentivou a sua fração de classe vinculada ao aparelho burocrático.
Mas e as classes populares, como ficam nesse cenário? Essas permaneceram alijadas do processo político decisório do país tendo em vista a existência de mecanismos de cerceamento de participação, cujo sistema eleitoral, antes de 1930, é um dos exemplos. Após a implantação de partidos nacionais nos anos 40 e a afirmação da democracia representativa de massa a partir dos anos 80, a situação dessas classes não se altera, pois suas participações no jogo político não ultrapassam os limites da legitimação dos pleitos.
A centralização política iniciada a partir dos anos 30 atua como ferramenta garantidora do status quo, o que incentiva a expansão da fração das classes médias ligada intimamente à estrutura burocrática estatal. Por outro lado, o modelo de desenvolvimento industrial conservador do pós-30, e aprofundado no pós-64, atua como fator impulsionador do êxodo rural (SANTOS et al, 2003). Esse movimento incorpora a massa de migrantes que acorre para os centros urbanos, juntamente com as classes populares dos grandes centros, ao jogo político eleitoral, principalmente após a constituição de 1988.
É sempre bom lembrar que o êxodo rural é fator incentivador da explosão demográfica nos principais centros urbanos do país. Mais ainda. É igualmente responsável pela proliferação das favelas nas áreas metropolitanas associado à falta de políticas sociais de melhoria das condições de vida desses migrantes e das classes populares como um todo. Isto é, as favelas são fruto dos baixos padrões de remuneração, de higiene e de instrução dessa massa populacional (GUIMARÃES, 2008).
Tanto as favelas quanto as demais áreas proletarizadas, as periferias, como hoje em dia são denominadas, se constituíram em regiões dominadas pelo mandonismo de chefes políticos, de grupos paramilitares e/ou do tráfico. São áreas cuja população, pelo ponto de vista conservador hegemônico, deve ser mantida pelo rígido controle coercitivo, pois são entendidas como classes perigosas (GUIMARÃES, 2008).
Nesse cenário, as classes populares foram mantidas à margem do poder decisório do Estado, apesar de participarem do jogo eleitoral. A precariedade no atendimento de suas demandas, mais que um puro e simples descaso com problemas vividos por essas classes, se constitui em uma prática do modelo das relações de poder que sustentam o conjunto das relações sociais predominantes na estrutura da formação social brasileira.
Desse modo, diante da predominância do senso comum4 das classes populares, sua participação política se encontra subordinada por elementos externos. Ou seja, a solução de suas questões não é posta pela capacidade de suas articulações, mas pela “proteção” política que permite a afirmação do mandonismo.
O quadro sociopolítico apresentado nos permite, desse modo, observar a relação entre o desenvolvimento da estrutura socioeconômica e o modo de pensar hegemônico do brasileiro. Neste, as classes médias caminharam junto com as classes economicamente dominantes, mesmo que isso significasse uma posição periférica. É esse perfil que define o caráter conservador, e não popular, da modernização no país. Definido isto, podemos traçar a condição de hegemonia das classes dominantes.
A condição de hegemonia das classes dominantes
Iniciemos este item lembrando o que entendemos por hegemonia. Utilizamos, nesse sentido, o conceito gramsciano que define como sendo a condição de direção ético/moral da sociedade (GRAMSCI, 1995). Uma condição que transcende a direção política, mas a submete à sociedade civil. Sendo assim, a condição de dominação econômica estabelece uma relação orgânica, atuando e definindo a forma de compreensão da realidade e oferecendo as ferramentas teóricas para perceber e interferir sobre esta.
Desse modo, a classe que detém a hegemonia organiza a cultura orientando-a de acordo com a sua visão de mundo, mas não sem conflitos e contradições. Como característica, essa organização se faz a partir, prioritariamente, pela persuasão através dos diversos aparelhos privados de hegemonia, o que não significa a impossibilidade de se utilizar a coerção como ferramenta. Este recurso será acionado sempre que necessário.
A classe empresarial urbana brasileira, ou seja, a classe capitalista se define como classe hegemônica pós-64, o que não quer dizer que a estrutura das alianças de classe tenha se alterado. O que ocorreu foi que a visão de mundo da classe capitalista assumiu a condição de direção ético-moral na sociedade, subordinando, com isso, os traços ideológicos das demais classes.
