domingo, 28 de abril de 2013

Senso comum e conservadorismo: o PT e a desconstrução da consciência


Por Mauro Iasi.
Um dos mitos da estratégia democrática popular é o acumulo de forças. A ideia geral é que por não haver condição de rupturas revolucionárias, nem correlação de forças por mudanças estruturais no sentido do socialismo, a democratização da sociedade e as reformas graduais iriam criando as bases políticas para o desenvolvimento gradual de uma consciência socialista de massa.
No 5o Encontro Nacional do PT em 1987, o problema é colocado da seguinte maneira: certos companheiros não distinguem entre as ações ligadas ao acúmulo de forças daquelas voltadas diretamente à conquista do poder, não entendendo, segundo o juízo dos formuladores, a diferença entre o “momento atual, (…) em que as grandes massas da população ainda não se convenceram de que é preciso acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder”.
O resultado desta incompreensão seria que os “pretensamente revolucionários” não seriam entendidos pela população e pelos trabalhadores contribuindo, assim, de fato para a “desorganização das lutas” ficando condenados a “pequenos grupos conscientes e vanguardistas”.
Bem, o centro deste argumento que contrapõe os pretensos revolucionários aos verdadeiros seria que estes últimos teriam a capacidade de dialogar com a consciência imediata das massas e dos trabalhadores criando a mediação necessária para elevá-la à compreensão da necessidade da conquista do poder.
Nada como uma década depois da outra para julgarmos as pretensões anunciadas. A prova da validade ou não de tal formulação deve ser buscada na seguinte pergunta: após dez anos de governo petista os trabalhadores estão hoje (considerando como ponto de referencia 1987 e o 5o Encontro do PT) mais organizados e se desenvolveu uma consciência de classe que coloca de forma mais evidente a necessidade de conquista do poder “acabando com o domínio político da burguesia”?
Comecemos pela expressão maior dessa estratégia e seu líder incontentável: Luis Inácio Lula da Silva. Como operário ele expressava no início de sua trajetória política os elementos evidentes do senso comum, nos termos gramscianos, ou de uma consciência reificada nos termos de Lukács. Em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1975, dizia que vivíamos em um momento “negro” para o destino dos indivíduos e da humanidade, porque tínhamos “de um lado” o homem “esmagado pelo Estado, escravizado pela ideologia marxista, tolhido nos seus mais comezinhos ideais de liberdade”, e de outro lado, tínhamos o homem “escravizado pelo poder econômico explorado por outros homens” (Discurso de Lula na posse do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC e Diadema, 1975).
As mudanças na consciência dos trabalhadores não vêm da autodescoberta ou do esclarecimento, são o resultado de sua inserção na luta de classes. As lutas operárias do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 colocariam novos elementos à consciência deste operário em construção.
Em seu discurso na 1a Convenção Nacional do PT em 1981, Lula já diria: “O PT não poderá, jamais, representar os interesses do capital”.  Em outra parte do mesmo discurso o líder em formação afirmaria:
“Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histórica de propor a criação do PT já sabiam disso muito antes de terem sequer a ideia da necessidade de um partido (…). Os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual. Por isso sentimos na própria carne e queremos, com todas as forças, uma sociedade (…) sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista”
(Discurso de Lula na 1a Convenção Nacional do PT, 1981).
Os trabalhadores, no momento de fusão que os constituía em classe contra o capital, expressavam a difícil passagem da consciência reificada à consciência em si, apontando já neste momento os germes de uma consciência para si, ou seja, mais que a consciência de uma classe da ordem do capital, mas uma classe portadora da possibilidade de uma nova forma societária para além da sociedade burguesa.
As lutas operárias, assim como o retomar de um conjunto muito amplo de lutas sociais, tornaram possível um salto organizativo que resultou na formação de um partido e, depois, de uma central sindical, da mesma forma que se alastra pela sociedade a retomada de associações, movimentos sociais e lutas das mais diversas.
Façamos um corte e pulemos para uma entrevista em que Lula recebe o repórter do programa norte americano 60 minutes por ocasião do final de seu segundo mandato como presidente.
Nesta entrevista o repórter norte americano pergunta ao ex-presidente:
“Havia empresários, no Brasil e no exterior, muito preocupados com sua posse, que pensavam que era um socialista e que daria uma virada completamente à esquerda. Agora estas pessoas são seus maiores apoiadores. Como isso aconteceu?”
E Lula responde:
"Veja, eu de vez em quando brinco que um torneiro mecânico com tendências socialistas se tornou presidente do Brasil para fazer o capitalismo funcionar.  Porque éramos uma sociedade capitalista sem capital. E se você olhar para os balanços dos bancos neste ano (final do segundo mandato de Lula) verá que nunca antes os Bancos ganharam tanto dinheiro no Brasil como eles ganharam no meu governo. E as grandes montadoras nunca venderam tantos carros como no meu governo. Mas os trabalhadores também fizeram dinheiro".
O repórter um tanto surpreso pergunta: “Como você conseguiu fazer isso?”. E Lula responde: “Eu descobri uma coisa fantástica. O sucesso do político é fazer o que é óbvio. É o que todo mundo sabe que precisa ser feito, mas que alguns insistem em fazer diferente”.
Notem bem, Lula expressava entre 1975 e 1987 o movimento da consciência de classe que passava de uma determinação da alienação à consciência de classe em si. Da mesma forma fica manifesto na consciência de sua liderança mais expressiva o caminho de volta à reificação.
O problema é que a consciência expressa na liderança é representativa do resultado político da estratégia por ele implementada no conjunto da classe e em sua consciência. Como a consciência em seu movimento é síntese de fatores subjetivos e objetivos, a ação política da classe conformada por uma estratégia incide diretamente sobre a classe e sua formação enquanto classe.
Em sua análise sobre a social-democracia, Adan Przeworski (Capitalismo e Social-democracia, São Paulo: Cia das Letras, 1989) afirma que:
“A classe molda o comportamento dos indivíduos tão-somente se os que são operários forem organizados politicamente como tal. Se os partidos políticos não mobilizam as pessoas como operários, e sim como “as massas”, o “povo”, “consumidores”, “contribuintes”, ou simplesmente “cidadãos”, os operários tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe.” (Przeworski, 1989:42).
O mito do acúmulo de forças só se sustenta renovando-se ao infinito, isto é, nunca estamos prontos, nunca há a correlação de forças favorável, nunca o nível de consciência das massas e dos trabalhadores chega à necessidade da conquista do poder. O problema é que agindo desta forma criam-se as condições para que de fato nunca estejam dadas as condições.
No entanto, a questão é ainda mais séria. Os defensores do acúmulo de forças acreditam piamente que os patamares de consciência não regridem, isto é, a consciência de classe desenvolvida nos anos oitenta e noventa ficaria ali no ponto onde chegou e iria se tornando massiva em consequência do andamento positivo das ditas reformas. Nesta leitura, se ainda não temos uma consciência revolucionária, que já coloca a necessidade da conquista do poder, teríamos a generalização gradual de uma consciência em si, digamos democrática, disposta a manter o patamar das conquistas e reagir quando estes estão ameaçados.
Não é o que verificamos. A consciência expressa na liderança revela que o conjunto da classe retoma um patamar que Sartre denominava de serialidade e ao qual corresponde a consciência reificada. Esta é a consciência da imediaticidade, da ultrageneralização, do preconceito, da perda do capacidade de vislumbrar, ainda que potencialmente,  a totalidade.
Presos a esta forma de consciência, os trabalhadores não agem como uma classe nos limites da ordem do capital em luta contra suas manifestações mais aparentes e, pior, eles a naturalizam e se comportam como agentes de sua reprodução e perpetuação desta ordem.
O senso comum reflete este movimento e é no cotidiano que ele se manifesta. Se podíamos falar de um senso comum progressista, ou tendencialmente de esquerda, no contexto de intensificação da luta de classes na crise da autocracia burguesa e no processo de democratização, hoje no quadro de uma democracia de cooptação consolidada temos um senso comum que tende a ser conservador e, por vezes, reacionário.
Permitam-se um exemplo caseiro, mas creio que significativo. Lincoln Secco escreveu um texto sobre a situação da Coréia do Norte em nosso blog (Kim Jong-un 17/04/2013). Um comentador simplesmente respondeu com um direto “vai morar lá”, mas deixemos este de lado. Destaco dois comentários mais substanciosos e que revelam uma forma de compreensão do mundo atual e seus dilemas:
“Olha, até pouco tempo tinha raiva dos EUA pela sua indústria cultural, sua arrogância, sua intromissão em assuntos de outras nações, etc. Entretanto, depois de conhecer o país e seu povo, mudei completamente minha concepção. Os caras são os “caras” porque trabalham duro, estudam bastante e são muito educados e politizados. O fazem mundo afora é conhecido na natureza como a lei do mais forte. Queria eu morar num país que dita as regras aos outros e ninguém tira farinha. Além disso, em pleno século XXI, os norte coreanos são tratados como um rebanho e não como cidadãos livres. Abaixo o apoio ao totalitarismo, como ocorre por lá!!!”
Um outro, mais duro, afirma:
“kkkkkkkkkkkkkkkkk . País sitiado? por quem? Paranóicos, malucos mesmo, todos eles, o “estadista mirim”, o “professor” que assina esta bobagem. Veja bem, a lição de história pode até ser boa, talvez o que o trai sejam as convicções políticas… o tempo passou e eles não perceberam… O Presidente dos Estados Unidos, já é Obama, viu pessoal… Ameaça do Ocidente? Para quem? Despertem deste “sono” louco, sejam felizes, ou não, mas, deixem de loucura! Vivemos num mundo diferente do das “cartilhas” que vocês estudam!!!”.
Não vou entrar no mérito, não guardo nenhuma simpatia pela forma política norte coreana, mas em seu núcleo central o texto do companheiro Lincoln, apenas afirma que existe um espaço de soberania dos Estados nacionais e que estes tem direito de se defender, o que o leva à constatação que não são eles que provocam e atacam, mas ao contrário, estão sendo provocados por “exercícios militares” que partem dos EUA. Como explicar tal reação?
Não vai aqui nenhuma consideração aos comentadores, eles têm direito de expressar sua opinião, concordemos ou não. Um blog tem de tudo e tais comentários o deixam ainda mais interessante. O que nos preocupa é que ele revela, e isto é uma virtude, um elemento do senso comum que indica uma preocupante guinada conservadora, mesmo em relação a valores mais elementares, e isso em um leitor de um blog de uma editora com uma linha claramente de esquerda em um pais que está há dez anos “acumulando forças”.
Podemos ver este fenômeno como um resquício ou uma exceção em um senso comum que tende a ser mais progressista. Infelizmente eu acredito que não. A forma do senso comum é resultado de toda a história da formação social, sua resultante cultural, a permanência das relações sociais de produção burguesas, mas também do processo político mais recente que como toda práxis pode superar ou reforçar o existente. No caso reforçou.
Lembrando ainda Przeworski, sabemos que a chamada organização das massas precisa ser compreendida de forma mais profunda. Não há uma relação direta entre organização e ação, é possível organizar para apassivar. Diz o autor:
“Os líderes tornam-se representantes. Massas representadas por líderes – eis o modo de organização da classe trabalhadora no seio das instituições capitalistas. Dessa maneira, a participação desmobiliza as massas” (Przeworski, 1989: 27).
É triste.
http://www.youtube.com/watch?&v=qRVlhRbERJM

Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

Escola Margareth Thatcher




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(Veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 12/04/13)
Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia
Determinado bem pertencente ao povo brasileiro, que vale no mercado em torno de US$ 1,5 trilhão, vai ser repassado, no próximo mês de maio, a empresas estrangeiras pelo pagamento de US$ 225 bilhões de royalties durante um período de 30 anos. Pode ser suposto que, para colocar o bem no mercado, as empresas precisam recuperar investimentos e custos realizados, além de ter um bom lucro, ou seja, elas precisam retirar US$ 600 bilhões do negócio. Em outras palavras, nosso povo deveria receber pelo bem em torno de US$ 900 bilhões (= US$ 1,5 trilhão - US$ 600 bilhões). Como recebe só US$ 225 bilhões, ele vai ter seu patrimônio subtraído exatamente em US$ 675 bilhões, parcela esta que irá para os caixas das empresas como superlucro.
O PIB do Brasil em 2012 foi de US$ 2,3 trilhões. Assim, esta subtração do patrimônio do nosso povo é igual a cerca de 30% do PIB brasileiro. No entanto, nenhum meio de comunicação tradicional, quer sejam os jornalões ou as revistas semanais ou as TV abertas ou por assinatura, falou sobre este fato. A população brasileira nada sabe sobre uma ação que representará uma gigantesca subtração de patrimônio público. Este silêncio é a comprovação da parcialidade da grande mídia, que oculta as verdadeiras questões de interesse da sociedade. Por outro lado, fica patente também a falta de compreensão da classe política, com raras exceções, com relação às prioridades da nossa sociedade. Se não for falta de compreensão, pode ser algo bem pior.
É preciso deixar claro que tudo será feito e o patrimônio será entregue estritamente dentro da lei. Uma lei extremamente injusta para com a sociedade e muito benéfica para as empresas, principalmente as estrangeiras. Mas é a lei vigente para blocos fora da área do Pré-sal, de número 9.478 de 1997. A referida subtração é aprovada a partir da entrega de áreas do território nacional como concessões para empresas explorarem e produzirem petróleo e gás, que ocorrerá na 11ª Rodada de leilões de blocos, promovida pelo governo brasileiro nos dias 14 e 15 de maio. A estimativa de petróleo a ser descoberto nestes blocos foi fornecida pela própria diretora-geral da ANP em seminário de promoção da Rodada.
Vou repetir argumentações de outros artigos meus sobre este assunto, para explicar sumariamente como esta Rodada é pouco atraente. As empresas estrangeiras arrematarão grande número de blocos e irão exportar todo petróleo descoberto nestes blocos in natura. Na fase de investimentos, quase não irão comprar no país, não irão contratar desenvolvimento tecnológico nem engenharia no Brasil, quase não irão empregar mão de obra local e deixarão no Brasil o royalty, que é, em comparação com o lucro, uma parcela bem menor. Também, o Brasil perde a possibilidade de uso do fornecimento garantido de petróleo de médio prazo a outros países como instrumento de ação geopolítica. A lei 9.478 permite todas estas injustiças e usurpação da nossa riqueza.
À primeira vista, a alegria devido à morte de um ser humano pode ser considerada uma desumanidade. No entanto, pode também significar uma explosão de alívio, pois a fonte de opressão e insensibilidade, representada pelo morto, foi extinta. Foi o que aconteceu com a morte de Margareth Thatcher. Ou seja, o povo comemorou a execução pela Justiça divina, ou pelo acaso, daquilo que a Justiça terrestre foi incapaz de corrigir. Injustiças causadas pelo preposto do capital, com ajuda da mídia subalterna, tristemente suportadas pelo povo, oprimem tanto que a morte do algoz pode ser comemorada.
Apesar da inegável realização social dos governos Lula e Dilma, fica uma pergunta na nossa mente: qual o legado a presidente Dilma quer deixar neste setor? Ser lembrada como membro da Escola da privatista Margareth Thatcher?
Se você estiver convencido sobre o que foi explicado e quiser fazer valer seu desejo, mesmo porque a Constituição afirma que todo poder emana do povo, remeta um recado para a presidente Dilma através do endereço: https://sistema.planalto.gov.br/falepr2/index.php. Com relação aos deputados e senadores, mandar mensagens é mais complicado, porque teria que ser através de e-mails individuais. Um e-mail para cada um dos 513 deputados e cada um dos 81 senadores. No entanto, não deixe de mandar para aqueles nos quais você acredita. Sugiro, também, que você se defenda, pois estará sendo lesado. Lute como puder para esta usurpação ser barrada.

