sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

“A paz virá pela pressão das lutas sociais”

– Entrevista com Carlos Lozano Guillén

imagemCrédito: PCB


Por Ana Carolina Ramos e Silva

Carlos Lozano Guillén é uma das principais referências sobre o conflito armado na Colômbia. É diretor do periódico Voz, órgão do Partido Comunista Colombiano e membro do Comitê Executivo Central do Partido. É autor de diversos livros tais como: Las huellas de la esperanza (1997), ¿Cómo hacer la paz? Reflexiones desde una posición de izquierda (1999), Reportajes desde el Caguán (2001), El marxismo: ideología en construcción (2004), Medios, sociedad y conflicto (2005), Guerra o paz en Colombia: 50 años de un conflicto sin solución (2006).

AC: Com a morte de Alfonso Cano, comandante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP), em 4 de novembro de 2011, ainda há espaço para diálogo entre a guerrilha e o Estado?

CL: Evidentemente, a morte de Alfonso Cano é um golpe para a paz na Colômbia e de alguma maneira aumenta, diria eu, a desconfiança da guerrilha em relação ao governo, pois ao mesmo tempo em que vinha enviando mensagens às FARC-EP para ver se era possível abrir um cenário de diálogo e de paz, o governo estava preparando o operativo para matar Alfonso Cano. Então claro, em uma guerra, em um conflito, em um enfrentamento e em uma confrontação armada permanente como há na Colômbia, qualquer coisa pode acontecer. Mas, de todas as maneiras, não faz muito sentido que o governo, ao mesmo tempo em que enviava mensagens com supostos convites para dialogar, estivesse preparando um golpe tão forte às FARC-EP como no caso de Alfonso Cano. Desse ponto de vista, me parece que há um aumento da desconfiança, o que afeta a possibilidade de diálogo, ainda que isso não elimine a possibilidade de abrir um espaço de negociação. Creio que em um conflito tão degradado como o que existe na Colômbia, os atos atrozes em meio à guerra, por piores que sejam, não podem implicar no abandono da possibilidade do diálogo e da negociação, se é que realmente tanto as FARC-EP como o Estado estão interessados em uma solução política e pacífica do conflito.

AC: Qual seria o ponto de partida para se avançar no processo de solução do conflito armado colombiano?

CL: Creio que hoje, numa situação de aumento da confrontação, da desconfiança recíproca e da dificuldade de uma eventual aproximação entre as duas partes, o processo de paz e o diálogo deveriam ser iniciados por uma trégua bilateral, com a suspensão do confronto, ou seja, um cessar fogo de tal maneira que um diálogo se faça em condições propícias de paz e não em meio aos atos de conflito.

AC: Esta situação de cessar fogo foi possível na Colômbia, por exemplo, com os acordos de paz de La Uribe em 1982, no entanto a paz ainda não foi alcançada. Por quê?

Em La Uribe, houve um cessar fogo, uma trégua que durou um ano, ou mais de um ano, mas na prática este processo não funcionou porque apesar da trégua, o governo de alguma maneira não impediu a ação dos grupos paramilitares que começaram a exterminar a esquerda e, sobretudo, a União Patriótica, que era um projeto político da guerrilha em um processo de paz exitoso. Seria esse o cenário político da guerrilha. O paramilitarismo o liquidou, o destruiu, com a cumplicidade do governo, ou pelo menos com seu silencio impune, além da cumplicidade demonstrada pelos altos mandos militares e pela inteligência militar que participou deste extermínio. Então é evidente que essa parte da história também repercute negativamente no que tange à desconfiança da guerrilha a um eventual processo de trégua, de cessar fogo. Mas, se nos ativermos à realidade de hoje, ou seja, aos atos atrozes cometidos em meio ao conflito, se faz necessária uma medida que diminua sua intensidade. Nisso podia ajudar um cessar fogo, uma trégua, com mecanismos de construção, de suporte, de ajuda, sobretudo da comunidade internacional, para que essa trégua não se converta em uma forma a mais de atuação de grupos irregulares com a cumplicidade do Estado para conspirarem contra o processo de paz.