É importante destacar que a visão de mundo desse empresariado urbano, até os anos 80, encontrava-se arraigado à discussão de projeto de sociedade nacional. Essa foi a tônica, inclusive, que pautou tanto o II PND5 de meados dos anos 70 que definiu estratégias para o desenvolvimento econômico e fortalecimento do capitalismo no país (LESSA, 1998), quanto à formação intelectual com a implantação, por exemplo, de políticas e reformas do ensino até os anos 80.
A partir do regime instaurado em 1964, as relações capitalista se expandem de forma avassaladora para o meio rural alterando gradativamente o perfil do latifúndio e da mentalidade dos grandes proprietários que passam, cada vez mais, a se comportarem como empresários. O lado perverso desse processo, que corresponde ao desenvolvimento das forças produtivas no campo, se manifesta pelo acirramento do êxodo rural e o aumento da tensão em prol da luta pela reforma agrária. Esse é o momento em que o aparato coercitivo jurídico e policial atuam de maneira a submeter as forças contrárias e abafar a luta de classes.
Se até a década de 1980 os metadiscursos em disputa têm na questão nacional e, para alguns com corte de classe, seu polo central, nas décadas seguintes o centro passa a ser outro. O debate totalizante de projeto de sociedade, com ou sem corte de classe, cede espaço para a lógica discursiva fragmentária em que no campo político-econômico se manifesta na defesa do neoliberalismo, enquanto que no campo sócio-filosófico vão se definir como pós-moderno ou o que seria, para outros, o próprio fim da história.
Considerando que houve um deslocamento do debate de sociedade para o de mercado, viabilizado pelo fim do contraponto da URSS nos anos 90 e o consequente desmonte do bloco do socialismo real, o discurso da pós-modernidade, que rompe com a totalidade apostando na fragmentação da realidade, passou a ser o mote. Defendeu-se a impossibilidade de sustentação e afirmação de metadiscurso político e/ou econômico, de projetos revolucionários que abarcassem e articulassem, portanto, o conjunto da sociedade. Passou-se a afirmar que nesta somente se pode intervir de modo pontual, não mais de forma global como fora a visão até o século XX.
O desenvolvimento das forças produtivas, em especial na tecnologia de comunicação, era apontado como um grande exemplo dessa nova realidade. A possibilidade de se radicalizar o individualismo, bem como de se fragmentar a realidade com o aumento e instantaneidade do fluxo de informação teria possibilitado a democratização da informação, mas paradoxalmente, como destaca Eduardo Galeano: “estamos informados de tudo, mas não sabemos de nada” (GALEANO, 2009).
Nesse sentido, o cenário que se ergue e se consolida a partir dos anos 90 concilia três aspectos fundamentais para a afirmação da hegemonia da classe capitalista no Brasil: o neoliberalismo, a globalização e o discurso pós-moderno. O neoliberalismo, com sua defesa intransigente do Estado mínimo e da regulação da vida em sociedade pelas leis de mercado, constrói o campo favorável para a financeirização das relações sociais. É um discurso e uma prática que une o aspecto político com o econômico articulado diretamente com o desenvolvimento das forças produtivas que passou a ser designado de globalização.
Esta se caracterizaria, segundo seus defensores, pela quebra da verticalização das relações internacionais e a construção de relações horizontais. Chegaram mesmo a afirmar que teria acabado o imperialismo, pois com esse novo tipo de relação, cuja tecnologia de comunicação era seu principal viabilizador, o capital deixara de ter sua matriz definida geograficamente. Entretanto, para que todos pudessem se beneficiar dessas condições “democráticas”, seria necessário a implementação das reformas políticas fundamentais, abrindo espaço para o setor privado em detrimento do Estado, o que significa dizer que se deveria derrubar barreiras de proteção dos mercados nacionais.
Enquanto esse debate político e econômico se difundia submetendo as relações nacionais e internacionais à lógica do mercado e da livre concorrência, ao mesmo tempo os indivíduos eram envolvidos pelo “canto da sereia” que estandardizava a vida em sociedade. As novas possibilidades que se abriam permitiriam a todos se desvencilhar, também, das amarradas das relações trabalhistas que impediam a democratização das oportunidades ofertadas pelo mercado globalizado. Era necessário, portanto, que reformas trabalhistas ocorressem para libertar as forças do empreendedorismo.