Ser-mercadoria num momento histórico de crise radical da forma-mercadoria. Entrevista especial com Giovanni Alves


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IH – 26.4.2013
Confira a entrevista.
A década de 2000 foi de reorganização do capitalismo brasileiro com as grandes empresas aumentando investimentos produtivos, reordenando suas estratégias de negócios na perspectiva da concorrência internacional acirrada.
A opinião é de Giovanni Alves, professor da Unesp, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Para ele,  hoje temos “a formação da consciência de classe e, portanto, a formação da classe social capaz de promover mudanças históricas profundas no Brasil”.
“Na época de crise estrutural do capital, - continua o sociólogo - a renúncia do sindicalismo à formação da consciência de classe é deveras muito perversa, pois o que a história está cada vez mais mostrando é que não existe futuro com o capitalismo”.
Segundo ele, “a ‘captura’ da subjetividade do trabalho vivo adquiriu dimensões amplas e intensivas. A lógica da gestão toyotizada invadiu não apenas o chão de fábrica, mas os escritórios e repartições públicas e até a vida cotidiana (no plano léxico-locucional, por exemplo, trabalhador assalariado tornou-se mero ‘colaborador’, linguagem apropriada também por lideranças sindicais). Enfim, a reestruturação produtiva assumiu novas dimensões no plano do controle laboral”.
Giovanni Alves (foto abaixo) é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica, é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atualmente, desenvolve o projeto de pesquisa "A derrelição de Ícaro – Sonhos, expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil (2003-2013)”. É autor de, entre outros,Dimensões da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho (Bauru: Projeto editorial praxis, 2013).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como a revolução tecnológica tem afetado o chão de fábrica, pensando na realidade brasileira dos últimos anos?
Giovanni Alves – As grandes fábricas no Brasil têm passado por profundas transformações produtivas nos últimos anos. Desde o começo da década de 2000 alterou-se de forma significativa a morfologia do trabalho industrial no Brasil por conta das inovações tecnológicas e organizacionais. Nos polos mais desenvolvidos da indústria – e também do setor de serviços –, as novas tecnologias informáticas de base microeletrônica e tecnologias informacionais em rede alteraram o processo de produção de mercadorias e a organização dos serviços de distribuição e serviços financeiros e telecomunicações.
Se a década de 1990 foi a década da reestruturação produtiva que atingiu de forma disruptiva o mundo do capital e, por conseguinte, o mundo do trabalho no Brasil, então a década de 2000 foi a década de reorganização do capitalismo brasileiro com as grandes empresas aumentando investimentos produtivos, reordenando suas estratégias de negócios na perspectiva da concorrência internacional acirrada.
A ofensiva do capital adquiriu uma dimensão progressiva no sentido do investimento não apenas em capital fixo, mas principalmente investimentos em novas estratégias organizacionais e de gestão da força de trabalho. Nesse sentido, disseminou-se o que eu denomino o “espírito” do toyotismo, que assumiu um caráter sistêmico. A “captura” da subjetividade do trabalho vivo adquiriu dimensões amplas e intensivas. A lógica da gestão toyotizada invadiu não apenas o chão de fábrica, mas os escritórios e repartições públicas e até a vida cotidiana (no plano léxico-locucional, por exemplo, trabalhador assalariado tornou-se mero “colaborador”, linguagem apropriada também por lideranças sindicais).
Enfim, a reestruturação produtiva assumiu novas dimensões no plano do controle laboral. Por ironia da história, o “choque de capitalismo” prescrito em 1989 pelo candidato a presidente da República pelo PSDB, Mário Covas, foi aplicado pelo presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, do PT – é claro, não o choque do capitalismo neoliberal, mas sim o choque do capitalismo neodesenvolvimentista.
IHU On-Line – Quais as transformações que a luta operária sofreu no Brasil nos últimos anos? Quais as mudanças de valores pelas quais passaram trabalhadores, empresas e sindicatos?
Giovanni Alves – No contexto do choque de capitalismo neodesenvolvimentista com dominância financeira, a luta operária assumiu um novo perfil político-ideológico. Por um lado, o sindicalismo reavivou-se nos anos do lulismo e as centrais sindicais consolidaram-se institucionalmente. Não podemos deixar de reconhecer a positividade do renascimento sindical no país depois dos anos de chumbo da “década neoliberal”. Foram fechados bons acordos coletivos com reajuste salarial acima da inflação.
Mas, por outro lado, o renascimento sindical possui um caráter perverso no plano da consciência de classe. Primeiro, porque o sindicalismo em geral, com destaque para a CUT, maior central sindical do país, tornou-se um sindicalismo “oficialista”, integrado financeiramente às disposições político-estatais, perdendo não apenas o caráter contestatório da ordem burguesa (o que já ocorrera desde a década de 1990), mas o caráter de crítica da ordem política, na medida em que se identificou com os projetos dos governos LulaDilma. Tornou-se um sindicalismo “chapa branca”.
Aprofundou-se no polo de esquerda social-democrata, o viés concertativo-propositivo e neocorporativo do sindicalismo hegemônico no Brasil. Diante da ofensiva ideológica do capital nos locais de trabalho, os sindicatos ficaram passivos, incapazes de enfrentar o capital no campo da luta ideológica. Pelo contrário, incorporaram o discurso da ordem produtivista, rendendo-se aos valores empresariais. Aliás, na década de 2000, com o choque de capitalismo neodesenvolvimentista, a hegemonia empresarial aumentou no Brasil.
A subordinação do PT
Para não perder espaço político, o PT, partido da ordem e com força protagônica no governo federal, subordinou-se ao discurso vigente. Enfim, a crise ideológica do sindicalismo rendido às idiossincrasias empresariais decorre da crise ideológica do partido hegemônico no movimento sindical: o Partido dos Trabalhadores, subsumido, mais do que nunca, à ordem burguesa hipertardia. A lição da falência da social-democracia na Europa não foi aprendida no Brasil. Aqui, a sucata ideológica da concertação social está a pleno vapor rumo ao abismo (como diria Robert Kurz).
A burocracia sindical não se atentou que a crise profunda do capitalismo no centro desenvolvido do sistema, impulsiona com mais intensidade, a perversão do sindicalismo concertativo de cariz social-democrata, incapaz de conduzir a luta ideológica não apenas entre suas bases de trabalhadores assalariados, mas principalmente na sociedade em geral. O viés neocorporativo isolou, por exemplo, a CUT e os grandes sindicatos das lutas sociais em geral.
O choque de capitalismo neodesenvolvimentista colocou no centro da disputa social e política, a luta ideológica que é essencialmente uma disputa por valores. Com a crise europeia assiste-se à falência irremediável dos valores social-democratas. A perspectiva de um capitalismo humanizado é não apenas uma impossibilidade histórica, hoje, mais do que nunca, mas uma ideologia farsesca que persegue o discurso social-democrata. Enfim, o que se coloca hoje é a formação da consciência de classe e, portanto, a formação da classe social capaz de promover mudanças históricas profundas no Brasil.
IHU On-Line – Com a crise financeira internacional, o Estado de bem-estar social está se esfacelando na Europa. E no Brasil? Que impactos aparecem nesse sentido? Podemos dizer que os direitos sociais e trabalhistas não estão sendo postos em risco em nosso país, diante da crise? E como será dentro de 20 anos, por exemplo?
Giovanni Alves – A crise europeia como crise do Estado de bem-estar social é, depois da queda do muro de Berlim, uma crise histórica ruptural da civilização do capital constituída no pós-guerra. Possui impactos radicais no plano político-ideológico. Com um intervalo de pouco mais de vinte anos, cai por terra mais uma ilusão histórica do século XX: a ilusão social-democrata. Depois da falência da ilusão do socialismo estatal, cai por terra o projeto social da concertação entre capital e trabalho na União Europeia.
É claro que há tempos, pelo menos desde a implantação da União Europeia em seu formato neoliberal, o modelo de Estado social europeu, construído no pós-guerra, dava sinais de falência social, com o crescimento do desemprego de longa duração, principalmente entre jovens trabalhadores, e a ampliação da mancha de precariedade laboral.