AC: Em El Salvador e na Guatemala, por exemplo, a comunidade internacional reconheceu a existência de um conflito armado e os guerrilheiros como atores políticos. Como isso poderia ajudar no caso colombiano? Porque o estado colombiano não reconhece a guerrilha nem tampouco os guerrilheiros como atores políticos?

CL: O governo colombiano se nega a reconhecer o caráter político da guerrilha, dando- lhe tratamento de grupo terrorista. Mesmo que o governo do presidente Santos tenha reconhecido o conflito, há uma forte contradição, porque Santos reconhece o conflito, o qual tem por consequência uma natureza política, econômica e social, mas não reconhece o caráter político da guerrilha. Isto é algo absurdo, não tem lógica. Mas, para poder estimular a saída política ao conflito colombiano nas condições em que se encontra atualmente, é necessária a geração de um cenário de diálogo em que se reconheça o caráter político da guerrilha, pois o estatuto de beligerância adotado pelo governo não deve ser condição para um processo de diálogo de fato. Assim, ao sentar-se em uma mesa de negociação com a guerrilha se reconhece seu caráter político e seu status de ator político. Então digamos que cada momento no processo de paz tem seu afã, sua característica e deve começar assim, a qualquer momento o Estado, o governo terá que reconhecer esse caráter político, caso queira chegar a acordos exitosos de paz.

AC: O fato de não reconhecê-los como atores políticos implica que o Estado tem toda a legitimidade para matar os guerrilheiros?

CL: Claro, para não cumprir com o Direito Internacional Humanitário, esse é o problema. O fato do governo não reconhecer o caráter político da guerrilha é muito complexo, porque não há um princípio de distinção entre combatentes e não combatentes. Em um processo de negociação há muitos amigos da guerrilha que não são militantes ou membros da guerrilha, mas buscam ajudar e estimular a saída política ao conflito. Como estabelecer essa diferença entre quem é combatente e quem não é se não há um reconhecimento político? Se o governo, sob o pretexto de que está lidando com terroristas, não respeita e não acata o Direito Internacional Humanitário? Quando se parte desse critério, todos os que são simpatizantes ou amigos desse grupo guerrilheiro são tidos como terroristas, até os que estão desarmados. Isso não contribui para o processo de paz. Aqui é importante frisar que o governo afirma que somente se sentará em uma mesa de negociação com a guerrilha se esta der mostras de compromisso e sinais muito evidentes de que quer a paz. Até aí tudo bem, mas o problema é que o Estado, o governo não mostra a mesma disposição, pois um primeiro passo nesse sentido seria o de reconhecer o caráter político da guerrilha, respeitar o Direito Internacional Humanitário, não tratar os guerrilheiros como delinquentes comuns, como terroristas ou narcotraficantes. Essa é a linguagem que o Estado utiliza para qualificar a guerrilha. Assim, se realmente querem uma saída política, pacífica e democrática ao conflito, tanto a guerrilha como o Estado devem dar sinais de vontade e de compromisso com a paz, o que não pode vir apenas de uma parte, mas de ambas.

AC: Ao longo do conflito, as FARC-EP libertaram unilateralmente cerca de 300 presos políticos e inclusive iriam libertar os militares e policiais mortos recentemente após uma tentativa fracassada do exército colombiano de libertá-los. Pode-se dizer que a guerrilha tem demonstrado sua vontade política de realizar um intercâmbio humanitário. Por que o Estado ainda se nega a realizar este intercâmbio?