O processo de aumento da concentração de riquezas e a monopolização da economia gerada pelo neoliberalismo e a globalização, ambos apenas mais uma vertente do capitalismo, por sua vez era abafado pelo discurso pós-moderno. Este completa o conjunto de argumentações, fosse com o de sociedade do conhecimento, fosse com sociedade pós-industrial ou qualquer outro conceito que fundamentasse o individualismo, a relativização e a fragmentação da realidade próprios dessa matriz teórica. Afirmava-se ainda, com essa lógica, que estava decretado o fim da centralidade do trabalho e que, por isso, os laços de relação e solidariedade de classes estavam esgarçados e haviam perdido o sentido de existência.  Esse discurso “caiu como uma luva” para as classes médias.
É nessa conjuntura, portanto, que se estabelece a hegemonia da classe capitalista, no Brasil. Ou seja, com a afirmação dos preceitos neoliberais, com a ideia de globalização vinculada a de democracia pautada pelo consumo, mais a popularização da lógica pós-moderna de fragmentação da realidade, bem como a relativização da política.
Se por um lado essa conjuntura encanta as classes médias pelo incentivo ao consumismo, pelo individualismo e pela radical impossibilidade de ruptura que colocaria em risco seu patrimônio material e seu status quo, por outro afetou fortemente sua fração de classe vinculada ao aparelho burocrático do Estado. Esta fração se viu gradativamente deslocada politicamente, pela queda de seu poder aquisitivo e de suas condições materiais, para as proximidades das classes populares, fragilizando, com isso, sua capacidade de interferência no processo decisório do Estado.
Ou seja, as classes médias, ao serem fracionadas em suas condições econômicas, também se dividem em suas posições políticas frente à conjuntura. É esse jogo de fragmentação que põe essas classes no centro nervoso contemporâneo político, porém as coloca de forma dúbia tendo em vista seu perfil ideológico.
A redefinição de seu papel no conjunto das alianças de classes que se reorganiza ao longo dos anos 90 e 2000, em decorrência da fragilização de sua fração ligada ao aparato burocrático, apresenta para as classes médias um caminho que tende a se bifurcar. Enquanto esta fração, por suas condições econômicas, tem no caminho de proximidade com as classes populares uma possibilidade, ao seu outro segmento o caminho que se aponta é o de fortalecimento das alianças de sustentação do capitalismo.
Nessa conjuntura, é bom que se observe, que o campo político se vê igualmente dominado, tal qual o campo econômico, pela lógica do empreendedorismo. Com isso, a política passa a ser encarada como questão de gestão e, portanto, abre espaço para formas de práticas políticas definidas a partir da afirmação do profissional/gestor da política que foca seu desempenho na adequação das relações sociais à globalização. O mercado se torna a ser a arena onde a política é feita, mas como destaca Milton Santos “... esse mercado global não existe como ator, mas como uma ideologia, um símbolo” (SANTOS, 2000, p. 67).
Os grandes projetos de sociedade, os metadiscursos políticos, as possibilidades de rupturas, com esse cenário, estão todos excluídos diante dessa lógica empreendedora. Definem-se os partidos como agências de negócios dos interesses das grandes empresas e os políticos como despachantes dessas. Deixa-se de ter espaço para o debate ideológico, o que é avalizado pelo conjunto de classes que compõe o bloco hegemônico e disseminado amplamente pela sociedade, em que as classes médias têm papel significativo como formadoras de opinião junto às classes populares.
Logo, a hegemonia do regime do capital, nesses vinte anos, foi construída em um cenário de fragmentação da percepção da realidade. Este tem como pilares o neoliberalismo, a globalização e o discurso pós-moderno. É nesse sentido que a classe dos capitalistas afirma sua condição de classe hegemônica no Brasil. Ao mesmo tempo, fortalece a condição de monopolização da economia e, igualmente, desloca parte da fração das classes médias, vinculadas ao aparelho burocrático do Estado, para a proximidade das condições materiais das classes populares. Aí se encontra o centro nervoso das retomadas das mobilizações de rua que eclodiram a partir de junho de 2013.