O que presenciamos hoje com a crise da zona do Euro é apenas o tiro de misericórdia no projeto socialdemocrata europeu. Todo social-democrata é hoje um neoliberal envergonhado; ou então, um Dom Quixote de La Mancha pós-moderno incapaz de perceber a falência irremediável do modelo civilizatório do capitalismo concertativo. Na verdade, a crise europeia exige de nós hoje, intelectuais críticos, a crítica radical do modo de produção capitalista e modo de civilização burguesa.
Cenário brasileiro
No caso do Brasil, país capitalista hipertardio e sociedade burguesa dependente e carente de modernização, o tsunami da crise europeia ainda não chegou às nossas praias tropicais. Parte significativa da intelectualidade política e social da esquerda reformista no país ainda está fascinada pelo modelo social europeu ou Estado de bem-estar, o qual hoje nem os próprios europeus acreditam que possa se sustentar nas próximas décadas de desenvolvimento de capitalismo financeirizado.
A mediocridade das nossas lideranças de esquerda reformista é indiscutível. O reformismo social e político no Brasil não se deu conta de que vive uma profunda crise ideológica. Muitos intelectuais neokeynesianos de esquerda acreditam que o modelo neodesenvolvimentista com dominância financeira possa se sustentar por muito tempo, sem expor seus limites irremediáveis como projeto civilizatório.
Os limites do projeto lulista no Brasil, com o aprofundamento da crise europeia e os impasses do capitalismo central sob a hegemonia financeira, tornam-se, com o avançar da conjuntura da década de 2010, cada vez mais explícitos, exigindo medidas mais ousadas de controle social e intervenção na economia (o que arrepia os escrúpulos da social-democracia quixotesca ou neoliberais envergonhados incrustados no governo).
No Brasil, elo mais forte do capitalismo hegemônico na América Latina, a incapacidade (ou tibieza) da social-democracia em aprofundar reformas de controle social e democratização do sistema político-jurídico e econômico e, the last but not the least, o sistema midiático, só abre espaço, como na Europa em crise, para o avanço das forças conservadoras e reacionárias da direita tupiniquim.
Na verdade, é o pêndulo perverso da crise estrutural do capital que, no plano político, oscila entre governos sociais-democratas medíocres e governos conservadores e reacionários impenitentes, que ameaça nos próximos anos os parcos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros; pêndulo perverso lastreado num sistema político radicalmente corrompido, ineficaz e ineficiente para expressar a representação popular.
Portanto, a maior ameaça aos direitos sociais dos trabalhadores brasileiros não é a direita reacionária, mas sim a tibieza de parte da esquerda reformista hegemônica incapaz de aprofundar, sem aventuras, mas com ousadia, as reformas sociais no país. É claro que a incapacidade política da esquerda social-democrata deriva estruturalmente da miséria histórica dos intelectuais de esquerda radical no Brasil, incapazes de hegemonia social num cenário de violência simbólica e manipulação midiática historicamente estrutural da direita socialmente organizada.
Enfim, na medida em que não se investe num processo de formação da consciência de classe social capaz de negar o estado de coisas existentes, com uma esquerda política e sindical capaz de travar a luta ideológica, com mais criatividade e menos sectarismo, ampliando alianças sociais e políticas sem perder a radicalidade, fragiliza-se a capacidade de resistência ao tsunami da crise europeia que se aproxima e, ao mesmo tempo, azeita-se a máquina do pêndulo perverso do capital em sua etapa de crise estrutural. Como diria Marxhic Rhodus, hic salta.
IHU On-Line – Como podemos interpretar a presença do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no evento de lançamento de um veículo da Ford do Brasil? Trata-se de uma mudança nas relações entre capital e trabalho na região considerada berço do sindicalismo brasileiro?
Giovanni Alves – Trata-se apenas da comprovação da estratégia de concertação social adotada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – SMABC. No lugar da luta de classes e do sindicalismo de confronto, o SMABC adotou, há mais de vinte anos, a estratégia do sindicalismo propositivo, negociando com o capital as inovações produtivas no local de trabalho e colaborando com as grandes empresas montadoras. Pode-se dizer que existe uma “parceria” entre as montadoras e o SMABC, “parceria conflituosa” que ocasionalmente provoca rusgas entre os parceiros, mas nada que abale a confiança ideológica na ideia da concertação social.
Primeiro, é preciso salientar que o sindicalismo brasileiro não nasceu na região do ABC paulista. O que nasceu lá foi o saudoso “novo sindicalismo”, que surgiu nas grandes greves de 1979 e 1980, berço do PT e da CUT. Entretanto, nos últimos trinta anos, o novo sindicalismo envelheceu muito rapidamente e tornou-se um sindicalismo pragmático, propositivo, neocorporativo e bastante eficaz na prática da negociação coletiva tendo como base a organização por local de trabalho (as comissões de fábrica). O SMABC é enraizado nas fábricas e isso é uma singularidade local construída historicamente pela negociação e luta operária. Poucos sindicatos têm essa base nos locais de trabalho.
IHU On-Line – A partir das novas relações de trabalho, podemos identificar ainda uma solidariedade entre classes? O que pesa mais diante das negociações trabalhistas em nossos dias?
Giovanni Alves – As novas relações de trabalho nascem constrangidas pela realidade da crise estrutural do capital que pressiona as empresas a inovarem vorazmente visando garantir melhores custos de produção e pressiona os sindicatos a renunciarem à ideologia da luta de classes e assumirem o sindicalismo propositivo e de colaboração de classes. Visando preservar suas bases, muitos sindicatos aderem de modo pragmático à nova realidade da concorrência capitalista, aproximando-se do horizonte ideológico das empresas. Fazem greve, mas por empresas, evitando politizá-las, isto é, generalizá-las e dar-lhes um conteúdo político-ideológico da luta de classes.
A luta sindical tornou-se mais amesquinhada pelo economicismo, em parte devido às próprias condições da ofensiva do capital na produção que reduziu o poder de barganha de muitos sindicatos; muitas vezes também as novas condições da acumulação capitalista, a acumulação flexível, colocam imensas dificuldades para a negociação coletiva nos termos da preservação da consciência de classe, fazendo com que sindicalistas com baixa formação político-intelectual sucumbam à mediocridade geral, tornando-se meros gestores da força de trabalho e dos negócios capitalistas.
O sindicalismo brasileiro – tal como ocorre na maioria dos países capitalistas – não está preparado para aquilo que David Harvey intitulou “condição pós-moderna”. O que significa que se fecharam no burocratismo, neocorporativismo e pragmatismo venal, amesquinhando mais ainda a luta sindical (que Lenin denominava de “luta cinzenta”). Este fechamento do horizonte ideológico do sindicalismo muitas vezes fez os sindicatos tornarem-se eficazes tecnicamente na negociação coletiva, mas em detrimento da sua capacidade moral-política de formação da consciência de classe. O que pode ser constatado pelo desprezo pela formação sindical com caráter político-ideológico. O caso exemplar é a CUT que adotou o discurso da cidadania (sindicato-cidadão) e deixou de lado o discurso da classe trabalhadora como sujeito protagônico da construção de uma sociedade sem exploradores e explorados.
Mas, como dizemos, a crise da CUT é a crise do PT. Não adianta responsabilizar o sindicalismo pela crise do intelectual orgânico de classe. Na época de crise estrutural do capital, a renúncia do sindicalismo à formação da consciência de classe é deveras muito perversa, pois o que a história está cada vez mais mostrando é que não existe futuro com o capitalismo. Entretanto, caso não seja construído o sujeito histórico-político de classe capaz de negar o estado de coisas existentes, por meio de um processo de democratização radical da sociedade, a crise capitalista só tenderá a aprofundar mais ainda a barbárie social como modo de reprodução do capital em sua etapa de crise estrutural.
IHU On-Line – O que é o “trabalho ideológico” e como ele pode ser medido, mensurado, avaliado?
