Para legalizar empreendimento, até áreas sem documentação estão sendo compradas
22 de janeiro de 2012 | 3h 09
SERGIO TORRES, ENVIADO ESPECIAL, SÃO JOÃO DA BARRA - O Estado de S.Paulo
Na tentativa de acelerar a desapropriação das terras do futuro Superporto do Açu, em São João da Barra (cidade litorânea no norte fluminense), a LLX, empresa de logística do megaempresário Eike Batista, decidiu comprar todos os terrenos possíveis numa área de 70 quilômetros quadrados destinada ao parque industrial do empreendimento.
Até mesmo as terras cujos supostos proprietários não conseguem comprovar a posse por meio de documentos estão na mira de Eike, incomodado com o impasse criado na região a partir do momento em que anunciou, há quase seis anos, a intenção de construir o porto e um estaleiro.
O bilionário comprou, inicialmente, 100 quilômetros quadrados em um trecho ermo do Açu, no litoral de São João da Barra. Ao requerer do governo do Estado do Rio o licenciamento ambiental, teve de aceitar a contrapartida de manter preservada metade da área, coberta por vegetação de restinga. Assim, passou a ter apenas 50% do espaço inicialmente planejado. O resto das terras que adquiriu virou área de preservação, intocável.
Além do porto projetado para exportação de minério de ferro e apoio à atividade petrolífera na vizinha Bacia de Campos, em desenvolvimento nos próximas décadas por causa de descoberta do pré-sal, Eike vislumbrava para a região um complexo industrial de porte inédito no Brasil.
O estaleiro fabricaria embarcações em grande escala para a exploração offshore. Duas siderúrgicas transformariam o minério em aço quase ao lado do porto, facilitando as exportações. O maior mineroduto do mundo percorreria os 520 km entre o superporto e Conceição do Mato Dentro, cidade mineira em que a Anglo American (um dos maiores conglomerados mineradores do planeta) explora uma importante jazida de ferro.
Indústrias do setor metalomecânico, como o automobilístico, se instalariam no complexo.
Só que, com a restrição ambiental, o megaempresário argumentou com o governador Sérgio Cabral (PMDB) que não teria como concretizar o que planejara. O governador decidiu então desapropriar, numa primeira fase, uma área de 23 quilômetros quadrados, vizinha às terras de Eike. Numa etapa posterior, mais 47 quilômetros quadrados.
Foi quando os problemas surgiram. Nas terras da fase 1, a Companhia de Desenvolvimento do Estado do Rio (Codin)mapeou 151 propriedades rurais. Dessas, só 16 eram habitadas permanentemente; 60 desenvolviam algum tipo de lavoura; as outras 91 eram pastagens naturais, em terreno arenoso e de capim de baixa qualidade.
Os 16 proprietários residentes foram indenizados e reassentados na Vila da Terra, construída pela LLX em área vizinha ao futuro complexo industrial. A empresa de Eike já adquiriu 67 das 151 propriedades, nenhuma delas com a posse comprovada por documentos oficiais.
A aquisição pela iniciativa privada foi o modo encontrado para tentar resolver o problema. Por lei, o Estado não pode indenizar o proprietário que não comprovar ser o dono do terreno desapropriado. "Se fizer isso, o secretário vai em cana", disse o secretário de Desenvolvimento Econômico, Júlio Bueno.
O grupo ítalo-argentino Terniun, que já comprou a área na qual pretende construir uma siderúrgica no Açu, também começa a negociar com os proprietários. A informação de que, por causa do impasse das desapropriações, a siderúrgica corre o risco de não servir para o local foi rechaçada pelo secretário. "Não há risco da Terniun não se instalar. Todo mundo vai ter juízo. São US$ 5 bilhões de investimentos, 4.000 empregos."
Na prática, as companhias passam a ser as posseiras, com a expectativa de, mais adiante, encontrar-se uma solução para o problema fundiário.
"Nessa região nunca houve a preocupação de o dono ter o documento de posse. É tudo feito na base da conversa, passa de pai para filho, as pessoas vendem parte do terreno e não registram. Com a compra pelas empresas, o problema passa a ser delas, que têm o maior interesse em resolver a questão", diz Marisa Souza, coordenadora da Codin em São João da Barra.
As negociações com os 250 proprietários da segunda fase das desapropriações começaram no fim de 2011. Há 80 famílias residentes nos 47 quilômetros quadrados. Elas terão direito a reassentamento em casa nova com aparelhos eletrônicos e mobílias, área de plantio e indenização de R$ 100 mil por alqueire (ante R$ 14,6 mil em 2005, antes do início do empreendimento). As negociações esbarram em um movimento que contesta os valores pagos e a quantidade de beneficiados.
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,eike-corre-atras-de-espaco-para-superporto-,825759,0.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário