segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

É um trágico erro separar a classe burguesa em “nacional” e “estrangeira”. É igualmente perigoso e equivocado escolher apoiar uma união imperialista o



A posição dos comunistas contra toda união imperialista é um critério fundamental















Elisseos Vagenas – Membro do Comitê Central do Partido Comunista Grego (KKE), responsável da Seção de Relações Internacionais do CC


"Desgraçadamente, estas análises não são apoiadas apenas pelas forças burguesas, mas também partidos caracterizados como “de esquerda” e, inclusive, comunistas, como o PC do Brasil (enquanto as uniões nas regiões da América Latina) ou o PC da Federação Russa (na denominada região da Eurásia)".



(Publicado em “Rizospastis” em 15 de janeiro de 2012)

A crise capitalista global, consequência da contradição básica do sistema capitalista, conduz a um maior aprofundamento das contradições interimperialistas e à aparição de novas e poderosas potências imperialistas. Estas potências tratam de formar novas uniões interestatais com múltiplos objetivos: o fortalecimento de sua posição frente a seus rivais globais, o controle das matérias primas, a energia, as rotas de transporte de energia, o controle de esferas de mercado para favorecer seus monopólios, assim como uma maior exploração da classe trabalhadora e o reforço do poder burguês em todos os países, utilizando as “ferramentas” que provêem das uniões interestatais imperialistas.

Assim, assistimos, junto a nossas “bem conhecidas” uniões, como a UE, que surgem novas uniões no território da antiga URSS e na América Latina. Tais uniões podem ser novas, porém as “raízes” de sua criação não são outras que as assinaladas nas obras de Lênin: que na época do imperialismo, fase final do capitalismo, são formadas uniões internacionais de capitalistas que repartem o mundo.

Uma tentativa de mascarar as intenções

Certas forças estão levando a cabo uma tentativa de “mascarar” este objetivo das classes burguesas dessas regiões, em nome da formação de um “mundo multipolar”. Segundo este ponto de vista, é positivo para os povos que surjam outros “pólos” fortes no cenário internacional, além dos EUA e da UE. Como argumento adicional, é citado o período de existência da URSS, que operava como um “contrapeso”.

Ao mesmo tempo, a tentativa de “mascarar” as novas uniões interestatais afirma que estas uniões aparecem para ajudar ao “capital nacional” contra o denominado capital “comprador submetido aos estrangeiros”, reforçando assim “o desenvolvimento”, impedindo a penetração dos EUA e de outras organizações imperialistas, como a OTAN e a UE, nestas regiões e, inclusive, salvaguardando a “soberania nacional”, que de outra forma estaria ameaçada pelo imperialismo internacional.

Desgraçadamente, estas análises não são apoiadas apenas pelas forças burguesas, mas também partidos caracterizados como “de esquerda” e, inclusive, comunistas, como o PC do Brasil (enquanto as uniões nas regiões da América Latina) ou o PC da Federação Russa (na denominada região da Eurásia).

O que está sendo esquecido

Não obstante, estes partidos se esquecem de observar o assunto sob a perspectiva de classe. Se eles não tivessem esquecido, teriam observado que a União Soviética não se parecia com estas novas uniões interestatais. Atualmente, nós enfrentamos as uniões que estão construídas sobre o terreno do capitalismo monopolista, do imperialismo. Além disso, o imperialismo não deve ser entendido de maneira simplista, como uma política agressiva das potências mais fortes que vem impor-se aos povos, de fora para dentro, com o poder do dinheiro e das armas. Nas condições atuais, todo país em que prevaleçam as relações de produção capitalistas, independentemente do nível do desenvolvimento de suas forças produtivas, se incorpora ao sistema imperialista internacional, sendo uma seção do mesmo.

Então, se analizarmos o processo de formação de novas uniões interestatais, que estão sendo criadas na Eurásia ou na América Latina, com um enfoque de classe, veremos que estas não estão se formando para servir aos interesses dos povos, mas para promover os interesses do capital de países concretos e de seus monopólios.

Por exemplo, o Brasil, onde o capital está vendo hoje um importante crescimento de sua rentabilidade, opera como “motor” nas novas uniões interestatais que estão sendo criadas na América Latina. A atividade econômica e diplomática do estado brasileiro tem o objetivo de converter o Brasil num forte competidor capitalista no marco da “pirâmide” imperialista. Já em alguns mercados da América Latina são predominantes as empresas multinacionais brasileiras, que gozam de financiamento público. A Rússia opera de forma similar, assim como os monopólios russos, no território da antiga URSS.

Com a formação de novas uniões interestatais, que constituem expressões de unificação capitalista regional e sempre surgem sobre a base das leis da economia de mercado, as classes burguesas tratam de unir suas forças contra seus rivais e às custas da classe trabalhadora. A política de apoio a estas uniões transforma o movimento comunista e operário numa ferramenta de apoio ao “desenvolvimento” capitalista, o que fortalece as posições do capital e leva os trabalhadores à “câmara de tortura”, ao consenso social favorável ao investimento da “competitividade” da “economia nacional” e ao fortalecimento da união interestatal imperialista específica.

Por outro lado, o “mundo multipolar” não é realmente mais pacífico e seguro para os povos, já que é um mundo de duras e predadoras alianças e conflitos imperialistas, que se fundamentam em todas as formas possíveis: econômicas, políticas, diplomáticas, espionagem, militar, etc.

Tal enfoque de apoio às novas uniões imperialistas poderia ser catastrófico para o movimento comunista, já que deixaria ao povo a incumbência de escolher entre imperialistas. Poderia levar a posições e ações que o deixariam exposto.

Não a toda união imperialista

Não há dúvida de que todas as potências imperialistas e, sobretudo, os EUA e a UE, obstaculizam o surgimento e funcionamento de outras uniões imperialistas, posto que ambos operam conforme seus interesses. Além disso, sabe-se que as potências imperialistas têm mecanismos muito diversos de intervenção, desde os meios de comunicação eletrônica às ONG’s, até “institutos de investigação”, aos quais dão dinheiro para que influam e corrompam as consciências, etc. Existem informações específicas sobre o papel jogado por uma série de agências imperialistas no treinamento de forças que estiveram ativas na denominada primavera árabe e/ ou estariam ativas agora na Síria.

Está claro que não podemos ignorar os interesses e planos de cada potência imperialista em distintas regiões e em distintos momentos. A luta contra os planos imperialistas deve fortalecer-se em todos os lugares. Não obstante, nós comunistas cairemos em trágicos erros e adotaremos posições inaceitáveis se substituirmos o enfoque de classe para analisar os acontecimentos por teorias não classistas, supostamente “geopolíticas”, que exijam a escolha do lado imperialista, ocultando a contradição básica entre capital e trabalho, que é a mesma em todos os países capitalistas.

Por isso, é um erro separar a classe burguesa em “nacional” e “estrangeira”. É igualmente perigoso e equivocado escolher apoiar uma união imperialista ou outra. Os movimentos comunista e operário devem ter um posicionamento claro de oposição a toda união imperialista, lutando pela saída de nossos países dos planos e das uniões imperialistas, com o simultâneo derrocamento do sistema capitalista que as cria.

Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)








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Partido Comunista Brasileiro – Fundado em 25 de Março de 1922

A moradia como ficção

Joycemar Tejo

A ficção é um ramo da literatura interessante. Livre das amarras da realidade e do compromisso com fatos, o escritor dá asas à imaginação e pode abarcar, a seu bel-prazer, situações para além de limites temporais e geográficos.

As cidades invisíveis de Ítalo Calvino (1) não seriam o que são se não fossem, justamente, invisíveis; o puro gênio criativo em ação. Isso é ser artista, a capacidade de criar, e não por acaso Henry Miller define como artista quem quer que crie algo (2).


Quem pega a constituição brasileira de 1988 sente estar diante de uma obra de ficção também. Tantos e tantos comandos bonitos! Pegando esse fabulário moderno vemos que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República, que a construção da sociedade justa, livre e solidária é um objetivo fundamental, que todos são iguais perante a lei, que a educação, saúde, trabalho etc. são direitos sociais- e por aí vai. Talvez isso seja realidade: em Xanadu ou na Terra do Nunca. Mas, como qualquer um pode verificar, não no país de Daniel Dantas e Naji Nahas. Welcome to real life.

Há então um enorme abismo entre o comando constitucional e a vida cotidiana, no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Ocorre que, e como advogado reiteradamente insisto nisso, justamente por haver o comando é que pode (e deve) ser exigido. A ciência jurídica passa por um novo enfoque: ao invés de enxergar na constituição uma bela (e fantasiosa) carta de princípios, passa-se a reconhecer nela força normativa; se está lá, tem que ser cumprido (3). Não se trata aqui de achar que as mazelas da sociedade de classes podem ser solucionadas pela Constituição burguesa, mas de compreender que mesmo ela -limitada e deficitariamente que seja- garante ferramentas que podem, ainda na sociedade de classes, suavizar pouco que seja a posição dos explorados.

Mais acima falei em moradia. É uma coisa tão elementar, que alguém já disse ser um direito "pré-humano", pois até o menor dos bichos tem seu refúgio. Afinal um teto sobre a cabeça não é muito, é o mínimo para a sobrevivência. Custa crer que tal direito tão básico (considerado fundamental pela Constituição) é negado para grandes estratos da população, logo no País dos lucros recordes para o setor financeiro, do pré-sal e da Copa do Mundo. O massacre (não há termo melhor, mesmo que não tenha havido vítimas fatais, coisa aliás que não ficou clara até o momento) de Pinheirinho é mais uma capítulo nessa longa história de vilipêndio aos direitos mais rudimentares do ser humano. De um lado, batalhão de choque, cavalaria e cães policiais; o inimigo? pessoas defendendo suas casas. E por que defendiam suas casas? Porque a justiça (em minúsculas) determinara a reintegração do terreno ao seu verdadeiro (sic) proprietário (sic), Naji Nahas, o arqui-especulador (4). Para esse, tudo; para os moradores (insistentemente chamados pela mídia de "invasores"), nada. Tudo se resume a isso: o direito à propriedade de um se sobrepondo ao direito à moradia de milhares. Passando por cima de um conceito chamado, tanto no Código Civil quanto na Constituição, de "função social da propriedade".

Diante da comoção pública e da denúncia por parte dos setores da sociedade civil, como o Conselho Federal da OAB, os responsáveis pela desocupação se sentiram obrigados a se justificar. O PSDB -partido do governador de São Paulo, Alckmin, e do prefeito Eduardo Cury, de São José dos Campos, onde se situa Pinheirinho- prontamente emitiu uma nota tirando o corpo fora, assim como todas as autoridades envolvidas, como os juízes que entusiasticamente acompanharam de perto a atuação policial, protegidas pela mídia hegemônica, bateram na tecla da legalidade da ação, que teria se dado dentro dos conformes e sem excessos. Declarações que apenas servem para me lembrar da fala de Trotsky: "Os antagonismos sociais elevam, sempre e onde quer que seja, ao quadrado e ao cubo a hipocrisia das opiniões dominantes" (5).

Agora vemos na mídia que as autoridades estaduais e municipais estão tomando providências para amparar os desalojados, como fornecendo "aluguéis sociais". Supondo que os entes públicos estão agindo assim por genuína preocupação social (e não pela pressão das entidades de defesa de direitos humanos), a pergunta fica no ar: por que não providenciaram isso antes da expulsão dos moradores? A ocupação do terreno já se aproximava de uma década. Fosse o caso de reintegrar a posse (o que já é em si discutível), era dever do poder público providenciar uma "transição", sem atropelos ou choques; e jamais invadir um local ocupado por milhares de pessoas -incluindo muitas crianças e idosos- às 6 horas da manhã de um domingo. Imaginem, senhores: chutam-lhe a porta da casa em uma bela manhã com a singela ordem, "saia!". E dá-lhe gás lacrimogêneo.

Voltando a Trotsky. Diz, lembrando a natureza autoritária própria da atividade estatal, que "o direito de dispor dos contingentes de homens armados é o direito fundamental do poder de Estado" (6). O que mais temos visto, no Estado de São Paulo, são homens armados lançados contra o povo. Seja na USP, na Cracolândia como em Pinheirinho, o governo tucano recorre ao cassetete e ao gás lacrimogêneo para solucionar questões de ordem política e social. Mas o povo que apanha também há de reagir. Nada é mais forte que o povo organizado- nem o mais feroz batalhão de choque.

Notas
(1) Para baixar em PDF, aqui - http://www.4shared.com/office/DqM3JDTw/Italo-Calvino-As-Cidades-Invis.htm

(2) "Big Sur e as Laranjas de Hieronymus Bosch".
(3) É o que se chama "neoconstitucionalismo". Sobre, dentre vários, "Curso de Direito Constitucional Contemporâneo" de Luís Roberto Barroso.
(4) Mais precisamente, a massa falida de sua empresa Selecta.
(5) Leon Trotsky, "A Revolução Traída".
(6) Idem, "A História da Revolução Russa".

Fonte: Diário Liberdade

domingo, 29 de janeiro de 2012

A sociedade prescisa de uma polícia cidadã e democrática

Diário Liberdade - [Antonio Carlos Mazzeo] "Não sei como", mas a PM tem meu endereço eletrônico ... e acreditem, me enviou um e-mail "explicativo" sobre a ação (desastrosa) daquela corporação no Pinheirinho ....

O e-mail, (noreply@policiamilitar.sp.gov.br) procurou justificar o injustificável, a partir de um conjunto de informações que misturaram, de modo quase infantil, o obviamente conhecido com distorções da realidade.


O mais incrível disso tudo, é que a PM/SP não admite sequer que possa ter havido excessos na sua ação.Nada, a não ser cínica autopromoção corporativa.
Objetivamente, a divulgação desse e-mail propagandístico reflete o desespero dessa corporação policial-militar diante do profundo desgaste e descrédito em relação à sociedade. Ainda que possam existir segmentos que apoiem e compartilhem a concepção de mundo existente na PM, a grande maioria da sociedade, de fato, não a vê com bons olhos.

A desconfiança da população é de tal monta que, surpreendentemente ouvi ontem, de uma apresentadora de um conhecido telejornal matutino, ao comentar mais uma das trapalhadas da PM/SP (na Marginal Pinheiros, em São Paulo, que acabou expondo a vida dos cidadãos em tiroteio irresponsável em meio ao trânsito e que provocou a morte de senhor aposentado) que quando a polícia chega "queremos chamar o ladrão"!

Tenho dito, em todas as vezes que me refiro às PMs, que essas corporações representam uma forma de organização policial obsoleta e decrépita, porque produto do período da ditadura militar-bonapartista, e em descompasso com um país que almeja a institucionalização da democracia em moldes clássico-burguês. Melhor dizendo, as PMs constituem uma uma herança da forma societal autocrática do período imperial, com formação das guardas nacionais, ou como foram designadas oficialmente, Corpo de Guardas Municipais Permanentes, criados no período regencial (1831 - 1840), momento de muitas revoltas populares, como a Cabanagem, no Pará, a Balaiada no Maranhão, a Sabinada na Bahia e a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, essa maior e mais longa, e com a participação da oligarquia dissidente do poder central. Todas essas revoltas foram afogadas em sangue, em brutais repressões para garantir tanto a unidade nacional ameaçada, como o poder das oligarquias hegemônicas e a autocracia de uma burguesia de caráter mercantil e agroexportadora.

De modo que esse corpo policial nasce para garantir não somente o poder central, como também os poderes regionais, sob comando dos latifundiários (no caso de São Paulo, o fazendeiro Tobias de Aguiar, não por acaso o patrono da PM/SP)todos promovidos a "coronéis" do Corpo de Guardas. Mais tarde, na República Velha, esse corpo de guardas transforma-se em Força Pública, mais uma vez a serviço das oligarquias autocráticas, com intuito de repressão dos movimentos populares, em especial, a Grave de 1917, em SP, Revolta dos Marinheiros e a revolta de Canudos, entre outras.

A ditadura militar-bonapartista, transformou essa força em Polícia Militar, ainda na perspectiva da autocracia burguesa, para reprimir os movimentos operário-populares e conter quaisquer possibilidades de oposição à ditadura.

Ora, o que podemos depreender desse sumaríssimo histórico, é que essa organização policial-militar, em seu núcleo genético, atua como corpo estranho à sociedade. Dizendo de outro modo, numa formação social de extração colonial, como a brasileira, onde a chamada "sociedade civil" (ou na definição de Marx, a sociedade civil burguesa-bürgerliche gesellschaft ) era "gelatinosa" e consequentemente fragmentada, utilizava-se desse tipo de força policial e, inclusive das forças armadas, para garantir a autocracia burguesa e a exclusão dos trabalhadores da vida e dos processos decisórios nacionais.

No momento histórico atual, onde a luta de classes aponta para um processo de democratização (aqui, no sentido das formulações lukacsianas) de longa-duração, uma das tarefas imediatas é reconstruir as instituições de poder do Estado e entre as prioridades, está a urgente restruturação das forças de segurança internas, quer dizer o conjunto da força de polícia. O que a sociedade deve discutir é o caráter de uma força policial, que obrigatoriamente deve ser cidadã e comprometida com a democracia, o que não encontra reverberação na atual conformação das arcaicas PMs. Não é mais possível deixar a segurança pública nas mãos de tecnocratas e de autocratas. A sociedade tem o direito e a obrigação de participar decisoriamente das políticas públicas de segurança.

Há que se afrontar urgentemente esse problema, há que se evitar que corpos policiais fiquem nas mãos de governadores despreparados e demagógicos, comprometidos com interesses locais ou de classe, que ignora de per si, os interesses gerais da sociedade.

Esta é uma tarefa que não pode ser adiada.


Antonio Carlos Mazzeo é professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e membro do Comitê Central do PCB.
grifo meu [PK]

Fonte: Facebook do autor.



Werneck Sodré e a teoria do Brasil

É de fundamental importância um olhar detido sobre o legado teórico e as posturas políticas do historiador centenário

Miguel Yoshida

Em 2011, Nelson Werneck Sodré teria completado 100 anos de vida. Por ter sido importante figura na luta do povo brasileiro ao longo do século 20, é de fundamental importância um olhar detido sobre o seu legado teórico e suas posturas políticas.

Militar de carreira – ingressa no colégio militar no ano de 1924 –, Sodré sempre sustentou posições democráticas dentro do exército brasileiro, o que lhe causou uma constante perseguição pelas forças reacionárias. Além disso, também foi professor do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) no qual contribuiu juntamente com outros intelectuais brasileiros na reflexão sobre a formação social brasileira.

Sodré teve uma produção intelectual intensa: escreveu ao longo de sua vida mais de 50 livros e aproximadamente 3 mil artigos, nos quais buscou elaborar uma “teoria do Brasil”. Duas características são marcantes em seu pensamento: a busca de compreender a realidade brasileira em seus diversos aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos; e o marxismo como fio condutor de sua interpretação. Segundo José Paulo Netto, autor do perfil biográfico Nelson Werneck Sodré: general da democracia e da cultura: “a unidade de sua obra teve como base o rigoroso empenho, valendo-se dos recursos do marxismo, para compreender a particularidade histórica da formação social brasileira (...) o objeto que imantou todo o seu trabalho (marxista) de pesquisa, por mais de meio século, foi a história do Brasil.”

É importante ressaltar que Sodré não foi o primeiro a construir uma teoria do Brasil; o século 20 foi marcado por várias formulações sobre a realidade brasileira, desde conservadores, como Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, progressistas, como Sérgio Buarque de Holanda e Celso Furtado, até marxistas, como Caio Prado Jr.

Experiência militar

A evolução intelectual de Sodré se dá não apenas a partir de seu acúmulo teórico – sua bagagem cultural era algo extraordinário – mas também pela sua experiência política como militar. Ainda segundo José Paulo Netto, duas experiências marcam sua reflexão: “seu envolvimento nas eleições para o Clube Militar e a sua inserção no Iseb”.

Como decorrência da primeira, ele assume a direção do Departamento Cultural do Clube Militar, em uma gestão constitucionalista e democrática. Apesar disso, as forças reacionárias, com força e influência considerável na estrutura do exército, conseguiram desarticular tal gestão e Sodré foi transferido para Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Esse foi o primeiro de outros deslocamentos que ele sofreria ao longo da vida, fruto de ofensivas conservadoras.

Uma de suas principais preocupações girava em torno da história, não como uma disciplina, mas como uma totalidade, tal qual Marx e Engels postularam: “Existe apenas uma ciência, a ciência da história”. Ao perscrutar os vários aspectos da formação social brasileira, Sodré sempre buscou compreender o seu processo histórico de formação.

Não ocasionalmente, suas principais obras são: História da literatura brasileira (Graphia, 2002), História militar no Brasil (Expressão Popular, 2010), História da Burguesia Brasileira, História da imprensa no Brasil (Ed. PUCRS, 2011).

Apesar de cada um desses volumes – salvo o primeiro – terem sido publicados em anos subsequentes, entre 1964 e 1966, todos são frutos de anos de pesquisa; alguns foram concebidos primeiramente como projeto coletivo e depois realizados individualmente por ele, como é o caso de História militar no Brasil, idealizado quando foi professor da Escola do Estado-Maior, em finais dos anos de 1940.

Cabe ressaltar que essa preocupação em formular uma teoria do Brasil não é uma iniciativa individual de Nelson Werneck Sodré; o clima de efervescência social e cultural do Brasil das décadas de 1950-1960 é algo marcante em seu pensamento.

Proximidade com o PCB

São várias as polêmicas em torno da vida e da obra de Nelson Werneck Sodré, desde sua não declarada vinculação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) até suas interpretações marxistas da realidade brasileira. No que toca ao primeiro ponto, é possível perceber a sua aproximação ao PCB, principalmente após a Declaração de março de 1958, na qual se adota uma nova orientação estratégica para a atuação política do partido, ampliando o seu leque e alianças e o horizonte político. É nesse marco que Sodré reúne elementos político-teóricos de membros do PCB para seguir em sua formulação de uma teoria do Brasil.

No que toca ao segundo ponto, é conhecida a polêmica instaurada entre ele e Caio Prado Jr. sobre o caráter da formação social brasileira; enquanto o primeiro analisa o processo de colonização sobre o prisma da coexistência de um escravismo e de elementos de regressão feudal em algumas áreas específicas do território brasileiro, o segundo afirma o caráter capitalista mercantil do Brasil desde a sua colonização.

Dessas longas polêmicas, deve-se ressaltar a postura de Nelson Werneck Sodré que, sem nunca abandonar suas convicções político-teóricas, sempre buscou apreender as críticas que recebia e incorporá- las à sua teoria. Não cabe aqui a discussão do acerto ou não de sua teoria do Brasil, entretanto, a compreensão de seu pensamento é de fundamental importância para todos aqueles que buscam entender a realidade brasileira em seus diversos aspectos com o intuito de transformá-la.

Centenário

Por muito tempo Nelson Werneck Sodré sofreu grande isolamento por parte de vários setores da academia. Ele era injustamente considerado por muitos como um marxista mecanicista e ortodoxo. Esse isolamento começa a se romper em finais da década de 1980. Desde 2009 há um esforço de re-edição de suas principais obras e um reavivamento de seu pensamento dentro da universidade e sua divulgação para além dela.

Em 2011, ocorreram várias atividades em comemoração ao centenário de Sodré em universidades, centros culturais etc. No Rio de Janeiro, o Instituto Casa Grande, juntamente com a Escola Nacional Florestan Fernandes – nos marcos de comemoração dos 45 anos do Teatro Oi Casa Grande –, realizou duas sessões de debate sobre a vida e a obra de Nelson Werneck Sodré, sendo que uma delas contou com a presença da filha e curadora de sua obra, Olga Sodré, e a outra com intelectuais comunistas próximos, como Marly Vianna, Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Netto.

Marly Vianna ressaltou a influência do PCB no pensamento de Sodré e a preocupação que ele nutria com relação à compreensão da história para a transformação social. Segundo Carlos Nelson Coutinho, Sodré – assim como Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes – elabora uma imagem marxista do Brasil, ou seja, busca compreender a formação social brasileira com uma visão global, extrai raízes de nosso passado para contribuir na compreensão do futuro em seus vários aspectos que a compõem. Para José Paulo Netto, são inegáveis as transformações ocorridas no Brasil nas últimas décadas do século 20 e na primeira do século 21.

O Brasil interpretado e analisado por Nelson Werneck Sodré certamente não é o mesmo de hoje, entretanto, sem compreendermos o Brasil de meados do século 20, dificilmente conseguiremos compreender nossa realidade hoje.
Miguel Yoshida é mestrando em letras pela Universidade de São Paulo.
GRIFO MEU (PK)
FONTE:http://www.brasildefato.com.br/node/8686

Brasil, produtor e exportador de armas

imagemimagemCrédito: Apublica.org


Por Daniel Santini e Natalia Viana

De maneira pouco transparente, governo incentiva crescimento da indústria nacional de armas e munições. Ênfase é nas armas leves: Brasil é 4º maior exportador mundial. Levantamento inédito do Exército revela que nos últimos 5 anos, exportamos 4,5 milhões de arma!

Uma pequena lata metálica, arranhada e atirada ao chão, gerou o primeiro vexame diplomático brasileiro de 2012. Trata-se de uma lata de gás lacrimogêneo recolhida por ativistas pró-liberdade no Bahrein, no Golfo Pérsico, que estampava na lateral, em azul, a bandeira brasileira e os dizeres “made in Brazil”. (FOTO)

Há um ano o Bahrein tem sido palco de protestos pró-democracia da maioria xiita contra a monarquia sunita comandada pelo rei Hamad Bin Issa al-Khalifa. Os manifestantes têm sido reprimidos pelo exército do Bahrein e de países vizinhos. Pelo menos 35 pessoas morreram e centenas foram feridas.

Segundo os manifestantes, o gás brasileiro está sendo usado para reprimir os manifestantes e teria até causado a morte de bebês. “Há algum tipo de ingrediente que, em alguns casos, leva as pessoas a espumarem pela boca e outros sintomas”, disse a ativista de direitos humanos Zainab al-Khawaja ao jornal O Globo.

Mas, quase um mês depois da denúncia, pouco se sabe como o gás fabricado pela empresa Condor Tecnologias Não Letais foi parar do lado errado da briga.

A empresa, sediada em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, afirma que não exporta para o Bahrein, mas diz que vende para outros países da região, sem identificá-los.

Toda exportação de armas, mesmo não letais, é aprovada pelo Itamaraty e pelo Ministério da Defesa. Mas, uma vez aprovada, o governo não pode fazer muito. O próprio Itamaraty reconhece que não tem poder de investigar: depois do escândalo do Barhein, a assessoria do Itamaraty informou que o ministério está apenas “observando com interesse” o desenrolar da história.

Fica a cargo da empresa averiguar o que aconteceu.

É um contrato entre partes privadas. Pode até envolver um governo estrangeiro, mas a responsabilidade pelo seu produto é da empresa”, diz a assessora de imprensa do Itamaraty. “Os contratos geralmente proíbem a revenda. A Condor está tentando rastrear o seu produto, estamos num diálogo permanente.”

A situação é pior porque não existe legislação internacional para o comércio de armas leves. “No caso de armas não convencionais, a atuação do Itamaraty é mais direta, mas no caso de armas convencionais, não existe um regime internacional para que a gente possa aconselhar em algum sentido”, reconhece.

Nesse contexto, é bem provável que casos como esse aconteçam cada vez mais. Enquanto o comércio de armamentos pesados, como os super tucanos, costuma chamar a atenção da imprensa nacional, é no ramo de armas leves que o Brasil tem uma atuação pungente e crescente no mercado internacional.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o valor das exportações de armas leves triplicou nos últimos cinco anos: foi de US$ 109, 6 milhões em 2005 para US$ 321,6 milhões em 2010 (em 2011, houve um recuo para US$ 293 milhões).

Contando apenas as armas de fogo, a quantidade impressiona. Foram 4.482.874 armas exportadas entre 2005 e 2010, segundo um levantamento inédito do Exército feito a pedido da agência Pública. Ou seja: 2.456 armas por dia.

O Exército se negou a dar detalhes como venda ano a ano, empresas exportadoras e países de destino.

Assim, cabe às ONGs internacionais tentar desvendar os detalhes da exportação brasileira.

Todo ano, o Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra, realiza o Small Arms Trade Survey, o mais respeitado estudo sobre essa indústria. Em 2011, o Brasil foi o 4º maior exportador mundial de armas leves, atrás apenas dos Estados Unidos, Itália e Alemanha.

Contando somente armamentos pesados, somos o 14º, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (SIPRI). Nos dois casos a liderança é dos Estados Unidos, com larga vantagem.

Por trás do crescimento, o apoio do governo

Na sexta-feira, 30 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff enviou ao Congresso uma medida provisória (MP 544) – que deve ser regulamentada nos próximos meses – fixando medidas de fomento à industria nacional de armas, entre elas um regime especial de tributação para o setor que isenta as indústrias de armas do pagamento de IPI, PIS/PASEP e COFINS nas compras governamentais, uma reivindicação histórica da indústria. Também suspende taxação sobre a importação de insumos para a fabricação de produtos de defesa e incentiva a exportação ao permitir cobertura pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE).

Na segunda-feira seguinte, o ministro da Defesa Celso Amorim, acompanhado dos três comandantes das Forças Armadas, participou de um jantar na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FOTOS) junto aos principais fabricantes de armas do país – uma clara sinalização de apoio à produção nacional, política que tem marcado o ministério nos últimos anos.

O antecessor de Amorim, Nelson Jobim (2007-2011), foi um dos principais defensores da “revitalização” da indústria de armas, que vinha em baixa desde o final da década de 80, quando deixou de exportar para o Iraque.

Sob seu ministério, foi promulgada a Estratégia Nacional de Defesa, de 18 de dezembro de 2008, que incluiu o fortalecimento da indústria de armas entre seus objetivos, priorizando a compra de produtos nacionais para as Forças Armadas e comprometendo-se com os incentivos a exportação. “O Estado ajudará a conquistar clientela estrangeira para a indústria nacional de material de defesa”, explicita o documento, que acrescenta:

“A consolidação da União de Nações Sul-Americanas poderá atenuar a tensão entre o requisito da independência em produção de defesa e a necessidade de compensar custo com escala, possibilitando o desenvolvimento da produção de defesa em conjunto com outros países da região”.

O mesmo documento prevê linhas de crédito especial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) “similar às já concedidas para outras atividades”.

O professor Renato Dagnino, do Departamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP, que analisou o documento conclui: “a Estratégia Nacional de Defesa acata as principais reivindicações do lobby pela revitalização da indústria”.

E o lobby quer mais. O Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria de Defesa (Comdefesa), organizado pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), pleiteia através de seus diretores uma cota fixa e inalterável de 3,5% do PIB para investimentos no setor. Alguns representantes pedem que uma parte dos royaltes d

to pré-sal sejam destinados ao setor de defesa.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa informou através da sua assessoria que “tem feito gestões a entidades de fomento, como BNDES e FINEP, com o intuito de disponibilizar financiamento para empresas que se enquadram na chamada indústria de defesa”.

O BNDES informa que entre 2009 e 2011, fez empréstimos no valor de R$ 71 milhões para empresas do setor. A maior beneficiária foi a CBC – Companhia Brasileira de Cartuchos, seguida pela Forjas Taurus SA. Clique aqui para ver a tabela.

No mesmo período, A APEX – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, atuou para “aumentar a exportação de materiais de defesa e segurança e a quantidade de empresas exportadoras”, segundo sua assessoria, promovendo a participação da industria brasileira em feiras como a Latin America Defence & Security, a maior e mais importante feira do setor de defesa e segurança da América Latina.

Com esse apoio, tais empresas estão agora brigando pela conquista de novos mercados, principalmente na África e Ásia. Como no caso da Condor, que se nega a divulgar para quais países vende, pouco se sabe sobre o destino dos armamentos fabricados no Brasil e não há nenhum debate público sobre isso. A regra, nesta indústria, é a falta de transparência.

Falta de transparência: preocupação nacional e internacional

Não existe nenhuma estimativa oficial sobre a produção de armas leves no Brasil. A indústria se recusa a afirmar quanto produz, e – diferente de outros países – não há nenhum banco de dados do governo a esse respeito.

Quando se trata de comércio internacional, a transparência é ainda menor.

A Pública procurou o Exército, que forneceu dados gerais mas não quis dar detalhes.

Desde outubro de 2010, existe um departamento que monitora as vendas para o exterior, o Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados de Exportação de Produtos de Defesa (SGEPRODE). Os dados nunca foram disponibilizados ao público.

Nos dias posteriores ao escândalo no Bahrein, chegou a se ventilar na imprensa que o Ministério da Defesa teria um projeto de lei para um banco de dados públicos sobre aquisições e vendas de armamentos.

Mas, procurado pela Pública, o Ministério negou veementemente qualquer plano nesse sentido.

“O Ministério da Defesa desconhece o envio da legislação citada na matéria do jornal Folha de S. Paulo”, disse, por meio de nota. “A regulamentação da MP 544 prevê a elaboração de um cadastro de empresas. No entanto, ainda não está definido o formato em que se dará a divulgação dessa informação”.

O Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra tem um “barômetro” da transparência para avaliar as informações fornecidas por grandes atores globais no mercado de armas leves. Brasil nunca se saiu muito bem. Desde 2001, tem sido um dos piores avaliados entre os principais exportadores, perdendo apenas para a Rússia e a China.

No último estudo, de 2011, o país é o 38º colocado numa lista de 50 países. O problema, segundo os pesquisadores, é que o Brasil não envia dados para um instrumento chamado UN Register, que registra a transferência de armas leves.

O Brasil não publica nenhum relatório anual sobre exportação de armas e geralmente relata ao UN Register que houve ‘zero’ exportações de armas leves”, diz um relatóriopublicado em junho de 2010. “Os dados da alfândega não informam quantas licenças foram expedidas e quantas foram recusadas (…) no nível regional, o Brasil é o menos transparente”.

Além disso, diz o instituto, há evidências de que o Brasil registra “sistematicamente” de maneira errônea as exportações de revólveres e pistolas, como sendo “armas de caça”, o que gera confusão.

“Nós inferimos que o Brasil quer manter alguns segredos, porque fazer isso seria benéfico para as empresas. Mas a conseqüência é que se sabe menos do que devíamos sobre o que o Brasil está fazendo”, diz o pesquisador Nicholas Marsh, da Iniciativa Norueguesa em Transferência de Armas Leves.

Muitas vezes o Small Arms Survey tem que usar dados declarados pelos importadores para realizar sua avaliação anual. Os resultados muitas vezes são superiores aos declarados pelo Ministério do Desenvolvimento.

Em 2007, por exemplo, o relatório estimou as vendas de armas leves brasileiras em 234 milhões de dólares, enquanto o MDIC estima que tenha sido de 201 milhões. Em 2008, o valor do Small Arms Survey é de 273 milhões, enquanto o MDIC estima que tenha sido 260 milhões de dólares.

Como não existe legislação ou um órgão internacional que monitore esse comércio, não há uma base de dados mundial, e nenhum país é obrigado a reportar-se a ninguém. Os dados do UN Register são enviados de maneira voluntária.

“Isso significa que há grandes fluxos de armas acontecendo no mundo, e ninguém sabe disso. Assim as armas acabam indo parar em lugares onde não deviam”, diz Nicholas Marsh. “O pior é que armas duram muito. Se é bem cuidado, um revólver pode durar cem anos. Na Líbia, no começo dos conflitos, havia gente carregando armas da Segunda Guerra”.

Leia a parte 2: Empresas de armas miram África e Ásia para ampliar exportações

Leia a parte 3: Em cinco anos, 4,5 milhões de armas nas ruas

Leia a parte 4: A bancada da bala

Todas as nossas reportagens podem ser livremente republicadas. Leia as normas aqui: http://apublica.org/2012/01/brasil-produtor-exportador-de-armas/

sábado, 28 de janeiro de 2012

Petrópolis, Teresópolis, Friburgo, Morro do Bumba, Três Vendas, Pinheirinho, V Distrito de SJB...desabamento na 13 de maio.

Do Blog Planície Lamacenta..

Tantos lugares distintos, e um só destino: Sucumbirem como resultado da omissão/ação dos interesses políticos e do capital privado, que avançam sobre a urbe como uma avalanche desordenada.

Há na história fundiária rural e urbana brasileira uma perigosa mistura, que se revela fatal de tempos em tempos: Quer sejam encostas ocupadas por leniência populista e especulação imobiliária, quer sejam a completa ausência de planejamento urbano(esta também uma escolha de gestão, e não mero acidente)ou a incorporação de empreendimentos de larga escala e impacto nas paisagens das cidades e zonas rurais.

Para onde quer que se olhe, embora os cínicos reivindiquem a palavra "fatalidade", para os dramas precipitados por forças naturais, ou a inevitabilidade "do progresso", como se este trouxesse bem estar a todos, o que temos é um enorme prejuízo sócio-econômico, na medida que é o Erário que arca com as conseqüências dessas decisões em manter as cidades e as zonas rurais como alvos do apetite dos grupos econômicos e políticos.

No blog do Roberto Moraes você pode ler aqui o que o mineroduto que alimentará o super-porto do senhor X está causando na cidade mineira onde se instalou.

Não esqueça que todas as tragédias que presenciamos, com certeza, um dia começou com a seguinte pergunta:

"Será que podemos fazer isso sem causar um acidente ou impacto grande na vida dos outros?".

Bom, os donos da empresa e quem fez as obras ilegais no prédio que desabou no Rio devem ter respondido: "Qual nada, a empresa gera empregos e precisa expandir".

É mais ou menos a mesma resposta que gestores públicos e empresários quando decidem fatiar os morros e as planícies.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Solidáriedade à ocupação do Pinheirinho



- [Carlos Latuff]

Este texto é um desabafo. Não pretendo que seja uma análise aprofundada. Outros artigos estão sendo escritos com esse propósito, por gente bem mais capacitada que eu. Expresso aqui a revolta que contamina meu coração desde domingo passado, quando acordei com a notícia de que os milhares de moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos, estavam sendo desalojados.

Estive lá na semana passada, numa visita de solidariedade àquelas pessoas que estavam na iminência de serem despejadas de um terreno que ocupavam desde 2004. A juíza Márcia Faria Mathey Loureiro, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, assinou a reintegração de posse (pomposo termo jurídico para despejo) em favor do senhor Naji Robert Nahas, notório especulador cujo nome aparece nas manchetes de jornal associado a crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas.

Foram muitos os esforços para tentar deter o despejo, de advogados que se voluntariaram a ajudar os moradores do Pinheirinho, até sindicalistas, militantes de partidos de esquerda, movimento dos sem-teto, dos sem-terra, parlamentares, artistas como o rapper Emicida. Formou-se uma verdadeira rede de apoio, como há muito eu não via. Fiz questão de visitar o Pinheirinho porque queria fazer mais por aqueles moradores do que simplesmente desenhar charges. Fiz questão tambem de registrar imagens da ocupação, sempre mostrada pela imprensa como um acampamento de rebeldes que armados de paus e pedras se recusavam a acatar pacificamente uma ordem judicial.

O que encontrei não foi surpresa. Estive em visita a ocupações urbanas e rurais por algumas vezes na vida. Os moradores do Pinheirinho me lembravam os camponeses que conheci em Rondônia e no Paraguai. Aqueles olhares, os sorrisos de boas vindas e os pés descalços, gente humilde, de poucos recursos mas de muita coragem, que precisa de terra pra viver, e não para a especulação imobiliária. No Pinheirinho conheci uma família que saiu do interior da Bahia, onde sobreviviam do que conseguiam achar num lixão, e que construíram uma vida nova a custa de muito trabalho. O pai catando materiais recicláveis, a mãe vendendo secos e molhados em casa e a filha fazendo fraldas descartáveis. Tenho até hoje o papelzinho com o preço das fraldas. Conheci também o seu Jaime, um paranaense que veio com a família, e que me mostrou orgulhoso a horta que cuidou com tanto carinho, incluindo os pés de café que trouxe do Paraná. Visitei a Pamela e sua filhinha de 30 dias, e vi seu quintal, todo decorado pelo seu companheiro com brinquedos coloridos.
Vi crianças jogando bola, brincando no chão de terra enlameado depois da chuva, vi a jovem mãe levando seu filho no carrinho, tentando desviar das poças de lama. Com um celular ia compartilhando estas imagens com os internautas. Queria que todos vissem de que se tratava de gente, de carne, osso e alma, e não apenas figuras sem nome no noticiário da TV. Por esse exercício de humanidade não passam os que usam suas canetas de ouro para assinar ordens de despejo, nem tão pouco os policiais que as cumprem.

É comum a gente imaginar que por trás dessas decisões judiciais estejam figuras engravatadas que tem prazer em desalojar famílias pobres, que acham graça, riem, fazem piada, como vilões de filmes ou histórias em quadrinhos. Cheguei a conclusão de que não é bem assim. O despejo dos 9000 residentes daquele terreno foi uma ação burocrática, desprovida de sentimento. Fora os policiais militares, esses sim, que tem prazer em seu ofício brutal, os burocratas sequer tem contato com as vidas que destroem. As famílias do Pinheirinho são apenas obstáculos a serem removidos. Quando faço charges associando tais ações ao nazismo é porque identifico nelas a mesma ausência de humanidade. Penso em Adolf Eichmann e a tranquilidade com que descrevia o processo pelo qual deportou milhares para campos de concentração. Aquilo era para ele tão somente um ato administrativo. Nem a juíza Márcia Faria, nem Naji Nahas, nem o prefeito de São José dos Campos Eduardo Cury ou o governador de São Paulo Geraldo Alckmin se dispuseram a visitar a ocupação, já que seus moradores não são ninguém, não são nada além de um estorvo, um obstáculo ao império da ordem e da indústria imobiliária. Milhares de almas jogadas na rua, sem qualquer remorso ou compaixão, em favor de alguem que, diferente dos moradores do Pinheirinho, não precisa trabalhar para viver, sustenta-se através da falcatrua, da corrupção, das amizades influentes. Os moradores ficaram sem lar, mas os que os despejaram, voltaram para o conforto de suas casas.

Quem vai se lembrar daquela gente quando, no terreno onde antes havia o Pinheirinho, for construído um mega shopping center? Quem sabe o novo empreeendimento seja batizado como "Pinheirinho Mall" ou talvez a palavra Pinheirinho nem seja mais usada pela administração municipal, na tentativa de apagar de vez a memória do que antes foi uma ocupação. Mas como diz o ditado popular, "quem bate esquece, quem apanha lembra".

Fonte: Diário Liberdade

Um outro mundo é possível... e necessário: O Socialismo!!!

imagemCrédito: UJC


“Na luta de classes

todas as armas são boas

pedras

noites

poemas”

Paulo Leminski

A União da Juventude Comunista (UJC), Juventude do Partido Comunista Brasileiro (PCB) saúda os participantes do Fórum Social Mundial Temático 2012 e propõe debates necessários na construção de mudanças estruturais na sociedade vigente.

Mais uma vez, o Brasil se torna centro de diversos movimentos, entidades e partidos do campo popular de todo o mundo. Estudantes, trabalhadores urbanos e do campo, sem terras, indígenas, negros, mulheres, dentre outros, se unem em um grande evento mundial para denunciar as mazelas produzidas por aqueles que detêm o poder econômico e político.

Vivemos uma conjuntura de crise do capitalismo, porém já há algum tempo o FSM - Fórum Social Mundial deixou de lado sua artilharia contra o modo de produção vigente, ao propor como solução para os crescentes problemas sociais, econômicos e ambientais que afligem a humanidade, um pacto por um capitalismo mais humanizado e sustentável. O capitalismo, para nós Comunistas, hoje, entra em choque com as demandas mais básicas para as necessidades humanas como moradia, saúde, educação, ou seja, é impossível humanizar o capitalismo!!!

A estrutura atual do Fórum Social Mundial é descentralizada, mas quem “dá as cartas” são as ONGs e os grupos social-democratas que dirigem os espaços de organização e debate do Fórum, negando a importância de partidos e organizações revolucionárias, assim como de espaços deliberativos que confrontem a ordem. Entre avisos e faixas de que “Outro Mundo é Possível", não se permite dizer o nome deste outro mundo, nem tão pouco falar em superação do capitalismo, mas falar em igualdade, distribuição mais justa, protagonismo, tudo isso se ouve aos montes. Da Fundação Ford até o Instituto Luis Eduardo Magalhães, a ABRINQ e a ABONG todos estão comprometidos com a integração de culturas, a defesa da Amazônia e com um futuro melhor. Mas que futuro é esse? Com certeza o outro mundo possível e necessário para os trabalhadores não é o mesmo destas organizações e sujeitos que vivem da exploração do trabalho.

Porém, mesmo no clima de dispersão montado por sua organização, o Fórum pode ser válido na articulação de organizações, entidades e pessoas inseridas na luta popular anticapitalista. Para nós comunistas, as lutas pelas necessidades básicas para os trabalhadores como a luta contra as privatizações da saúde e educação, pelo direito a moradia, ao transporte público e barato, pela soberania e paz entre os povos, são lutas que entram em choque com a própria necessidade de expansão dos lucros e interesses dos capitalistas. Por isso, propomos que neste Fórum consigamos articular experiências e lutas concretas que possibilitem edificarmos uma frente política e unitária anticapitalista e anti-imperialista.

No campo da saúde, precisamos fortalecer a unidade de luta e proposição da frente nacional contra a privatização da saúde. Lutar contra a privatização da saúde também representa colocar na ordem do dia a luta por um SUS público, estatal e de alta qualidade. Para a educação, em particular nas universidades, nós da UJC destacamos a necessidade de durante o FSM pensar um projeto de universidade alternativo ao projeto do capital. O projeto hegemônico para a universidade brasileira é global e dinâmico, é nossa tarefa questioná-lo e contrapô-lo, o que exige que trabalhemos não somente a partir de ações pontuais e reativas a seus avanços, mas principalmente a partir da formulação de um projeto alternativo igualmente global. Desta forma, a discussão em torno de uma educação e universidade popular se revela muito mais do que uma oposição às reformas universitárias atuais, visto que se insere na reflexão ativa sobre um outro projeto de sociedade, a ser protagonizado por todos os setores explorados e oprimidos pela sociabilidade vigente.

O chamado à luta popular é uma tarefa árdua e deve ser tratada de maneira criativa valorizando experiências locais ligadas a um projeto global de superação do capitalismo. É neste sentido que convidamos as organizações, entidades e indivíduos a realizar e apoiar atividades paralelas que evidenciem o caráter predatório do capitalismo em crise, a luta anti-capitalista dos povos, na Grécia, em toda Europa e no Oriente, e também a lógica elitista do governo brasileiro de Dilma (PT), que se coloca a serviço da classe dominante, quando beneficia setores do agronegócio, da especulação financeira e do empresariado em detrimento dos trabalhadores.

E não nos furtamos de chamar a atenção de que a humanidade pode caminhar para dois rumos opostos: o Socialismo ou a Barbárie! Por isso afirmamos que um outro mundo é possível... e necessário: o mundo socialista!!!

União da Juventude Comunista

“A paz virá pela pressão das lutas sociais”

– Entrevista com Carlos Lozano Guillén

imagemCrédito: PCB


Por Ana Carolina Ramos e Silva

Carlos Lozano Guillén é uma das principais referências sobre o conflito armado na Colômbia. É diretor do periódico Voz, órgão do Partido Comunista Colombiano e membro do Comitê Executivo Central do Partido. É autor de diversos livros tais como: Las huellas de la esperanza (1997), ¿Cómo hacer la paz? Reflexiones desde una posición de izquierda (1999), Reportajes desde el Caguán (2001), El marxismo: ideología en construcción (2004), Medios, sociedad y conflicto (2005), Guerra o paz en Colombia: 50 años de un conflicto sin solución (2006).

AC: Com a morte de Alfonso Cano, comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP), em 4 de novembro de 2011, ainda há espaço para diálogo entre a guerrilha e o Estado?

CL: Evidentemente, a morte de Alfonso Cano é um golpe para a paz na Colômbia e de alguma maneira aumenta, diria eu, a desconfiança da guerrilha em relação ao governo, pois ao mesmo tempo em que vinha enviando mensagens às FARC-EP para ver se era possível abrir um cenário de diálogo e de paz, o governo estava preparando o operativo para matar Alfonso Cano. Então claro, em uma guerra, em um conflito, em um enfrentamento e em uma confrontação armada permanente como há na Colômbia, qualquer coisa pode acontecer. Mas, de todas as maneiras, não faz muito sentido que o governo, ao mesmo tempo em que enviava mensagens com supostos convites para dialogar, estivesse preparando um golpe tão forte às FARC-EP como no caso de Alfonso Cano. Desse ponto de vista, me parece que há um aumento da desconfiança, o que afeta a possibilidade de diálogo, ainda que isso não elimine a possibilidade de abrir um espaço de negociação. Creio que em um conflito tão degradado como o que existe na Colômbia, os atos atrozes em meio à guerra, por piores que sejam, não podem implicar no abandono da possibilidade do diálogo e da negociação, se é que realmente tanto as FARC-EP como o Estado estão interessados em uma solução política e pacífica do conflito.

AC: Qual seria o ponto de partida para se avançar no processo de solução do conflito armado colombiano?

CL: Creio que hoje, numa situação de aumento da confrontação, da desconfiança recíproca e da dificuldade de uma eventual aproximação entre as duas partes, o processo de paz e o diálogo deveriam ser iniciados por uma trégua bilateral, com a suspensão do confronto, ou seja, um cessar fogo de tal maneira que um diálogo se faça em condições propícias de paz e não em meio aos atos de conflito.

AC: Esta situação de cessar fogo foi possível na Colômbia, por exemplo, com os acordos de paz de La Uribe em 1982, no entanto a paz ainda não foi alcançada. Por quê?

Em La Uribe, houve um cessar fogo, uma trégua que durou um ano, ou mais de um ano, mas na prática este processo não funcionou porque apesar da trégua, o governo de alguma maneira não impediu a ação dos grupos paramilitares que começaram a exterminar a esquerda e, sobretudo, a União Patriótica, que era um projeto político da guerrilha em um processo de paz exitoso. Seria esse o cenário político da guerrilha. O paramilitarismo o liquidou, o destruiu, com a cumplicidade do governo, ou pelo menos com seu silencio impune, além da cumplicidade demonstrada pelos altos mandos militares e pela inteligência militar que participou deste extermínio. Então é evidente que essa parte da história também repercute negativamente no que tange à desconfiança da guerrilha a um eventual processo de trégua, de cessar fogo. Mas, se nos ativermos à realidade de hoje, ou seja, aos atos atrozes cometidos em meio ao conflito, se faz necessária uma medida que diminua sua intensidade. Nisso podia ajudar um cessar fogo, uma trégua, com mecanismos de construção, de suporte, de ajuda, sobretudo da comunidade internacional, para que essa trégua não se converta em uma forma a mais de atuação de grupos irregulares com a cumplicidade do Estado para conspirarem contra o processo de paz.

AC: Em El Salvador e na Guatemala, por exemplo, a comunidade internacional reconheceu a existência de um conflito armado e os guerrilheiros como atores políticos. Como isso poderia ajudar no caso colombiano? Porque o estado colombiano não reconhece a guerrilha nem tampouco os guerrilheiros como atores políticos?

CL: O governo colombiano se nega a reconhecer o caráter político da guerrilha, dando- lhe tratamento de grupo terrorista. Mesmo que o governo do presidente Santos tenha reconhecido o conflito, há uma forte contradição, porque Santos reconhece o conflito, o qual tem por consequência uma natureza política, econômica e social, mas não reconhece o caráter político da guerrilha. Isto é algo absurdo, não tem lógica. Mas, para poder estimular a saída política ao conflito colombiano nas condições em que se encontra atualmente, é necessária a geração de um cenário de diálogo em que se reconheça o caráter político da guerrilha, pois o estatuto de beligerância adotado pelo governo não deve ser condição para um processo de diálogo de fato. Assim, ao sentar-se em uma mesa de negociação com a guerrilha se reconhece seu caráter político e seu status de ator político. Então digamos que cada momento no processo de paz tem seu afã, sua característica e deve começar assim, a qualquer momento o Estado, o governo terá que reconhecer esse caráter político, caso queira chegar a acordos exitosos de paz.

AC: O fato de não reconhecê-los como atores políticos implica que o Estado tem toda a legitimidade para matar os guerrilheiros?

CL: Claro, para não cumprir com o Direito Internacional Humanitário, esse é o problema. O fato do governo não reconhecer o caráter político da guerrilha é muito complexo, porque não há um princípio de distinção entre combatentes e não combatentes. Em um processo de negociação há muitos amigos da guerrilha que não são militantes ou membros da guerrilha, mas buscam ajudar e estimular a saída política ao conflito. Como estabelecer essa diferença entre quem é combatente e quem não é se não há um reconhecimento político? Se o governo, sob o pretexto de que está lidando com terroristas, não respeita e não acata o Direito Internacional Humanitário? Quando se parte desse critério, todos os que são simpatizantes ou amigos desse grupo guerrilheiro são tidos como terroristas, até os que estão desarmados. Isso não contribui para o processo de paz. Aqui é importante frisar que o governo afirma que somente se sentará em uma mesa de negociação com a guerrilha se esta der mostras de compromisso e sinais muito evidentes de que quer a paz. Até aí tudo bem, mas o problema é que o Estado, o governo não mostra a mesma disposição, pois um primeiro passo nesse sentido seria o de reconhecer o caráter político da guerrilha, respeitar o Direito Internacional Humanitário, não tratar os guerrilheiros como delinquentes comuns, como terroristas ou narcotraficantes. Essa é a linguagem que o Estado utiliza para qualificar a guerrilha. Assim, se realmente querem uma saída política, pacífica e democrática ao conflito, tanto a guerrilha como o Estado devem dar sinais de vontade e de compromisso com a paz, o que não pode vir apenas de uma parte, mas de ambas.

AC: Ao longo do conflito, as FARC-EP libertaram unilateralmente cerca de 300 presos políticos e inclusive iriam libertar os militares e policiais mortos recentemente após uma tentativa fracassada do exército colombiano de libertá-los. Pode-se dizer que a guerrilha tem demonstrado sua vontade política de realizar um intercâmbio humanitário. Por que o Estado ainda se nega a realizar este intercâmbio?

CL: Isso é o que se exige do governo. A guerrilha tem dado mostras suficientes de disposição para facilitar acordos humanitários. Libertou unilateralmente a grande maioria de pessoas que estavam em seu poder. Alguns poucos foram libertados por meio de operações militares que não produziram a morte dos retidos. Neste caso o governo não dá espaço para que se concretizem esses acordos humanitários. Isso é o que reivindicamos. Como disse a prefeita de Bogotá, Clara López Obregón, é inacreditável que no Oriente Médio, Israel e Palestina, inimigos em permanente confrontação, cheguem a acordos humanitários para libertar os capturados de um e outro lado. Por exemplo, a última libertação foi de um soldado de Israel por mil e cem presos políticos da Palestina. Algo, inclusive, desproporcional e isso no caso de Palestina e Israel, dois inimigos declarados. Por que na Colômbia, ao contrário, isso não ocorre? O atual governo não quer nenhum tipo de negociação, precisamente por uma razão, porque a oligarquia colombiana, ou seja, o poder dominante na Colômbia, realmente não está interessada em uma negociação que traga mudanças ao país. Um processo de democratização da vida nacional é condição fundamental para que haja paz na Colômbia. No entanto, esta mesma oligarquia não está disposta a isso, ao contrário, acredita que o país está bem, pois uma democracia precária que sacrifica as condições de vida da população é o que permite à oligarquia colombiana governar da forma violenta como está governando, o que favorece a manutenção de um poder político e econômico muito forte em detrimento da melhoria das condições sociais do país. Então o programa do governo, do Estado, não é a negociação, mas a chamada “paz dos sepulcros”, a pax romana, a submissão da guerrilha. Por isso a ideia do governo e das oligarquias sempre foi atacar com força a guerrilha e debilitá-la pela via militar para levá-la a uma mesa de negociação, mas para negociar a rendição e não as causas que originaram o conflito. Esse foi o modelo que fracassou, por isso o conflito se prolonga de maneira indefinida, pois o governo não aceita outra coisa. Neste ano, o presidente Santos disse muitas vezes: “ou se rendem ou os matamos”. A rendição é a entrega, é levá-los a uma mesa de negociação e dizer-lhes: “venham, negociamos a entrega e oferecemos algumas condições para que o rigor da lei não recaia tão fortemente sobre vocês”. Por exemplo, em lugar de quarenta anos de cárcere podem ser dez ou algo assim, como se a guerrilha existisse na Colômbia como fenômeno delinquencial. Essa é uma forma reduzida, limitada de ver o conflito colombiano. A oligarquia e o governo crêem que esta é a solução e por isso fracassaram e seguirão fracassando enquanto essa for a estratégia de governo.