O cenário das manifestações
As mobilizações de rua que eclodiram em junho/2013 trazem consigo uma aparente radicalidade. As forças políticas envolvidas não se manifestam a partir de um objetivo em comum, mas em uma pluralidade de reivindicações. A falta desse objetivo demonstra, de certa forma, a fragmentação de pontos de vista sobre a realidade que se encontram vinculados aos interesses das classes envolvidas. Ou seja, a fragmentação da percepção sobre o conjunto da realidade tem imposto, igualmente, a fragmentação nas propostas políticas que são apresentadas como necessidades de intervenções pontuais. No que se refere à repulsa aos partidos políticos, esta é a expressão do entendimento de que, para muitos, a questão é de gestão e, por isso, estes estariam superados.
Nesse momento, cabem duas observações iniciais: 1) por que as classes médias vão às ruas?; 2) por que os sindicatos e partidos políticos são hostilizados? Evidente é que não seria apenas contra o aumento das passagens de ônibus, apesar da péssima qualidade do serviço que essas empresas prestam principalmente em todas as grandes e médias cidades do país.
No que tange às classes médias, a reordenação de sua posição e condição no bloco de alianças de classes hegemônico, tendo sido estas levadas ao conflito de interesses interno, levou suas frações a posições opostas. Por outro lado, a hostilidade aos partidos de esquerda, e seu enquadramento no mesmo perfil dos “partidos empreendedores”, demonstrou a superficialidade de análise. É bom lembrar que a maior parte da esquerda é composta, justamente, por integrantes das classes médias, o que não quer dizer que essas classes sejam de esquerda. Sobre essa questão, cabe lembrar o papel desempenhado por elas ao longo do processo histórico do país, bem como de seu perfil ideológico.
As revoltas manifestas de várias maneiras, inclusive com agressões a militantes de esquerda e/ou depredações de prédios públicos ou de símbolos do capital, não ultrapassaram os limites da apreensão da realidade de forma fragmentada e do caráter de rebeldia. Essas ações não abalaram, sequer, as estruturas da ordem do regime do capital e o perfil de suas relações de poder.
Isto é, não ousaram ou não foram capazes, pelo menos ainda, de produzir um projeto alternativo de sociedade contra a qual se manifestam. Afinal, até agora a personalização do “inimigo” apenas tem atingido os despachantes do empresariado. Uma tática que não conseguiu atingir o cerne da questão: as relações capitalistas. Mais uma vez cabe a pergunta: mas por quê?
Considerar o rearranjo das forças políticas das classes médias na construção e afirmação da hegemonia da classe capitalista no Brasil pode ser, nesse caso, um caminho de explicação. A perda de força de parte do capital social das classes médias, nesse processo, esvazia o poder significativo das relações interpessoais e de suas origens familiares, deslocando seu poder para o campo estritamente econômico/profissional, apesar de que em alguns casos se mantém, ainda, o poder da formação intelectual.
Nesse sentido, os conflitos assumem, no primeiro momento, um perfil genérico, mas de forte cunho ideológico fascista, ao lançar nas manifestações o slogan do “sem partido” e das agressões aos militantes de esquerda. Conforme avançavam os protestos, outros slogans de cunho moralistas e personalizados, como: “Abaixo a corrupção”, “Fora Dilma”, “Fora Cabral” “Fora Alckmin” ganharam igualmente as ruas. Esse tipo de comportamento político demonstra: 1) a compreensão superficial da política no momento de sua personalização; 2) o entendimento do campo político como espaço de gestão. Em ambos os casos, as classes médias não buscam romper a ordem institucional e construir um projeto alternativo. Defendem, com essa prática, que a questão é de gestão e, por isso, evocam taisslogans, associando os problemas sociais à má gestão, à incompetência, à corrupção etc.
As classes médias, mesmo suas frações mais radicalizadas, não evidenciam disposição de romper com o atual formato do bloco de alianças de classes hegemônico e construir um caminho alternativo. Este caminho, caso fosse a opção a esse bloco hegemônico, implicaria em reorientar suas alianças se aproximando politicamente das demandas das classes populares, o que não demonstra ainda ser o desejado.
