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Gilberto Maringoni
Envoltas em grave crise econômica, o ódio ao imigrante tem servido como elemento catártico para a satisfação de populações premidas pelo desemprego e pela falta de perspectiva. Partidos conservadores, auxiliados pela mídia, não se cansam de apontar o estrangeiro como concorrente na disputa pelos cada vez mais escassos postos de trabalho.
O governo da filha do imigrante búlgaro Pedro Rousseff, aqui chegado para tentar a vida no final dos anos 1930, acaba de determinar restrições à vinda de imigrantes ao Brasil.
Na última sexta-feira, o Conselho Nacional de Imigração, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, determinou que impedirá a entrada anual de mais de 1,2 mil haitianos que venham ao país em busca de melhor sorte. Trata-se de uma versão perversa da política de cotas raciais, defendida por varios setores da sociedade brasileira para possibilitar a afrodescendentes o acesso a universidade e a cargos públicos. Agora são cotas para tolher e não para facilitar.
Pressões históricas
Embora tenham ocorrido pressões contra a chegada de chineses no século XIX e de judeus nos anos do Estado Novo, nunca antes na história deste país houve uma determinação oficial que impusesse barreiras a estrangeiros, nem mesmo durante a ditadura militar.
A iniciativa ocorre depois de matérias alarmistas na imprensa, dando conta de um pretenso descontrole na chegada de haitianos através da fronteira do Acre com o Peru. Segundo tais reportagens, os ilegais seriam ligados a traficantes internacionais de drogas. No entanto, nenhuma prova consistente foi apresentada a respeito.
Como os haitianos que buscam trabalho no Brasil são todos negros e pobres, o governo acaba por introduzir, mesmo que involuntariamente, dois ingredientes perigosos na vida nacional: a xenofobia e o racismo. Tais características têm se destacado como essenciais da acelerada marcha à direita de países da Europa Ocidental, como Itália, Espanha, Itália e Inglaterra. Envoltos em uma gravíssima crise econômica, o ódio ao imigrante sem dinheiro e geralmente de pele escura – com perseguições, queimas de moradias, prisões e deportações – tem servido como elemento catártico para a satisfação de populações premidas pelo desemprego e pela falta de perspectiva. Partidos conservadores, auxiliados pela mídia, não se cansam de apontar o estrangeiro como concorrente na disputa pelos cada vez mais escass os postos de trabalho.
Nada disso ocorre ou ocorreu no Brasil. Ao contrário. Embora a situação dos imigrantes nunca tenha sido rósea em nosso país, as decisões oficiais desde o final do século XIX foram a de se incentivar a chegada de forasteiros para o trabalho, tanto na indústria quanto na agricultura.
É bem verdade que a primeira onda de imigração européia, ocorrida a partir dos anos finais da escravidão, tinha como propósito não apenas substituir o braço escravo, mas “embranquecer” o país, como pregavam teóricos como Silvio Romero e Nina Rodrigues.
Humanitarismo comovente
A diretriz governamental, que contou com o empenho do Itamaraty e do Ministério da Justiça por sua aprovação, evidencia o total fracasso da controversa missão de paz da ONU, a Minustah, capitaneada pelo Brasil, que ocupou militarmente o paìs caribenho desde 2004. A justificativa governamental feita à época era de auxiliar na reconstrução do país mais pobre da América Latina, em uma iniciativa essencialmente humanitária.
Vale a pena examinar que humanitarismo é esse.
Em 15 de agosto de 2008, o jornal Valor Econômico, em materia intitulada “Missão de paz abre oportunidades para empresas brasileiras no Haiti”, noticiava o seguinte:
"O Brasil é um reconhecido colaborador do processo de resgatar o Haiti. O país tem o direito de pleitear um tratamento preferencial", disse ao Valor Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e filho do vice-presidente José Alencar. O empresário já esteve pessoalmente no Haiti e conversou com produtores locais em busca de parceiros. (...) Apesar da confusão institucional, o Haiti tem vantagens importantes para oferecer para uma empresa têxtil: proximidade e acesso diferenciado ao maior mercado do mundo, os EUA, e mão-de-obra barata. Uma costureira na capital Porto Príncipe recebe US$ 0,50 por hora. É uma remuneração inferior aos US$ 3,27 pagos no Brasil e muito abaixo dos US$ 16,92 dos EUA, conforme a consultoria Werner. O valor é inferior até aos US$ 0,85 pagos no litoral da China e perde apenas para os US$ 0,46 do Vietnã e os US$ 0,28 de Bangladesh. O plano da Coteminas é exportar o tecido do Brasil, confeccionar a roupa no Haiti, e vender com tarifa zero para os Estados Unidos, amparada pelo acordo de livre comércio”.
Como a Coteminas, outras empresas brasileiras se dirigiram para o Haiti em busca de bons negócios.
Veja bem
O plano, aparentemente não esta dando certo e agora os haitianos buscam refúgio junto ao país que lhes prometeu vida melhor, com direito a tropas, jogos de futebol e belos discursos no pacote. O governo deste pais solidário diz que não é bem assim.
O governo federal tem um ministério denominado Secretaria Especial de Politicas de Igualdade Racial. Até agora o órgão não se pronunciou sobre o tema. A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da Republica tampouco tomou alguma atitude.
Lembrar é bom
Para terminar, vale uma lembranca. Há poucas semanas, voltou ao Brasil o padre italiano Vito Miracapillo. Ele foi expulso do Brasil em 1981, durante a ditadura, com base na famigerada lei dos Estrangeiros, promulgada em 1980. A norma legal envergonhou o país, ao possibilitar a expulsão de qualquer não brasileiro “considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais”.
Seria bom o governo não dar continuidade a essa história por outras vias. Especialmente quando os estrangeiros em questão encontram-se do lado mais fraco da sociedade.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
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