CL: Isso é o que se exige do governo. A guerrilha tem dado mostras suficientes de disposição para facilitar acordos humanitários. Libertou unilateralmente a grande maioria de pessoas que estavam em seu poder. Alguns poucos foram libertados por meio de operações militares que não produziram a morte dos retidos. Neste caso o governo não dá espaço para que se concretizem esses acordos humanitários. Isso é o que reivindicamos. Como disse a prefeita de Bogotá, Clara López Obregón, é inacreditável que no Oriente Médio, Israel e Palestina, inimigos em permanente confrontação, cheguem a acordos humanitários para libertar os capturados de um e outro lado. Por exemplo, a última libertação foi de um soldado de Israel por mil e cem presos políticos da Palestina. Algo, inclusive, desproporcional e isso no caso de Palestina e Israel, dois inimigos declarados. Por que na Colômbia, ao contrário, isso não ocorre? O atual governo não quer nenhum tipo de negociação, precisamente por uma razão, porque a oligarquia colombiana, ou seja, o poder dominante na Colômbia, realmente não está interessada em uma negociação que traga mudanças ao país. Um processo de democratização da vida nacional é condição fundamental para que haja paz na Colômbia. No entanto, esta mesma oligarquia não está disposta a isso, ao contrário, acredita que o país está bem, pois uma democracia precária que sacrifica as condições de vida da população é o que permite à oligarquia colombiana governar da forma violenta como está governando, o que favorece a manutenção de um poder político e econômico muito forte em detrimento da melhoria das condições sociais do país. Então o programa do governo, do Estado, não é a negociação, mas a chamada “paz dos sepulcros”, a pax romana, a submissão da guerrilha. Por isso a ideia do governo e das oligarquias sempre foi atacar com força a guerrilha e debilitá-la pela via militar para levá-la a uma mesa de negociação, mas para negociar a rendição e não as causas que originaram o conflito. Esse foi o modelo que fracassou, por isso o conflito se prolonga de maneira indefinida, pois o governo não aceita outra coisa. Neste ano, o presidente Santos disse muitas vezes: “ou se rendem ou os matamos”. A rendição é a entrega, é levá-los a uma mesa de negociação e dizer-lhes: “venham, negociamos a entrega e oferecemos algumas condições para que o rigor da lei não recaia tão fortemente sobre vocês”. Por exemplo, em lugar de quarenta anos de cárcere podem ser dez ou algo assim, como se a guerrilha existisse na Colômbia como fenômeno delinquencial. Essa é uma forma reduzida, limitada de ver o conflito colombiano. A oligarquia e o governo crêem que esta é a solução e por isso fracassaram e seguirão fracassando enquanto essa for a estratégia de governo.

AC: Nesse sentido, qual o papel dos meios de comunicação na Colômbia para que as pessoas pensem que a guerrilha é um fenômeno delinquencial? É provável que a maioria da população colombiana apóie os governos de Uribe e Santos por essa razão. Uribe, por exemplo, terminou seu primeiro mandato com 70% de aprovação.

CL: Sim, o papel dos grandes meios de comunicação é muito negativo. Os meios de comunicação na Colômbia estão estreitamente ligados aos fatores de poder, aos poderes fáticos. Os meios de comunicação pertencem aos grupos econômicos. Os donos da indústria, do comércio, dos serviços, dos principais meios da economia nacional, são ao mesmo tempo os donos dos meios de comunicação. É uma grande oligarquia que domina toda a superestrutura de poder tendo por base os grandes meios de comunicação. Os que não pertencem a esses grupos pertencem ao monopólio das comunicações transnacionais, sobretudo grupos espanhóis e mexicanos, que investiram bastante na Colômbia. A missão deles, dos grandes meios de comunicação, é criar opinião pública. Alfonso Cano dizia que não apenas na Colômbia, mas no mundo, não há opinião pública, ela é fabricada pelos meios de comunicação, por meio de pesquisas de opinião e de todas essas estratégias de marketing publicitário e social. Este tem sido um papel nefasto dos meios de comunicação. Agora, depois da situação que se sucedeu pelos lamentáveis fatos em que morreram os policiais e os militares que estavam no poder das FARC-EP e que iam ser libertados, os grandes meios de comunicação, entre outras coisas, estimularam uma situação de ódio, de guerra, de confrontação muito forte, ao ponto em que estão organizando uma marcha para 6 de dezembro que se acreditava que era uma marcha pelo diálogo, de rechaço ao sequestro, mas a converteram em uma marcha de ódio contra as FARC-EP, a qual vai gerar um estado de histeria coletiva para alimentar e estimular a guerra, em um momento em que o governo está destinando mais recursos à ela - acaba de autorizar 7.2 bilhões de pesos colombianos para operações militares. Então o papel dos meios de comunicação tem sido o de criar um estado de ânimo muito adverso para um país com ambiente viciado em ameaça, ódio e retaliação por meio de grupos que manipulam esses meios de comunicação. Abre-se então espaço para que pessoas realmente muito desonestas escrevam ameaçando e insultando aqueles que não pensam como eles. Assim, esses meios de comunicação prestam pouco serviço à democracia, ao pluralismo, à confrontação livre das idéias. Ao contrário, tratam de criar uma unanimidade ao redor da elite governante para que perpetuem o poder que há na Colômbia sob o domínio da oligarquia e dos mais poderosos.