Giovanni Alves – Apresentei o conceito de “trabalho ideológico” no meu novo livro – intitulado Dimensões da precarização do trabalho (Práxis, 2013). O trabalho, como categoria ontológica fundante (e fundamental) do ser social, é formado por posições teleológicas que, em cada oportunidade, põem em movimento séries causais; como disse Vygotsky, ele implica tanto instrumentos quanto signos, elementos de mediação das posições teleológicas compositivas do processo de trabalho (Lukács diria: posições teleológicas primárias e posições teleológicas secundárias).
Todo trabalho humano, incluindo o trabalho ideológico, implica a articulação de instrumentos e signos. Entretanto, no caso do “trabalho ideológico”, os signos tornam-se essenciais para a realização da posição teleológica secundária: por isso a ação sobre outros homens. Na medida em que se desenvolve a sociedade de serviços e amplia-se a escala dos conflitos sociais, o trabalho ideológico, formado por posições teleológicas secundárias, constitui hoje amplamente a esfera das ocupações profissionais vinculadas à reprodução e controle social.
O trabalho ideológico constitui a natureza material de diversas ocupações profissionais no interior da divisão social do trabalho. Por exemplo, ele caracteriza o trabalho de formação e informação (professores e jornalistas), o trabalho de regulação e normatividade (juízes e policiais), o trabalho de convencimento (publicitários), o trabalho do cuidado (médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais), etc. O trabalho ideológico das profissões vocacionadas exige, do homem-que-trabalha, cuidado, abnegação e doação (como, por exemplo, o trabalho do formador ou o trabalho assistencial). Finalmente, enquanto modalidades de trabalho assalariado no setor privado ou no setor público, elas são regidas pela lógica do trabalho abstrato, subsumindo-se diretamente ou por derivação, aos parâmetros de produtividade. O que significa que, na sociedade do capital, o trabalho ideológico impregna-se da lógica do trabalho estranhado.
Na medida em que a forma material do trabalho ideológico impregna-se da forma social do capital, caracterizada pelo trabalho estranhado, constitui-se uma implicação subjetiva de natureza perversa. O que explica, de certo modo, o crescimento do adoecimento laboral, principalmente transtornos mentais, nas categorias de trabalhadores assalariados vinculados ao “trabalho ideológico”. Devido à sua forma de ser (trabalho imaterial), o trabalho ideológico como trabalho concreto é recalcitrante à quantificação e às medidas da lei do valor. Ele não pode ser medido ou avaliado de acordo com a “régua” da lei do valor. De forma arbitrária, o capital utiliza para avaliar a produção da “saúde” ou “educação, a mesma régua que avalia a produção de carros e salsichas”. Na verdade, os critérios de produtividade do “trabalho ideológico”, imbuídos do produtivismo capitalista, são meros simulacros próprios da época do capitalismo fictício, um capitalismo descolado da própria objetividade da lei do valor-trabalho (que o diga a predominância, hoje, do capital fictício).
Na verdade, como explico no livro, esta é uma das naturezas da crise do capital: a desmedida do valor, tendo em vista que muitas atividades de serviços capitalistas que implicam “trabalho ideológico” não se adequam materialmente à forma social do capital. É o típico caso de inadequação da forma material à forma social do valor, elemento crucial da crise de valorização nas condições da crise estrutural do capital.
IHU On-Line – O que marca as novas formas de controle sobre os trabalhadores contemporâneos? Quais os desafios se considerarmos um controle sobre a subjetividade do trabalhador?
Giovanni Alves – As novas formas de controle sobre os trabalhadores contemporâneos são marcados pelo “espírito” do toyotismo, conceito tratado por mim no livro Trabalho e subjetividade (Boitempo, 2011). Não se trata meramente de dispositivos organizacionais próprios do modelo japonês, mas sim de uma pletora de valores-fetiches que impregnam o metabolismo social do trabalho estranhado nas condições da acumulação flexível.
O “espírito” do toyotismo caracteriza-se então pela “captura” da subjetividade do homem-que-trabalha pelas disposições estranhadas do capital. É a lógica da gestão hegemônica não apenas na indústria, mas nos serviços e administração pública, que articula novas modalidades de remuneração baseada em cumprimento de metas e jornada de trabalho flexível, além de uma crescente carga ideológica nos treinamentos que assumem mais um caráter psicológico-comportamental do que técnico-profissional.
Na verdade, os treinamentos das empresas atuam mais sobre o trabalho vivo do que sobre a força de trabalho: treina-se hoje nas empresas mais para se manipular e conformar o operário ou empregado na linha da “autoajuda” empresarial, incutindo-lhes valores-fetiches do capital; do que para formar tecnicamente e operacionalmente a força de trabalho. Ao mesmo tempo, pari passu ao ambiente do “trabalho em equipe” e a proclamação da ideologia da colaboração, disseminam-se, nos novos locais de trabalho reestruturados, formas perversas de pressão psicológica que os gestores fazem sobre o trabalho vivo (o assédio moral).
No plano do mercado de trabalho, as novas formas de contratação flexível que se disseminam fecham o cerco sobre a subjetividade do trabalhador assalariado na medida em que contribuem para a dessubjetivação de classe, tendo em vista que são os trabalhadores precarizados, trabalhadores assalariados em geral pouco organizados, que perdem o referencial coletivo do em si da classe, ocorrendo, desse modo, a subordinação total da individualidade pessoal à condição de “classe” ou condição de proletariedade.
IHU On-Line – Como ocorre a articulação entre mente e corpo do homem-que-trabalha no século XXI?
Giovanni Alves – Como salientei acima, a ideia de “captura” da subjetividade do homem-que-trabalha pressupõe uma nova articulação entre mente e corpo, muito mais sofisticada do que aquela que havia na época do fordismo-taylorismo. Por isso, a vigência da lógica do toyotismo como “espírito” intelectual-moral da gestão capitalista. Com as novas tecnologias de base informacional e a crise estrutural do capital, que produz contradições insanas no plano da produção e reprodução do valor, as estratégias de gestão capitalista baseiam-se cada vez mais no envolvimento do trabalho vivo na produção do capital. É uma perversa ironia da história que o capitalismo da grande indústria, que “negou” o lugar do trabalho vivo na produção de valor, seja obrigado a repô-lo contraditoriamente nas novas condições do desenvolvimento capitalista e produção do capital. É por isso que estamos numa nova forma social de produção do capital que eu denomino (no meu livro chamadoDimensões da precarização do trabalho) de “maquinofatura”.
A “maquinofatura” é a forma social no interior da qual o capital, em sua etapa de crise estrutural, reproduz suas candentes contradições. Portanto, a maquinofatura, como a manufatura e a grande indústria, não é apenas um “modelo” de organização da produção de mercadorias, mas principalmente um modo de controle estranhado do metabolismo social e, portanto, de articulação entre mente e corpo. É uma forma de produção social no interior da qual ocorre o desenvolvimento da produção do capital. É a vigência da terceira forma de produção do capital (a maquinofatura) que explica, por exemplo, a presença enquanto momento predominante da reestruturação produtiva do capital, da “captura” da subjetividade do homem-que-trabalha e das novas formas de estranhamento que dilaceram o núcleo humano-genérico.
Nesse caso, o capital atinge seu limite radical, isto é, o capital atinge a sua própria raiz, o homem, ou melhor, as relações sociais no sentido da constituição/deformação do sujeito histórico como homem-que-trabalha. O toyotismo como ideologia orgânica da produção de mercadorias surgiu no seio da maquinofatura, na medida em que a “captura” da subjetividade do homem-que-trabalha pelo capital tornou-se seu nexo essencial. O capitalismo manipulatório inaugura a era da maquinofatura como derivação lógica (e ontológica) da grande indústria.
Ao mesmo tempo, a epidemiologia laboral nas condições históricas da maquinofatura caracteriza-se pelo predomínio do adoecimento da mente, na medida em que o que está sob tensão é (como na manufatura) o homem integral. Entretanto, enquanto na manufatura o que está posto é o homem como força de trabalho, na maquinofatura o que está posto em questão é o homem como trabalho vivo. Nas condições do capitalismo manipulatório opera-se de modo radical a redução do trabalho vivo à força de trabalho como mercadoria – e pior: ser-mercadoria num momento histórico de crise radical da forma-mercadoria.