Mas foi posta outra questão na mesa: por que os sindicatos e partidos políticos são hostilizados?
De certa forma, a questão relativa aos partidos políticos já foi abordada. Nesse caso, tratemos da questão relativa à hostilidade aos sindicatos.
Tendo em consideração um dos pilares do discurso pós-moderno entrelaçado com o da globalização, a superação da sociedade industrial, a argumentação passa a ser a de que se vive sob os auspícios da sociedade do conhecimento e da informação. Por essa lógica, o trabalho perdera a centralidade no mundo da produção. Somado a isso, se funde ao cenário o discurso da financeirização e da judicialização das relações de trabalho.
O esvaziamento político dos sindicatos, a partir dos anos 2000, foi sintomático. Estes se transformaram em verdadeiras bancas de advogados alijando a luta ideológica e se subjugando à hegemonia da classe capitalista.
O embate da contradição entre capital e trabalho se desloca para a questão técnica do direito, o que passa a exigir maior articulação institucional no Estado por parte do movimento sindical. O distanciamento político dessas organizações da disputa político-ideológica dos trabalhadores imprimiu, e não por acaso, tanto o descrédito quanto a acomodação das categorias profissionais.
Nessa conjuntura, o movimento sindical perde em muito sua representatividade. Distante da luta ideológica, ele abriu espaço para os trabalhadores serem ganhos para a visão de mundo capitalista, o que significa dizer que esse movimento capitulou frente ao poder hegemônico da classe empresarial, se não todo ao menos a maior parte. Ou seja, perdeu a capacidade de estabelecer a luta contra-hegemônica para atuar dentro da ordem imposta pelo regime do capital.
Caso semelhante ocorre com o próprio Partido dos Trabalhadores. O PT, que se construiu a partir de movimentos populares e de manifestações de rua, abandonou radicalmente essa prática com a chegada de Lula à presidência, transformando o movimento sindical em correia de transmissão do governo de conciliação de classes por ele dirigido. Nesse aspecto, essa prática reforça a tendência política instaurada no sindicalismo que inibe a luta contra-hegemônica.
Apenas para ilustrar, não é diferente o que ocorre, por exemplo, com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) diante do avanço desenfreado do agronegócio. A aproximação e dependência econômica desse Movimento para com o Governo Federal têm levado ao enfraquecimento da luta pela reforma agrária. A conciliação de classes permitiu o MST e os empresários do agronegócio fazerem, paradoxalmente, parte da mesma base social do governo e do mesmo projeto político. Essa postura levou, tal qual ocorre com os trabalhadores urbanos, à acomodação e desmobilização dos trabalhadores rurais.
O que se falar, então, da União Nacional dos Estudantes (UNE)? Diante das lutas internas de diversos grupos e tendências políticas pela disputa do controle da máquina burocrática da entidade, levou o seu distanciamento dos grandes temas referentes à educação.
Diante de uma UNE deslocada da macropolítica e da maioria dos estudantes em busca de uma formação somente com o viés profissional, a entidade tem ficado à margem do debate político relativo à reestruturação do ensino superior no país. A radicalidade dessa reestruturação se mostra pertinente quando a lógica da educação passa a ser a formação para o mercado, a formação de empreendedores, se pondo longe da preocupação com a formação intelectual crítica.
O posicionamento da UNE nos limites impostos pela conciliação de classes, permite a livre pressão empresarial no que diz respeito a anular qualquer oposição a essa lógica. Um posicionamento que tem levado a entidade ao descrédito e à incapacidade de mobilização.
Nesse sentido, o cenário em que emergem as manifestações é o de uma forma política de afirmação do individualismo e da competição de mercado. Um cenário que resulta da condição de hegemonia desses três pilares estruturadores da conjuntura dos últimos vinte anos: neoliberalismo, pós-modernidade e globalização.
Entretanto, no início do ano de 2012 e conquistando grande apoio da população do Rio de Janeiro, policiais civis e militares e bombeiros decidiram entrar em greve. No último semestre desse mesmo ano, os docentes das universidades federais, uma fração intelectualizada das classes médias, entraram também em greve. No mesmo semestre, os médicos federais paralisaram. Era a demonstração de que as frações dessa classe ligadas ao aparelho burocrático se encontravam insatisfeitas.