AC: Como o senhor mencionou, o governo tem muitos gastos com operações militares. Isso tem interferido nas políticas de Estado em relação à saúde, educação etc?

CL: A Colômbia está gastando com a guerra mais de 30% do orçamento nacional e de tempos em tempos aumenta esse valor, como acabou de fazer por meio da remessa de dinheiro que o governo direcionou para a Força Pública: 7.2 bilhões de pesos adicionais ao que estava previsto no orçamento para a criação de novos batalhões, compra de mais armamentos e tecnologia para trabalhos de inteligência. Assim, é paradoxal que esse gasto excessivo, cujo dado mais recente aponta que equivale a 8% do PIB, seja superior ao gasto com saúde e educação juntos. O anúncio deste investimento ocorre justamente em um momento difícil do ponto de vista social para o país, em meio a um protesto estudantil contrário à privatização da educação, em que os estudantes de maneira massiva estão exigindo que o Estado colombiano destine os recursos necessários para que a Universidade Pública possa funcionar como uma Universidade de portas abertas para os setores de menor renda no país. Então, como entender isso? Como entender que o governo diga que não há recursos diante de uma crise tão forte na saúde pública, a qual ameaça a prestação de serviços aos setores mais necessitados e vulneráveis do país? Como se entrega tamanha quantidade de dinheiro à guerra, para matar outros colombianos? Evidentemente, esse alto orçamento da guerra está afetando o investimento no social, e entre outras coisas, se converteu em um problema de governo, pois na medida em que não somente a saúde e a educação, mas também outros planos sociais do governo comecem a colapsar, porque não há orçamento para atendê-los, será necessário congelar todo o gasto com a guerra para se empregar recursos para a satisfação das necessidades sociais do país. Esta será a maneira de impedir uma explosão social, um colapso social, um protesto social. Isso é muito importante frisar, porque nós da esquerda dizemos sempre que a paz vai terminar se impondo pela pressão das lutas sociais, da luta popular. Na medida em que o povo colombiano veja, registre com clareza que os vultosos gastos com a guerra impedem os investimentos na área social, nesse momento, a guerra começará a ser detestada pelos colombianos e outro caminho irá se impor.

Com a aprovação do Tratado de Livre Comércio (TLC) produtos norte-americanos chegarão e por meio do famoso dumping, com o respaldo de parte do governo dos EUA, haverá uma concorrência desleal com os produtos colombianos. Desta forma, os setores da oligarquia colombiana terão que recorrer aos subsídios do Estado colombiano para poderem sobreviver frente a esta arremetida. Na medida em que a oligarquia colombiana necessitar de respaldo aos seus produtos para poder competir com os produtos norte-americanos a situação vai se complicar, pois o governo colombiano nada poderá fazer, porque não tem recursos devido aos grandes gastos com a guerra. Não podemos nos esquecer que o processo de paz durante o governo do presidente Andrés Pastrana em 1998 foi respaldado por setores da oligarquia que enfrentavam graves problemas econômicos em meio a uma crise financeira muito forte no país. A oligarquia entendeu que se não recorresse ao caminho da paz dialogada o governo teria que investir muitos dos recursos que eles necessitavam como classe oligárquica dominante, na guerra. Assim, o sistema financeiro se recapitalizou graças ao dinheiro empregado pelo governo de Andrés Pastrana. Portanto, estas crises sociais às vezes ajudam desta forma. Eu não sou amigo de entender as crises sociais como fator para que haja consciência de lutas sociais, mas nesses casos jogam um papel positivo na medida em que a crise social faz os setores populares entenderem e também a própria oligarquia que é melhor seguir o caminho da paz dialogada do que persistir em uma guerra que prolonga de maneira indefinida a confrontação e a recessão econômica.

AC: O jornalista Joaquín Pérez Becerra foi preso na Venezuela e extraditado para a Colômbia. Neste caso, qual tem sido a posição do presidente Chávez e do governo venezuelano em relação ao conflito armado na Colômbia e às FARC-EP?