sábado, 27 de abril de 2013

Plebiscito Nacional: Mais de 60 mil dizem “NÃO” a EBSERH!


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Do dia 02 a 19 de abril, entidades ligadas a educação e saúde federais construíram o Plebiscito Nacional sobre a EBSERH na maioria das IFES em todo país. Coletaram votos da comunidade universitária e entre os usuários dos hospitais universitários.
O plebiscito nacional é uma campanha organizada pelos setores sindicais, estudantis e do movimento social que estão na luta contra a adesão dos Hospitais universitários à EBSERH, pois tal empresa é mais um projeto do governo federal cujas consequências aprofundam a privatização da saúde/educação e a precarização do trabalho nos hospitais universitários.
Durante o período de realização do plebiscito de norte a sul do país, docentes, técnicos administrativos,estudantes,ativistas de movimentos sociais e entidades que estão na luta contra a privatização da saúde, organizaram comitês que foram a campo num importante trabalho de base explicando as consequências nefastas em caso de implementação da EBSERH nas universidades.
A força desta campanha incomodou a administração da EBSERH e o próprio governo federal que responderam em nota oficial atacando as entidades que construíram o plebiscito. Reforçando essa ação do governo, em meio à construção do Plebiscito a rede globo de televisão, defensora intransigente da privatização, transmitiu em horário nobre (jornal nacional) reportagem favorável à EBSERH.
Durante a apuração do resultado do plebiscito o movimento nacional contra a EBSERH ganhou mais aliados com a decisão oficial do CFM (Conselho Federal de Medicina) em se somar à ADIN movida pela PGR contra a EBSERH, na qualidade de “Amicus Curiae”.
A totalização final dos votos demonstra claramente que a comunidade universitária e os usuários do SUS em maioria esmagadora são contrários à entrega dos Hospitais universitários à EBSERH. Lamentavelmente em muitas universidades as reitorias estão aprovando a adesão à EBSERH por manobras antidemocráticas nos conselhos Superiores, existindo casos onde nem mesmo nos conselhos foi feita a discussão antes da adesão.
Mais de 60 mil pessoas que participaram do plebiscito, entre técnicos administrativos, docentes, estudantes e usuários disseram não à EBSERH e menos de 3000 mil se colocaram a favor desse novo modelo de gestão privatizante proposto pelo governo federal.
O resultado final do Plebiscito Nacional sobre a EBSERH foi uma grande vitória da luta contra a privatização do SUS e da universidade pública que são conquistas importantíssimas da classe trabalhadora brasileira.
O plebiscito nacional fortalece todas as lutas que seguirão, como a própria ADIN que nesse momento questiona à EBSERH no Supremo Tribunal Federal. Todos os segmentos que construíram os comitês em cada universidade estão de parabéns, assim como as entidades que organizaram e apoiaram de uma forma ou de outra essa iniciativa.
O resultado do Plebiscito Nacional será entregue em ato público em frente ao MEC no dia 24 de abril como parte das atividades da MARCHA NACIONAL que está sendo organizada por várias entidades sindicais, estudantis e movimentos sociais brasileiros. Veja abaixo o resumo do resultado do plebiscito. O resultado completo será divulgado nos próximos dias.
60.341 disseram NÂO à Ebserh
2.269 disseram sim
Diga Não à EBSERH!
Pela ampliação do SUS e fortalecimento dos HUs públicos e gratuitos!
Por uma universidade publica e gratuita!
Entidades Organizadoras e Apoiadoras do Plebiscito Nacional da EBSERH:
FASUBRA,ANDES-SN,FENASPS,DENEM,Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde,CUT,CTB,CSP-CONLUTAS,ANEL,UNE,SINASEFE.