Mas fica uma questão: esses movimentos grevistas propiciaram um questionamento ao modelo societário? Não! No que diz respeito aos médicos, basta observar o posicionamento frontalmente contrário, chegando mesmo a assumirem posturas ideológicas racistas e reacionárias, de algumas de suas entidades representativas em relação ao programa “Mais Médico”, do Governo Federal.
Sendo assim, podemos afirmar que as greves ficaram limitadas aos interesses corporativos, porém significando um avanço político, pois expressaram a retomada do ânimo de mobilização à margem do individualismo e da competitividade. Nesse caso, havia um clima favorável às mobilizações.
Nesse clima favorável, os protestos transcenderam a questão do trabalho, ampliando-se para demandas sociais. A massa de manifestantes reivindicava melhoria nos serviços públicos, sendo mobilizados, em grande parte, pelas redes sociais e amplamente divulgado pela grande mídia. Esse último fator tem de ser levado em consideração. Qual o interesse dessas empresas midiáticas na difusão e incentivo às manifestações?
Apenas para relembrar, a mídia é entendida como um aparelho privado de hegemonia. Sob esse aspecto, sua estratégia de persuasão oferece as ferramentas, seletivamente, para que o conjunto da sociedade tome consciência da realidade e, dessa forma, possa intervir. Uma dada consciência orientada e, portanto, uma intervenção pautada pela visão de mundo daqueles que controlam esses aparelhos de hegemonia.
Óbvio está, por esse motivo, que há o interesse político da disputa intraoligárquica. Diante disso, a publicização desses eventos servia a dois objetivos discursivos: o de atrair mais manifestantes, e, o outro, de desfocar seu aspecto político e caracterizá-lo como mera baderna. E sendo assim, o mote discursivo midiático seria a da má gestão que se alastrava pelo país, considerando as manifestações também como “vandalismo”.
Não é de se estranhar, somente para elucidar a cobertura das manifestações, que o jornal O Globo, no dia 18/08/2013, tem como manchete de primeira página “O Brasil nas ruas”. No dia 21 de junho a chamada de capa, no mesmo jornal, era: “Sem controle”.
Nesse caso, o foco privilegiado é a estética política do black bloc, enquanto que a midiatização serve para atrair uma grande massa de participantes. Uma massa que, muitas das vezes, estava indo aos protestos pelo simples fato de ter, na concepção deles, se tornado um evento a ser postado nas redes.
Um bom exemplo dessa prática nas redes sociais foi a postagem de fotos de uma jovem, na final da Copa das Confederações de 2013, em frente a um dos símbolos da repressão no estado do Rio de Janeiro utilizados nas áreas proletárias: o “caveirão”. Diante não unicamente de seu aspecto físico, mas pelos valores dos ingressos, podemos deduzir que não se trata de integrante das classes populares, mas de uma cidadã com uma forte visão conservadora dos problemas sociais, no momento que se orgulha de posar sorridente para fotos, junto a este símbolo de uma parcela da população que entende a repressão como solução dos problemas sociais.
Ou seja, a repressão e eliminação dos pobres como legítima estratégia de manutenção de seus privilégios de classe. E, não é à toa, a jovem foi eleita nas redes sociais como “miss coxinha” 2013.6
No que diz respeito ao black bloc, este merece uma rápida atenção. Esse grupo heterogêneo e sem uma direção central, atua nas manifestações como grupo de ação. Mas ação de quê? Qual o propósito?
A identidade oculta facilitou a composição diversa do grupo em que não se pode definir a orientação ideológica. Contudo, seus integrantes alegam ser anticapitalista e têm como tática a destruição midiatizada de símbolos do capitalismo. E por isso atacam, também, prédios e agentes da ordem do regime do capital, o que facilitou à grande mídia caracterizá-los como “vândalos”. Podemos perceber que ocorreu o deslocamento político dos significados das manifestações a partir do discurso midiático.