AC: Nesse sentido, qual o papel dos meios de comunicação na Colômbia para que as pessoas pensem que a guerrilha é um fenômeno delinquencial? É provável que a maioria da população colombiana apóie os governos de Uribe e Santos por essa razão. Uribe, por exemplo, terminou seu primeiro mandato com 70% de aprovação.

CL: Sim, o papel dos grandes meios de comunicação é muito negativo. Os meios de comunicação na Colômbia estão estreitamente ligados aos fatores de poder, aos poderes fáticos. Os meios de comunicação pertencem aos grupos econômicos. Os donos da indústria, do comércio, dos serviços, dos principais meios da economia nacional, são ao mesmo tempo os donos dos meios de comunicação. É uma grande oligarquia que domina toda a superestrutura de poder tendo por base os grandes meios de comunicação. Os que não pertencem a esses grupos pertencem ao monopólio das comunicações transnacionais, sobretudo grupos espanhóis e mexicanos, que investiram bastante na Colômbia. A missão deles, dos grandes meios de comunicação, é criar opinião pública. Alfonso Cano dizia que não apenas na Colômbia, mas no mundo, não há opinião pública, ela é fabricada pelos meios de comunicação, por meio de pesquisas de opinião e de todas essas estratégias de marketing publicitário e social. Este tem sido um papel nefasto dos meios de comunicação. Agora, depois da situação que se sucedeu pelos lamentáveis fatos em que morreram os policiais e os militares que estavam no poder das FARC-EP e que iam ser libertados, os grandes meios de comunicação, entre outras coisas, estimularam uma situação de ódio, de guerra, de confrontação muito forte, ao ponto em que estão organizando uma marcha para 6 de dezembro que se acreditava que era uma marcha pelo diálogo, de rechaço ao sequestro, mas a converteram em uma marcha de ódio contra as FARC-EP, a qual vai gerar um estado de histeria coletiva para alimentar e estimular a guerra, em um momento em que o governo está destinando mais recursos à ela - acaba de autorizar 7.2 bilhões de pesos colombianos para operações militares. Então o papel dos meios de comunicação tem sido o de criar um estado de ânimo muito adverso para um país com ambiente viciado em ameaça, ódio e retaliação por meio de grupos que manipulam esses meios de comunicação. Abre-se então espaço para que pessoas realmente muito desonestas escrevam ameaçando e insultando aqueles que não pensam como eles. Assim, esses meios de comunicação prestam pouco serviço à democracia, ao pluralismo, à confrontação livre das idéias. Ao contrário, tratam de criar uma unanimidade ao redor da elite governante para que perpetuem o poder que há na Colômbia sob o domínio da oligarquia e dos mais poderosos.

AC: Como o senhor mencionou, o governo tem muitos gastos com operações militares. Isso tem interferido nas políticas de Estado em relação à saúde, educação etc?

CL: A Colômbia está gastando com a guerra mais de 30% do orçamento nacional e de tempos em tempos aumenta esse valor, como acabou de fazer por meio da remessa de dinheiro que o governo direcionou para a Força Pública: 7.2 bilhões de pesos adicionais ao que estava previsto no orçamento para a criação de novos batalhões, compra de mais armamentos e tecnologia para trabalhos de inteligência. Assim, é paradoxal que esse gasto excessivo, cujo dado mais recente aponta que equivale a 8% do PIB, seja superior ao gasto com saúde e educação juntos. O anúncio deste investimento ocorre justamente em um momento difícil do ponto de vista social para o país, em meio a um protesto estudantil contrário à privatização da educação, em que os estudantes de maneira massiva estão exigindo que o Estado colombiano destine os recursos necessários para que a Universidade Pública possa funcionar como uma Universidade de portas abertas para os setores de menor renda no país. Então, como entender isso? Como entender que o governo diga que não há recursos diante de uma crise tão forte na saúde pública, a qual ameaça a prestação de serviços aos setores mais necessitados e vulneráveis do país? Como se entrega tamanha quantidade de dinheiro à guerra, para matar outros colombianos? Evidentemente, esse alto orçamento da guerra está afetando o investimento no social, e entre outras coisas, se converteu em um problema de governo, pois na medida em que não somente a saúde e a educação, mas também outros planos sociais do governo comecem a colapsar, porque não há orçamento para atendê-los, será necessário congelar todo o gasto com a guerra para se empregar recursos para a satisfação das necessidades sociais do país. Esta será a maneira de impedir uma explosão social, um colapso social, um protesto social. Isso é muito importante frisar, porque nós da esquerda dizemos sempre que a paz vai terminar se impondo pela pressão das lutas sociais, da luta popular. Na medida em que o povo colombiano veja, registre com clareza que os vultosos gastos com a guerra impedem os investimentos na área social, nesse momento, a guerra começará a ser detestada pelos colombianos e outro caminho irá se impor.

Com a aprovação do Tratado de Livre Comércio (TLC) produtos norte-americanos chegarão e por meio do famoso dumping, com o respaldo de parte do governo dos EUA, haverá uma concorrência desleal com os produtos colombianos. Desta forma, os setores da oligarquia colombiana terão que recorrer aos subsídios do Estado colombiano para poderem sobreviver frente a esta arremetida. Na medida em que a oligarquia colombiana necessitar de respaldo aos seus produtos para poder competir com os produtos norte-americanos a situação vai se complicar, pois o governo colombiano nada poderá fazer, porque não tem recursos devido aos grandes gastos com a guerra. Não podemos nos esquecer que o processo de paz durante o governo do presidente Andrés Pastrana em 1998 foi respaldado por setores da oligarquia que enfrentavam graves problemas econômicos em meio a uma crise financeira muito forte no país. A oligarquia entendeu que se não recorresse ao caminho da paz dialogada o governo teria que investir muitos dos recursos que eles necessitavam como classe oligárquica dominante, na guerra. Assim, o sistema financeiro se recapitalizou graças ao dinheiro empregado pelo governo de Andrés Pastrana. Portanto, estas crises sociais às vezes ajudam desta forma. Eu não sou amigo de entender as crises sociais como fator para que haja consciência de lutas sociais, mas nesses casos jogam um papel positivo na medida em que a crise social faz os setores populares entenderem e também a própria oligarquia que é melhor seguir o caminho da paz dialogada do que persistir em uma guerra que prolonga de maneira indefinida a confrontação e a recessão econômica.

AC: O jornalista Joaquín Pérez Becerra foi preso na Venezuela e extraditado para a Colômbia. Neste caso, qual tem sido a posição do presidente Chávez e do governo venezuelano em relação ao conflito armado na Colômbia e às FARC-EP?

CL: Eu sempre digo que é compreensível que o governo venezuelano e o governo colombiano façam um esforço para melhorar suas relações e para terem boas relações de amizade e cooperação. Colômbia e Venezuela não são somente países irmãos, como se diz retoricamente, são dois países fronteiriços, com uma extensa fronteira e com áreas comuns inclusive, o que requer que ambos trabalhem harmonicamente, de maneira unitária na solução de problemas que nos afetam. Uma boa relação comercial entre os dois países barateia os custos para ambos em matéria de exportação e importação, na medida em que a Venezuela pode satisfazer necessidades dos colombianos e a Colômbia pode satisfazer necessidades dos venezuelanos. Não me oponho que haja uma boa relação. O problema é que neste momento há opiniões contraditórias do ponto de vista dos projetos programáticos da revolução bolivariana e dos projetos programáticos do governo colombiano. Enquanto a Colômbia favorece os interesses do imperialismo norte-americano, das transnacionais e é defensora da política neoliberal, a Venezuela vai na contramão disso, está contra o neoliberalismo, contra a dependência aos EUA. Desse ponto de vista há diversas formas de enxergar as coisas. O problema é quando a Venezuela, seguramente para manter esta colaboração na diversidade, vai além disso, perseguindo revolucionários colombianos, capturando-os para entregá-los ao governo da Colômbia. A Venezuela sabe muito bem, e o presidente Chávez também, que essas pessoas que são entregues ao governo colombiano podem terminar extraditadas aos EUA ou podem também serem assassinadas pela repressão. Aí está o problema. Deve haver um limite, uma fronteira que não deve ser ultrapassada. Uma coisa são as boas relações e outra coisa é simplesmente auspiciar o terrorismo do Estado colombiano e os desaforos de poder que há na Colômbia. Por que, por exemplo, a Colômbia não entrega à Venezuela os esquálidos que vivem no país e que participaram do golpe militar contra Chávez, como é o caso de Pedro Carmon, criminoso que foi processado na Venezuela? No entanto, a Venezuela nunca reclamou à Colômbia que lhe entregasse Pedro Carmon. Essa é a desvantagem. O presidente Chávez tem que ter esse equilíbrio na relação. Uma coisa é a relação comercial, como fizeram agora, em que haverá um gasoduto e que vão intercambiar petróleo e trabalhar conjuntamente. Isso é compreensível, ninguém pode se opor, porque é parte dos interesses comuns entre os dois países. Entendendo a necessidade da boa relação com Venezuela, o presidente Santos muito habilmente melhorou e reconstruiu sua relação com este país: vinculou-se à UNASUL, um projeto de integração latino-americana do qual a Colômbia não compartilha, porque a UNASUL não segue o modelo neoliberal. No entanto, a Colômbia se inseriu na UNASUL a tal ponto, que sua secretária-geral é a colombiana María Emma Mejía. Mas, tudo o que a Colômbia faz vai contra a unidade da UNASUL. A Colômbia negou à Palestina o direito de pertencer às Nações Unidas, direito respaldado por todos os demais países da UNASUL. A Colômbia apoiou a agressão na Líbia, algo que não foi aprovado pela UNASUL. No entanto, a Colômbia se faz presente na secretaria-geral da UNASUL! Esses são os pontos incoerentes. Uma coisa são as relações que deve haver, de boa vizinhança, de boa cooperação, intercâmbio fluído com outros países, mas outra coisa é dar uma instância à Colômbia que ela não tem. Às vezes o presidente Chávez se emociona muito e diz que Santos é seu melhor amigo e o elogia. Isso são coisas desnecessárias, meio teatrais, que não vêm ao caso e, pior ainda, quando para ganhar confiança entregam revolucionários. Isso não podemos aceitar!