PCB e Unidade classista marcham em defesa dos direitos trabalhistas


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PCB e Unidade classista marcham em defesa dos direitos trabalhistas
Nesta última quarta-feira (24/4), mais de 20 mil manifestantes, entre eles trabalhadores do campo e da cidade, estudantes e aposentados, com participação ativa do PCB e da corrente sindical Unidade Classista, realizaram expressiva marcha em Brasília para protestar contra a proposta do governo, empresariado e centrais sindicais oficiais expressa no chamado "Acordo Coletivo Especial".
Aprovada, a proposta significará um derrota histórica para a classe trabalhadora brasileira, pois sepultará de forma definitiva a vigente legislação trabalhista, favorecendo aos interesses da rapinagem capitalista através da total flexibilização de direitos.
O Espaço de Unidade de Ação, que patrocinou o movimento, coordenou a segunda parte das manifestações setoriais junto ao legislativo federal e ministérios. Também foi alvo do protesto a nova proposta de reforma da previdência - que aponta para a privatização e a precarização, além de atacar de forma frontal o direito de aposentadoria, quebrando o princípio pétreo de solidariedade entre gerações de trabalhadores.
A marcha ainda exigiu a saída do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) da Comissão de Direitos Humanos.
Os militantes do PCB e da Unidade Classista presentes à atividade conclamaram a construção de um sistema de aliança entre os trabalhadores para o enfrentamento aos ataques do governo Dilma, capacho do capital.

Unificação da luta
O ato já gerou seu primeiro fruto: ficou acertada a reprodução da unidade de ação nos estados do país para o próximo Dia Internacional dos Trabalhadores - o 1º de maio - na próxima quarta-feira. Além disso, um novo calendário de manifestações em defesa da rede de proteção social, dos direitos trabalhistas e humanos será debatido na próxima reunião do Espaço de Unidade de Ação, agendado para 15 de maio, em Brasília.

Secretariado Nacional do PCB

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Coréia do Norte: entre a guerra, a paz e o futuro




(Nota Política do PCB)





O Partido Comunista Brasileiro (PCB) repudia as ameaças de agressão militar imperialista à República Popular Democrática da Coréia e presta total solidariedade ao governo e ao povo nortecoreanos na defesa de sua soberania, de seu direito de desenvolver-se plenamente e de seguir com o caminho que escolheu para sua construção socialista.



Nesse momento de provocações por parte do imperialismo, queremos ressaltar que a Coréia do Norte precisa do apoio solidário dos governos e povos amantes da paz, de todos os que se opõem ao imperialismo, para que possa desenvolver-se livre e plenamente, em todas as esferas da vida social, para um futuro de igualdade e justiça social.    



Constatamos que é grande a pressão internacional contra o país, comandada pela grande mídia burguesa e pelo governo dos EUA, centrada, principalmente, em ações de propaganda anti-socialista, em medidas políticas e econômicas e em mobilização militar para impedir que a Coréia do Norte desenvolva plenamente a  capacidade nuclear de que necessita para fazer mover sua economia, movimento que se intensificou a partir dos anos 90, com o fim da União Soviética. São freqüentes palavras como “ditador”, usadas para referência ao dirigente máximo (o termo não é usado para os Emires, Príncipes e outros monarcas absolutistas que governam países árabes) e alusões à “ajuda humanitária” da qual a população nortecoreana dependeria para sobreviver. As reportagens falam do “autoritarismo” e do “atraso” da Coréia do Norte, atribuídos, é claro, ao estilo do socialismo lá vigente. O objetivo dessas ações é isolar o país,  destruir as conquistas sociais e tentar agredir e ocupar militarmente o país, em função de sua localização estratégica na disputa hegemônica com a China e a Rússia.   .



A imprensa, naturalmente, não traz informações sobre as conquistas sociais do país, atestadas por fontes insuspeitas como o Banco Mundial e o Factbook da agência de inteligência dos EUA, a CIA: 60% da população vive em cidades; 97% da água consumida é tratada; a expectativa de vida é, hoje, 69 anos (era 67 anos em 2001); o acesso ao saneamento chega a 80% dos domicílios, o anafalbetismo é de 1%. A saúde, a educação, os esportes e outros serviços sociais são gratuitos, há moradias para todos. O país tem centrais nucleares, termo e hidroelétricas, produz automóveis, tratores, aço, máquinas diversas, cimento, tecidos, fertilizantes e um grande número de outros produtos industriais. Além do domínio do ciclo do urânio, a Coréia do Norte logrou pôr um satélite em órbita com um foguete construído no próprio país.



A história recente do país ajuda a explicar o quadro atual: com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a União Soviética passou a controlar a região norte da península coreana, ao passo que os EUA controlavam a parte sul. Em 1948, após 3 anos de negociações frustradas para uma possível reunificação do país, foi criada a República Popular e Democrática da Coréia, na região norte, após a realização de eleições gerais ganhas pelos comunistas e outros partidos aliados (dois dos quais participam até hoje da coalizão que governa o país). No sul seria criada, na mesma época, a República da Coréia. Após a guerra entre os dois lados, no começo dos anos 50 - uma guerra provocada pelos EUA, que iniciava assim a Guerra Fria -, a Coréia do Norte viveria um período de crescimento e prosperidade que duraria mais de duas décadas.  



No entanto, a situação econômica do país viria a deteriorar-se após a queda da União Soviética, país que lhe oferecia equipamentos, petróleo e muitas outras formas de cooperação econômica e técnica, além de ser seu principal aliado político. Sem a URSS, aumentaria sobremaneira a pressão dos EUA  e seus aliados sobre a Coréia do Norte.



No campo econômico, o país já vinha tomando iniciativas para atrair investimentos externos desde os anos 1980, e esforços vêm sendo feitos para uma aproximação com a Coréia do Sul, a China e outros países. Entre outros empreendimentos conjuntos, há um complexo industrial gerenciado pelas duas Coréias. Mas esses esforços não têm sido suficientes para reverter o quadro de dificuldades por que passa o país.



O anúncio feito há poucos dias pelo governo sulcoreano, de que estaria disposto a abrir uma rodada de negociações, pode ser o primeiro sinal de que a crise pode estar começando a se dissipar. Mas as pressões para impedir o desenvolvimento da Coréia do Norte, por parte dos EUA, certamente continuarão.