CL: Eu sempre digo que é compreensível que o governo venezuelano e o governo colombiano façam um esforço para melhorar suas relações e para terem boas relações de amizade e cooperação. Colômbia e Venezuela não são somente países irmãos, como se diz retoricamente, são dois países fronteiriços, com uma extensa fronteira e com áreas comuns inclusive, o que requer que ambos trabalhem harmonicamente, de maneira unitária na solução de problemas que nos afetam. Uma boa relação comercial entre os dois países barateia os custos para ambos em matéria de exportação e importação, na medida em que a Venezuela pode satisfazer necessidades dos colombianos e a Colômbia pode satisfazer necessidades dos venezuelanos. Não me oponho que haja uma boa relação. O problema é que neste momento há opiniões contraditórias do ponto de vista dos projetos programáticos da revolução bolivariana e dos projetos programáticos do governo colombiano. Enquanto a Colômbia favorece os interesses do imperialismo norte-americano, das transnacionais e é defensora da política neoliberal, a Venezuela vai na contramão disso, está contra o neoliberalismo, contra a dependência aos EUA. Desse ponto de vista há diversas formas de enxergar as coisas. O problema é quando a Venezuela, seguramente para manter esta colaboração na diversidade, vai além disso, perseguindo revolucionários colombianos, capturando-os para entregá-los ao governo da Colômbia. A Venezuela sabe muito bem, e o presidente Chávez também, que essas pessoas que são entregues ao governo colombiano podem terminar extraditadas aos EUA ou podem também serem assassinadas pela repressão. Aí está o problema. Deve haver um limite, uma fronteira que não deve ser ultrapassada. Uma coisa são as boas relações e outra coisa é simplesmente auspiciar o terrorismo do Estado colombiano e os desaforos de poder que há na Colômbia. Por que, por exemplo, a Colômbia não entrega à Venezuela os esquálidos que vivem no país e que participaram do golpe militar contra Chávez, como é o caso de Pedro Carmon, criminoso que foi processado na Venezuela? No entanto, a Venezuela nunca reclamou à Colômbia que lhe entregasse Pedro Carmon. Essa é a desvantagem. O presidente Chávez tem que ter esse equilíbrio na relação. Uma coisa é a relação comercial, como fizeram agora, em que haverá um gasoduto e que vão intercambiar petróleo e trabalhar conjuntamente. Isso é compreensível, ninguém pode se opor, porque é parte dos interesses comuns entre os dois países. Entendendo a necessidade da boa relação com Venezuela, o presidente Santos muito habilmente melhorou e reconstruiu sua relação com este país: vinculou-se à UNASUL, um projeto de integração latino-americana do qual a Colômbia não compartilha, porque a UNASUL não segue o modelo neoliberal. No entanto, a Colômbia se inseriu na UNASUL a tal ponto, que sua secretária-geral é a colombiana María Emma Mejía. Mas, tudo o que a Colômbia faz vai contra a unidade da UNASUL. A Colômbia negou à Palestina o direito de pertencer às Nações Unidas, direito respaldado por todos os demais países da UNASUL. A Colômbia apoiou a agressão na Líbia, algo que não foi aprovado pela UNASUL. No entanto, a Colômbia se faz presente na secretaria-geral da UNASUL! Esses são os pontos incoerentes. Uma coisa são as relações que deve haver, de boa vizinhança, de boa cooperação, intercâmbio fluído com outros países, mas outra coisa é dar uma instância à Colômbia que ela não tem. Às vezes o presidente Chávez se emociona muito e diz que Santos é seu melhor amigo e o elogia. Isso são coisas desnecessárias, meio teatrais, que não vêm ao caso e, pior ainda, quando para ganhar confiança entregam revolucionários. Isso não podemos aceitar!

AC: Quantos presos políticos existem na Colômbia atualmente? São os grandes desconhecidos do conflito armado?