Como a identidade se mantém oculta pela utilização de máscaras, isso propiciou a infiltração de elementos provocadores das agências de segurança pública. Essa situação foi possível porque, diante da inexistência de uma linha objetiva do que se pretende com as ações de depredação, o simples ato de quebrar a propriedade e/ou o de atacar a força policial emblematizava a identidade como sendo o black bloc.
Outra característica é que essas ações midiáticas do(s) grupo(s) acabam se constituindo no direito individual de protestar e da forma que cada um definir. Ou seja, se não se consegue estabelecer as conexões políticas e teóricas que definem o conjunto de relações e manifestações do poder, apenas exerce-se o direito de manifestar e da maneira que se quer. Prevalece o direito individualista. E, nesse caso, o alvo é o símbolo do poder que se encontra mais próximo.
Mas não cabe, nesse momento, definir a serviço de quem ou de que força político-ideológica o black bloc está. É preciso perceber que seus militantes são fruto de uma leitura de mundo que se estabeleceu nos últimos vinte anos, cujos parâmetros ideológicos se sustentam nas concepções da pós-modernidade, do neoliberalismo e da globalização. Essa leitura fragmentada, relativizada e midiatizada de afirmação do individualismo gerou, por um lado, tanto o “empreendedorismo político” submetido às leis de mercado quanto, por outro, o black bloc.
Em relação a estes últimos, no entanto, cabe uma ressalva. Suas ações de enfrentamento, ao invocarem uma estética de prática política paradoxalmente diferenciada em relação ao individualismo e ao competitivismo dominante nessa conjuntura, incentivaram o entendimento de que é possível fazer frente ao aparato repressor do Estado.
Contraditoriamente, para o black bloc, os partidos de esquerda e as demais forças políticas, que se orientam a partir de metadiscursos, correspondem a concepções não sintonizadas a esse cenário. Por essa característica, as lutas desses partidos têm de se afirmar como luta contra-hegemônica. A insistência dessa estratégia somente pode se constituir como política viável, se ultrapassar a estética da midiatização que tomou conta das manifestações e recolocar o debate de projetos societários, rompendo com a lógica do mercado, do individualismo e, por assim dizer, do imediatismo.
Ao movimento sindical compete, por sua vez, ressignificar a sua política de atuação a partir da contradição capital/trabalho. Ou seja, retomar como orientação a luta de classes e, portanto, romper com a lógica da judicialização do embate entre patrão e empregado, sob o risco de perder por completo a sua capacidade de mobilização e representatividade junto aos trabalhadores.
Quanto às classes populares, que se encontram sob a hegemonia da visão de mundo da classe dos capitalistas, estas permanecem distantes das manifestações. O motivo aparente nos encaminha a dois aspectos: 1) que essas manifestações ainda não as tocaram em suas demandas; 2) não se demonstram incapazes de romper com a prática do mandonismo. Ambos têm mantido-as distante das ruas e da condição de se tornarem sujeito de seu futuro.
Apesar das bandeiras relativas à educação e à saúde pública, mais a da qualidade dos transportes, tudo isso não foi capaz de sensibilizar boa parte das classes populares. Ou seja, a forte repressão às manifestações e a força enunciativa da grande mídia têm agido como importantes fatores de bloqueio à superação do senso comum reinante na mentalidade dessas classes, mantendo-as afastadas dessas lutas.
Falta algo que possibilite que essas classes populares criem condições de romper com a relação de mandonismo que as subjugam. Uma ruptura que as coloquem na perspectiva de um novo projeto de sociedade e que possam atuar como protagonistas e não meramente como coadjuvantes ou plateias.
Para que o cenário das manifestações se encaminhe para outra conjuntura em que se debata projeto de sociedade, é necessário que as classes populares percam a desconfiança e se assumam como sujeitos de seus destinos. Porém, não só isso basta. É fundamental, para que esse movimento ocorra, que as classes médias, pelo menos sua fração que se radicalizou diante de sua perda de prestígio junto ao bloco de classes hegemônico, superem seus interesses corporativos e rompam suas tradicionais alianças de classes e partam para a construção de um novo bloco de classes visando a luta contra-hegemônica.
A permanência das mobilizações, nesse sentido, atua como critério pedagógico para as classes e, como tal, mantém sua potencialidade de disputa ideológica em que a direção política se encontra em aberto. Na manutenção desse clima, vale dizer, o black bloc tem tido papel relevante.