AC: Quantos presos políticos existem na Colômbia atualmente? São os grandes desconhecidos do conflito armado?

CL: Os dados são de 7.500 presos políticos, dos quais a maioria são presos civis, não são combatentes da guerrilha. A maioria deles são dirigentes sindicais, populares, camponeses de organizações agrárias e, há pouco tempo relativamente, li em um documento das FARC-EP que eles reconhecem a existência de mais 880 guerrilheiros presos. Claro, imagino que descartaram os guerrilheiros que aceitaram a desmobilização. Suponho que somados os prisioneiros ligados à guerrilha e os que aceitaram a desmobilização o número total chegue a 2000. De onde então vem essa cifra de 7.500? Dos presos civis, dos presos das organizações populares.

AC: Quais são as condições dos cárceres? Os presos são torturados? Sabe-se o que ocorre realmente com os presos políticos?

CL: Digamos que não há tortura como houve no passado, quando aplicavam choques elétricos ou coisas parecidas nos presos políticos. Pode-se dizer que isso não ocorre, ou, se ocorre, são em casos excepcionais. Mas hoje, as condições de cativeiro são desumanas, a alimentação é deficiente, os recursos médicos não existem, enfim, há uma série de situações que produzem, inclusive, vários protestos no sistema carcerário em vários cárceres do país. Assim, poderíamos dizer que as condições dos cárceres na Colômbia evidentemente violam os Direitos Humanos e isso foi reconhecido pela Defensoria do Povo e pelas Nações Unidas.

AC: Há analistas que acentuam diferenças entre Santos e Uribe. Concorda com esta opinião?

CL: Essas diferenças são formais, existem as diferenças entre Uribe e Santos. De um lado, Uribe em sua soberba, em sua maneira autoritária, quer que Santos atue como ele atuava, ou seja, que Santos insulte a todos, que mande executar qualquer tipo de arbitrariedade como Uribe fazia. No entanto, Santos tem um estilo diferente. Essa é a mudança, mas de forma e não de fundo. A política de Uribe é a mesma política de Santos. Santos o disse inclusive, por isso não enfrentou tão fortemente a Uribe. Santos mantém sua contradição, mas trata de levá-la bem, porque ambos têm uma mesma política, estão comprometidos com o mesmo processo de acumulação capitalista. Ambos aplicam o modelo neoliberal. No entanto, em algumas coisas Santos é pior que Uribe. Em matéria neoliberal, por exemplo, Uribe por mais neoliberal que fosse, jamais se atreveu a propor a privatização da Universidade Pública e Santos a está propondo. Então no fundo é o mesmo. Agora o que ocorre e que é importante assinalar é que a base de apoio fundamental de Uribe é diferente da de Santos. A base de apoio a Uribe abrange toda a política oligárquica e a favor dos grandes interesses, mas o círculo que lhe é mais próximo é o círculo mafioso da oligarquia, uma oligarquia degenerada. Nós do periódico Voz utilizamos uma vez um termo que escandalizou os economistas marxistas do país, porque dizíamos que quem apoiava Uribe era uma lumpen-burguesia, e os economistas marxistas discordavam, pois para eles existe lumpen-proletariado, mas não uma lumpen-burguesia. Nós mantivemos esta expressão porque o marxismo afortunadamente não é dogmático, é criativo. Então nós mantivemos a ideia de que há sim uma lumpen-burguesia, mas no fundo é mais que um termo, é a burguesia mafiosa, uma burguesia degenerada. Ao contrário de Uribe, o núcleo mais próximo de Santos é tradicional, aristocrático, incluindo a oligarquia, por isso é um governo mais de centro. Os ministros de Uribe, por exemplo, viviam brigando com os opositores, eram grosseiros com todos. Já os ministros de Santos são mais decentes, mais tolerantes. Mas no fim é o mesmo. São mudanças de forma, não de conteúdo. Então eu não acredito muito nessas diferenças, que entre outras coisas estão servindo de justificativa para que pessoas supostamente de esquerda, ou de centro-esquerda, ingressem no governo. Santos, com seu projeto de Unidade Nacional, tenta manter ao seu redor todo o movimento político e social para não haver oposição. A estratégia é a mesma de Uribe, a diferença é que Uribe o fazia pela força. Dizia: “ou todos comigo, ou todos contra mim. Ou todos comigo, ou os que não estão comigo estão com o terrorismo”. Essa era mais ou menos a ideia de Uribe e quem não estava com ele era perseguido e preso. Isso aconteceu comigo e com tantos outros companheiros e dirigentes no país, inclusive pessoas muito respeitáveis, como Carlos Gaviria. Santos não, ele não faz isso a não ser pela via política. Busca cooptar o movimento sindical, o movimento popular, a oposição, isso é o que chama de Unidade Nacional. Por isso o Polo Democrático Alternativo (PDA) se dividiu, porque havia um setor, ou há um setor, que quer chegar ao governo a qualquer preço. Então essas são as diferenças, mas no fundo é a mesma política de unanimidade, a mesma política antidemocrática de silenciar a oposição. O que Uribe queria fazer pela força, Santos o faz de maneira elegante, delicada.

AC: E a situação do paramilitarismo hoje, como está?

CL: Na Colômbia se utiliza uma expressão: “están vivitos y coleando”. É uma expressão coloquial. Bom, os paramilitares estão aí, nunca acabaram. Uribe inventou o conto de que acabaram para justificar o processo de legitimação do paramilitarismo, que foi um fracasso, pois quando os paramilitares começaram a confessar seus crimes, os mandaram para os EUA extraditados. Mas há paramilitarismo em todas as partes, há toda uma rede de narcotraficantes que estão aí e seguem dando ordens do cárcere. Por exemplo, a família Mancuso a partir dos EUA. Há também a família de Macaco que controla todo o complexo cafeeiro colombiano. Hoje a situação do paramilitarismo no país é ainda mais delicada. Antes, o paramilitarismo era uma força nacional organizada, tinha um centro nacional de direção; hoje não, hoje estão regionalizados, não há uma unidade nacional do paramilitarismo. Os grupos criminosos funcionam uns aqui, outros acolá. Cada um à sua maneira, mas com os mesmos métodos de antes. Como nunca, permeiam a política, como nas eleições locais de 30 de outubro de 2011: nove governadores dos 32 departamentos foram eleitos por pressão do paramilitarismo. Isso quer dizer que há 9 governadores da parapolítica na Colômbia, além de deputados, vereadores e prefeitos. O paramilitarismo é uma realidade, o governo não pode negá-la. O atual governo quer nos inserir em um debate sem sentido, dizendo que isso que ocorre não é paramilitarismo, mas apenas grupos criminosos comuns, que levam um nome elegante, uma sigla elegante, BACRIM (Bandas Criminales). Porém, são paramilitares, assim como todos os capturados que de uma ou outra maneira vêm do processo anterior das autodefesas.

AC: Ainda existem as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC)?

CL: Não com esse nome, mas essas BACRIM, esses grupos criminosos em geral saíram daí. São uma forma de mutação das autodefesas.

AC: Há diferenças de interpretação sobre solução do conflito armado na Colômbia entre o Polo Democrático Alternativo (PDA) e o Partido Comunista Colombiano?

CL: Este tema ainda é polêmico. No Polo, digamos que os setores que não compartilham a ideia da solução política do conflito se foram, aliás, o principal deles, Gustavo Petro, já saiu. Porém, ainda segue a polêmica entre os que ficaram, mesmo que todos compartilhem o ideário de unidade. O ideário de unidade se sintetiza em torno de dois temas: 1) o Polo não aceita o uso das armas como parte da ação política. Nós não defendemos o uso das armas na política. A existência do movimento guerrilheiro na Colômbia tem suas razões. Não existe simplesmente porque querem participar da política com armas, mas há razões políticas, econômicas e sociais para a sua existência. Sobre esse aspecto há consenso entre os que ficaram. O segundo aspecto que todos compartilhamos é que a solução do conflito é política e pacífica, não por meio da guerra. Isto é o que está vigente hoje no Polo e as forças que nele ficaram mais ou menos se identificam com essa ideia. É evidente que há diferentes leituras, pois há companheiros no Polo que pensam como Santos, ou seja, que a essa altura há de se concluir que as FARC e o ELN se desmobilizem e para eles esta é a solução pacífica. Para nós não, tem que ocorrer um processo de negociação e de mudanças. Esse ponto é parte da polêmica que há na esquerda e que seguramente irá permanecer, mas o Polo, em geral, mantém uma ideia muito clara de respaldo ao que está no ideário da unidade desde o começo, o que Petro desconheceu assim como outros setores que procuraram o Polo.

(Resumo desta entrevista foi publicada no jornal Brasil de Fato)