CL: Os dados são de 7.500 presos políticos, dos quais a maioria são presos civis, não são combatentes da guerrilha. A maioria deles são dirigentes sindicais, populares, camponeses de organizações agrárias e, há pouco tempo relativamente, li em um documento das FARC-EP que eles reconhecem a existência de mais 880 guerrilheiros presos. Claro, imagino que descartaram os guerrilheiros que aceitaram a desmobilização. Suponho que somados os prisioneiros ligados à guerrilha e os que aceitaram a desmobilização o número total chegue a 2000. De onde então vem essa cifra de 7.500? Dos presos civis, dos presos das organizações populares.

AC: Quais são as condições dos cárceres? Os presos são torturados? Sabe-se o que ocorre realmente com os presos políticos?

CL: Digamos que não há tortura como houve no passado, quando aplicavam choques elétricos ou coisas parecidas nos presos políticos. Pode-se dizer que isso não ocorre, ou, se ocorre, são em casos excepcionais. Mas hoje, as condições de cativeiro são desumanas, a alimentação é deficiente, os recursos médicos não existem, enfim, há uma série de situações que produzem, inclusive, vários protestos no sistema carcerário em vários cárceres do país. Assim, poderíamos dizer que as condições dos cárceres na Colômbia evidentemente violam os Direitos Humanos e isso foi reconhecido pela Defensoria do Povo e pelas Nações Unidas.

AC: Há analistas que acentuam diferenças entre Santos e Uribe. Concorda com esta opinião?

CL: Essas diferenças são formais, existem as diferenças entre Uribe e Santos. De um lado, Uribe em sua soberba, em sua maneira autoritária, quer que Santos atue como ele atuava, ou seja, que Santos insulte a todos, que mande executar qualquer tipo de arbitrariedade como Uribe fazia. No entanto, Santos tem um estilo diferente. Essa é a mudança, mas de forma e não de fundo. A política de Uribe é a mesma política de Santos. Santos o disse inclusive, por isso não enfrentou tão fortemente a Uribe. Santos mantém sua contradição, mas trata de levá-la bem, porque ambos têm uma mesma política, estão comprometidos com o mesmo processo de acumulação capitalista. Ambos aplicam o modelo neoliberal. No entanto, em algumas coisas Santos é pior que Uribe. Em matéria neoliberal, por exemplo, Uribe por mais neoliberal que fosse, jamais se atreveu a propor a privatização da Universidade Pública e Santos a está propondo. Então no fundo é o mesmo. Agora o que ocorre e que é importante assinalar é que a base de apoio fundamental de Uribe é diferente da de Santos. A base de apoio a Uribe abrange toda a política oligárquica e a favor dos grandes interesses, mas o círculo que lhe é mais próximo é o círculo mafioso da oligarquia, uma oligarquia degenerada. Nós do periódico Voz utilizamos uma vez um termo que escandalizou os economistas marxistas do país, porque dizíamos que quem apoiava Uribe era uma lumpen-burguesia, e os economistas marxistas discordavam, pois para eles existe lumpen-proletariado, mas não uma lumpen-burguesia. Nós mantivemos esta expressão porque o marxismo afortunadamente não é dogmático, é criativo. Então nós mantivemos a ideia de que há sim uma lumpen-burguesia, mas no fundo é mais que um termo, é a burguesia mafiosa, uma burguesia degenerada. Ao contrário de Uribe, o núcleo mais próximo de Santos é tradicional, aristocrático, incluindo a oligarquia, por isso é um governo mais de centro. Os ministros de Uribe, por exemplo, viviam brigando com os opositores, eram grosseiros com todos. Já os ministros de Santos são mais decentes, mais tolerantes. Mas no fim é o mesmo. São mudanças de forma, não de conteúdo. Então eu não acredito muito nessas diferenças, que entre outras coisas estão servindo de justificativa para que pessoas supostamente de esquerda, ou de centro-esquerda, ingressem no governo. Santos, com seu projeto de Unidade Nacional, tenta manter ao seu redor todo o movimento político e social para não haver oposição. A estratégia é a mesma de Uribe, a diferença é que Uribe o fazia pela força. Dizia: “ou todos comigo, ou todos contra mim. Ou todos comigo, ou os que não estão comigo estão com o terrorismo”. Essa era mais ou menos a ideia de Uribe e quem não estava com ele era perseguido e preso. Isso aconteceu comigo e com tantos outros companheiros e dirigentes no país, inclusive pessoas muito respeitáveis, como Carlos Gaviria. Santos não, ele não faz isso a não ser pela via política. Busca cooptar o movimento sindical, o movimento popular, a oposição, isso é o que chama de Unidade Nacional. Por isso o Polo Democrático Alternativo (PDA) se dividiu, porque havia um setor, ou há um setor, que quer chegar ao governo a qualquer preço. Então essas são as diferenças, mas no fundo é a mesma política de unanimidade, a mesma política antidemocrática de silenciar a oposição. O que Uribe queria fazer pela força, Santos o faz de maneira elegante, delicada.