Como o cenário das duas últimas décadas gerou a afirmação da pluralidade de caminhos fragmentados, torna-se necessário a retomada de projetos societários. Essas leituras abandonaram a perspectiva de rupturas, por isso, não resta outra alternativa senão a de situar esse movimento na unidade dos campos políticos descontentes ou contrários ao regime do capital.
A possibilidade, contudo, de fracionar o atual bloco de alianças de classe hegemônico parte da luta intraclasse média. Nessa perspectiva, a construção desse fracionamento implica na aliança de sua parcela ligada ao aparelho burocrático, em especial sua parcela intelectualizada e a ligada à área de saúde, com as classes populares. Uma aliança que tem como foco a luta pelo controle popular das políticas públicas através de fóruns de luta que as desloquem, portanto, da lógica mercantil e as redirecione para o social.
A reorientação das práticas dessas políticas é um dos caminhos. Com a ampliação e criação desses fóruns, há a possibilidade do deslocamento da exclusividade de controle político das agências do Estado e/ou de Organizações não Governamentais (ONG) para espaços de pressão que permitam a ingerência e a formulação de estratégias ligadas às demandas das classes populares e trabalhadoras. Esse movimento tende a possibilitar maior participação da sociedade na definição das políticas públicas.
Óbvio está que não há a possibilidade da mudança de orientação política da intervenção do Estado sem que se redefina o conjunto da aliança de classes hegemônica. A luta pelas políticas públicas tende a ser, taticamente, uma ação possível, pois abrange desde a educação, passando pela saúde, transporte e habitação, chegando à segurança pública e, desse modo, questionando pedagogicamente o caráter de classe do Estado. As bandeiras mobilizadoras das manifestações demonstram sua potencialidade política. E, finalmente, essa estratégia abre espaço para a efetiva, e não apenas discursiva, constituição de um do bloco de aliança de classes de perfil popular hegemônico.
BIBLIOGRAFIA:
Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
GALEANO, Eduardo. DE PERNAS PRO AR: a escola do mundo ao avesso. Rio de Janeiro: LPM, 2009.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
GUIMARÃES, Alberto P. As classes perigosas: banditismo urbano e rural. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
LESSA, C. A estratégia de Desenvolvimento – 1974-1976: sonho e fracasso. Campinas: UNICAMP, 1998.
LUKÁCS, G. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. São Paulo: Boitempo, 2010.
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o boco histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SANTOS, Milton et al. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2003.
______________. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
* Historiador e Doutor em Comunicação.
1 Para Gramsci, a hegemonia consiste na primazia da sociedade civil sobre a sociedade política, cujo “aspecto essencial da hegemonia da classe dirigente reside em seu monopólio intelectual, isto é: na atração que seus próprios representantes suscitam nas demais camadas de intelectuais: ‘Os intelectuais da classe historicamente (...) progressista, em determinadas condições, exercem tal poder de atração que terminam, em última análise, subordinando a si os intelectuais dos outros grupos sociais (...)’”(PORTELLI. 1977. pp. 65-66).
2 Segundo Gramsci, o conceito de revolução passiva corresponde ao processo de mudanças progressivas de forma a alterar a composição das forças sociais na direção ético/moral da sociedade (cf. Dicionário do pensamento marxista).
3 Utilizo aqui o entendimento de ideologia proposto por Marx em que são “formas nas quais os seres humanos se conscientizam desse conflito (isto é, daquele que emerge dos fundamentos do ser social) e o combatem.” (LUKÁCS, 2010, p. 38).
4 Segundo Gramsci, o senso comum tem como “(...) traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção (...) desagregada, incoerente, inconsequente, adequada à posição social e cultural das multidões, das quais ele é a filosofia” (GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 10ª Ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 143).
5 Plano Nacional de Desenvolvimento que traçou as linhas estratégicas para o desenvolvimento industrial nos dois primeiros anos do governo do general Ernesto Geisel.
6 Coxinha é um termo que se popularizou e tem como sinônimo: “mauricinho” e/ou “patricinha”. Significa aquele indivíduo pertencente às classes com elevado padrão social e poder aquisitivo.