Não cabe aos comunistas do PCB dizer como deve ser o governo da Coréia do Norte, como se dá a escolha de seus dirigentes ou quais devem ser as suas prioridades. Tampouco nos cabe questionar o mérito ou as bases teóricas do pensamento político que orienta as decisões do estado. Mas repudiamos fortemente as ameaças de agressão militar imperialista àquele país, e prestamos total solidariedade ao governo e ao povo nortecoreanos na defesa de sua soberania, de seu direito de desenvolver-se plenamente e de seguir com a sua forma de construção socialista.



PCB – Partido Comunista Brasileiro

Comissão Política Nacional

(abril de 2013)




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Veja a página do PCB – www.pcb.org.br

Partido Comunista Brasileiro – fundado em 25 de Março de 1922


O novo que nasce velho

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Jacques Gruman

A juventude de hoje deseja um mundo mais justo, mas dentro da estrutura da sociedade em que vive. O que sinto nela é a falta de fé na História (Olivier Assayas, diretor de cinema)
O logotipo no envelope não deixava dúvidas. Justiça Eleitoral ? Véspera de eleições ? Claro que devia ser uma convocação para trabalhar como mesário. Não deu outra. 1989 era o ano e eu presidiria uma seção eleitoral, justamente no primeiro pleito direto para presidente depois da ditadura. Os votos ainda eram impressos e, no final do dia, entre orgulhoso e cansado, bati uma foto com meus auxiliares. Não é que tínhamos tirado uma casquinha acidental daquele momento histórico ?
O reinício de eleições diretas para a presidência da República teve uma novidade importante. Pela primeira vez em quase quarenta anos, o PCB, partido mais antigo do país, lançava candidato próprio. Em 1950, na sombra da ilegalidade e ainda na esteira da popularidade pós-Segunda Guerra Mundial e do carisma de Luiz Carlos Prestes, o partido tivera cerca de 10% dos votos, com um candidato desconhecido e inexpressivo: o engenheiro Yedo Fiúza. No final dos anos 80, era a vez de Roberto Freire.
Com discurso fluente, Freire recolocou os comunistas do PCB no mapa eleitoral do Brasil. Percorreu o país, sonhando aglutinar as forças de esquerda em torno de sua candidatura. Criticou duramente as fumaças de privatização que já começavam a vazar da burguesia, afirmando que, antes de tudo, era necessário “desprivatizar o Estado”. No fim, ganhou pouco mais de 1% dos votos. Foi a colheita da política desastrosa de conciliação de classes que o partido seguira dogmaticamente, quando as bases sociais da ditadura balançavam e as lutas populares acuavam a caserna.
Não demorou muito e as lutas internas do PCB, agravadas pelos acontecimentos do leste europeu, levaram a mais um racha. Em 1991, Freire estava alinhado aos que, no IX Congresso do partido, tentaram liquidá-lo. Encontrando severa resistência de dirigentes e militantes, parte do Comitê Central convoca, então, um Congresso Extraordinário, tendo como ponto único de pauta a criação de uma “nova formação política”. Para evitar surpresas, os liquidacionistas usaram um expediente malandro e inescrupuloso: não-filiados foram aceitos como delegados ao Congresso, com direito a voto. Cooptaram, assim, simpatizantes identificados com suas teses, garantindo tranquila maioria. Militantes e dirigentes que repudiaram essas manobras realizaram, de imediato, uma Conferência Nacional de Reorganização do PCB. Horácio Macedo e Ivan Pinheiro discursaram no Congresso liquidacionista e suas falas foram premonitórias. Do Congresso adulterado nasceu o PPS, que a imprensa, por má-fé ou ignorância, ainda chama de sucessor do PCB.
Não satisfeitos, os pepessistas tentaram transferir o que seria uma luta política para o terreno burocrático-estatal. Roberto Freire deu entrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial com um processo para, pasmem !, registrar a exclusividade do direito de uso da sigla e do símbolo do PCB. Seria risível se não fosse uma farsa abjeta, de coveiros de uma tradição que pedia debate, e não capitulação. Claro que os técnicos do INPI receberam o pedido com o desprezo que merecia. Compreenderam a patuscada e jogaram no lixo da História a tentativa vergonhosa.
Com um trabalho incansável, ativistas e militantes do PCB recuperaram o registro da sigla. Enquanto isso, os pepessistas, sempre sob a liderança de Roberto Freire, adernaram, lenta, gradual e consistentemente para a direita. Defenderam os processos de privatização, apoiaram o PROER (que salvou a cara dos banqueiros), aliaram-se, não raro, ao que há de pior na política nacional, aboliram o socialismo do discurso (embora o tenham conservado, cinicamente, na sigla). Anos antes da criação da Comissão da Verdade, foram descobertos corpos no cemitério de Perus, em São Paulo, suspeitos de serem os restos de militantes políticos assassinados pela ditadura. Freire criticou os que ousaram sugerir uma investigação do caso, alegando que o passado devia ... ficar no passado ! Enquanto isso, em épocas eleitorais, víamos um desfile de candidaturas Blairo Maggi, Sambariloves e Sardinha 88, desidratados em conteúdo e identidade ideológica.
O processo de degradação culmina agora com a fusão PPS-PMN. A nova sigla, Mobilização Democrática, nasce como negação da esquerda socialista. Sua bússola é eleitoral. Estou entre os seis ou sete que tiveram a curiosidade (e a paciência) de ler o manifesto e o programa do novo partido. Não há a menor referência ao capitalismo como raiz dos graves problemas estruturais que os documentos mencionam. A esquerda, e isso não se deve omitir, é necessariamente anticapitalista. O que a MD propõe são remendos, em quase nada diferentes dos propostos pelos partidos da ordem. É uma grande colcha de retalhos daqueles que desembarcaram do projeto socialista e enterraram conceitos e referências teóricas. Os “pós-comunistas” namoram um improvável (impossível ?) capital humanizado, desejam ser parceiros de um modo de produção que continua gerando guerras, destruição, fome, distúrbios globalizados, exploração dos mais vulneráveis. Falam em “reforma democrática do Estado” como se isso fosse independente da luta de classes. As grandes novidades que trazem são a exumação política de José Serra e a esperada adesão de parlamentares ligados ao ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
A esquerda não adesista enfrenta importantes desafios. As mobilizações de massa do passado, com intensa identificação partidária e capilarização social, são cada vez mais raras. Aparecem em situações de crise aguda, mas carecem de continuidade. Novas formas de participação, através de redes sociais e meios virtuais, ainda são pouco utilizadas e mal compreendidas. A experiência histórica do chamado socialismo real deixou feridas mal cicatrizadas e não substituídas por referências consistentes que ajudem a pavimentar caminhos anticapitalistas. Entretanto, todas essas e outras dificuldades não justificam a exaltação envergonhada dos cristãos-novos do reformismo filocapitalista. Há, certamente, gente honesta que acredita em propostas como as que a MD agora apresenta. Falo de instituições, não de pessoas. Nesse sentido, repito Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré: Cante lá, que eu canto cá.