AC: E a situação do paramilitarismo hoje, como está?

CL: Na Colômbia se utiliza uma expressão: “están vivitos y coleando”. É uma expressão coloquial. Bom, os paramilitares estão aí, nunca acabaram. Uribe inventou o conto de que acabaram para justificar o processo de legitimação do paramilitarismo, que foi um fracasso, pois quando os paramilitares começaram a confessar seus crimes, os mandaram para os EUA extraditados. Mas há paramilitarismo em todas as partes, há toda uma rede de narcotraficantes que estão aí e seguem dando ordens do cárcere. Por exemplo, a família Mancuso a partir dos EUA. Há também a família de Macaco que controla todo o complexo cafeeiro colombiano. Hoje a situação do paramilitarismo no país é ainda mais delicada. Antes, o paramilitarismo era uma força nacional organizada, tinha um centro nacional de direção; hoje não, hoje estão regionalizados, não há uma unidade nacional do paramilitarismo. Os grupos criminosos funcionam uns aqui, outros acolá. Cada um à sua maneira, mas com os mesmos métodos de antes. Como nunca, permeiam a política, como nas eleições locais de 30 de outubro de 2011: nove governadores dos 32 departamentos foram eleitos por pressão do paramilitarismo. Isso quer dizer que há 9 governadores da parapolítica na Colômbia, além de deputados, vereadores e prefeitos. O paramilitarismo é uma realidade, o governo não pode negá-la. O atual governo quer nos inserir em um debate sem sentido, dizendo que isso que ocorre não é paramilitarismo, mas apenas grupos criminosos comuns, que levam um nome elegante, uma sigla elegante, BACRIM (Bandas Criminales). Porém, são paramilitares, assim como todos os capturados que de uma ou outra maneira vêm do processo anterior das autodefesas.

AC: Ainda existem as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC)?

CL: Não com esse nome, mas essas BACRIM, esses grupos criminosos em geral saíram daí. São uma forma de mutação das autodefesas.

AC: Há diferenças de interpretação sobre solução do conflito armado na Colômbia entre o Polo Democrático Alternativo (PDA) e o Partido Comunista Colombiano?

CL: Este tema ainda é polêmico. No Polo, digamos que os setores que não compartilham a ideia da solução política do conflito se foram, aliás, o principal deles, Gustavo Petro, já saiu. Porém, ainda segue a polêmica entre os que ficaram, mesmo que todos compartilhem o ideário de unidade. O ideário de unidade se sintetiza em torno de dois temas: 1) o Polo não aceita o uso das armas como parte da ação política. Nós não defendemos o uso das armas na política. A existência do movimento guerrilheiro na Colômbia tem suas razões. Não existe simplesmente porque querem participar da política com armas, mas há razões políticas, econômicas e sociais para a sua existência. Sobre esse aspecto há consenso entre os que ficaram. O segundo aspecto que todos compartilhamos é que a solução do conflito é política e pacífica, não por meio da guerra. Isto é o que está vigente hoje no Polo e as forças que nele ficaram mais ou menos se identificam com essa ideia. É evidente que há diferentes leituras, pois há companheiros no Polo que pensam como Santos, ou seja, que a essa altura há de se concluir que as FARC e o ELN se desmobilizem e para eles esta é a solução pacífica. Para nós não, tem que ocorrer um processo de negociação e de mudanças. Esse ponto é parte da polêmica que há na esquerda e que seguramente irá permanecer, mas o Polo, em geral, mantém uma ideia muito clara de respaldo ao que está no ideário da unidade desde o começo, o que Petro desconheceu assim como outros setores que procuraram o Polo.

(Resumo desta entrevista foi publicada no jornal Brasil de Fato)

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