segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A contradição política da Teoria Crítica de Adorno

Hans-Jürgen Krahl

A biografia intelectual de Adorno está, até em suas próprias abstrações estéticas, marcada pela experiência do fascismo. O modo de refletir sobre essa experiência, que reproduz nas criações artísticas a indissolúvel conexão entre crítica e sofrimento, fixa a insustentabilidade da pretensão de negação do tempo, que assinala os limites de tal pretensão. Na reflexão sobre a violência fascista impulsionada pelas catástrofes econômicas naturais da produção capitalista, sabe a "vida estragada" que, por assim dizer, não pode subtrair-se ao torvelinho das contradições ideológicas da individualidade burguesa, cuja inexorável decomposição chegou a reconhecer. O terror fascista não só produz a inteligência do hermético caráter coercitivo das sociedades de classe altamente industrializadas; fere também a subjetividade do teórico e enrijece as barreiras de classe em sua capacidade cognitiva. Consciência disso é o que expressa Adorno na introdução às minima moralia: "O poder violento que me desterrou, impediu-me ao mesmo tempo seu cabal conhecimento. Todavia, não me atribuía eu a culpa, em cujo círculo cai quem, à vista do indizível que aconteceu de forma coletiva, se avilana a falar do individual".

Hans-Jürgen Krahl em uma assembleia

de estudantes socialistas revolucionários

em 1968 (o segundo a partir da

esquerda)

Dir-se-ia que Adorno, através da taxante crítica da existência ideológica do individuo burguês foi irresistivelmente transportado às ruínas deste. Mas, então, Adorno não deixaria nunca para trás a solidão da emigração. O destino monadológico do individuo isolado pelas leis de produção do trabalho abstrato se reflete em sua subjetividade intelectual. Daí que não lograra Adorno traduzir sua paixão privada pelo sofrimento dos condenados dessa terra num partidarismo organizado da teoria emancipadora dos oprimidos.

A inteligência teórico-social de Adorno, conforme à qual "a sobrevivência do nacional-socialismo na democracia" haveria que se ver como "muito mais perigosa potencialmente que a sobrevivência de tendências fascistas hostis à democracia", faz com que seu progressivo medo ante uma estabilização fascista do capital monopolista restaurado se troque em pânico regressivo ante as formas de resistência prática contra essa tendência do sistema.

Compartilhava essa ambivalência da consciência política com muitos intelectuais alemães críticos, para os quais uma ação socialista de esquerda, o que conseguiria é liberar o potencial do terror fascista de direita. Com isso, entretanto, fica qualquer práxis denunciada a priori como cego ativismo, e a possibilidade de crítica política, definitivamente, boicotada: apaga-se a diferença entre uma práxis em principio corretamente pré-revolucionária e suas patológicas formas pueris nos incipientes movimentos revolucionários.

À diferença do proletariado francês e de seus intelectuais políticos, falta na Alemanha uma tradição ininterrupta de résistance violenta, e, por isso, não se dão as premissas históricas para uma discussão, livre de irracionalidades, sobre a legitimidade histórica da violência. O poder violento dominante, que, conforme a própria análise de Adorno, seguiria tendendo, também depois de Auschwitz, a uma renovada fascistização, não seria tal se a marxiana "arma da crítica" não devesse ser complementada com a proletária "crítica das armas". Só então a vida teórica da Revolução é a crítica.

Essa contradição objetiva na teoria de Adorno transformou-se em aberto conflito e terminou fazendo de seus discípulos socialistas inimigos políticos de seu mestre filosófico. Por muito que Adorno visse na ideologia burguesa da busca desinteressada da verdade um reflexo do intercâmbio de mercadorias, não podia menos que desconfiar de qualquer indício de luta de tendências políticas no diálogo científico.

Mas sua opção política, um pensamento que deve chegar à verdade pela via de se orientar por si próprio para a transformação prática da realidade social, perde força imperativa se não logra determinar-se também em categorias organizativas. Cada vez mais se distanciou Adorno do conceito dialético da negação, da necessidade histórica de um partidarismo objetivo do pensamento, conceito que, na determinação por diferenças específicas que fizera Horkheimer entre a teoria crítica e a teoria tradicional, se mantinha ao menos nas linhas programáticas da "unidade dinâmica" do teórico com a classe dominada.

A abstração desses critérios acabou levando Adorno, em seu conflito com o movimento de protesto estudantil, a uma cumplicidade fatal, e apenas entrevista por ele mesmo, com os poderes dominantes. A controvérsia não se reduziu de modo algum ao problema da privada abstinência de práxis, senão que a incapacidade para responder à questão organizativa é indício de uma insuficiência objetiva da teoria de Adorno, a qual, entretanto, fixava a práxis social como uma categoria cognitivo-crítica e teórico-social central.

Não obstante, a reflexão de Adorno transmitiu aos estudantes politicamente conscientes as categorias emancipadoras, desveladoras do poder, que tacitamente se correspondem com as mudadas condições históricas das situações revolucionárias nas metrópoles, as quais já não se podem seguir determinando a partir de experiências denegridoras diretas.

A micrológica força expositiva de Adorno colocava em dia, a partir da dialética da produção de mercadorias e de seu intercâmbio, a enterrada dimensão emancipadora da crítica marxiana da economia política, a autoconsciência que, enquanto teoria revolucionária, quer dizer, como uma doutrina cujos assertos constroem a sociedade do ponto de vista da transformação radical, perdeu-se entre o grosso dos economistas teóricos marxistas atuais. A reflexão lógico-essencial de Adorno sobre as categorias da coisificação e do fetichismo, da mistificação e da segunda natureza, transmitiu a consciência emancipadora do marxismo ocidental dos anos vinte e trinta, de Korsch e Lukács, de Horkheimer e Marcuse, tal como este se constituiu em oposição ao marxismo soviético oficial.

Adorno decifrou a origem e a identidade em sua crítica filosófica da ideologia ontológico-fundamental do Ser e da ideologia positivista da faticidade como categorias de dominação da esfera da circulação, de cuja liberal dialética legitimadora da moralidade burguesa - a aparência do intercâmbio justo entre proprietários de mercadorias em pé de igualdade - fazia tempo que se desprendera.

Mas o próprio instrumental teórico que permitiu a Adorno pôr em obra esse saber da sociedade em seu conjunto, obscureceu a visão das possibilidades históricas de uma práxis liberadora.

Em sua crítica da ideologia da morte do indivíduo burguês há um vacilante momento de duelo. Mas Adorno não pode superar imanentemente, no sentido hegeliano do conceito, esse último resto de radicalismo burguês de seu pensamento. No que ficou ancorado, fixada a aterrada visão no terrível passado: a consciência tardígrada, que só começa a compreender chegado o ocaso.

A negação adorniana da sociedade capitalista tardia manteve-se abstrata e se fechou à exigência de determinação da negação determinada, aquela categoria dialética da tradição de Hegel e de Marx com a qual ele sempre se sentiu em dívida. Em sua última obra sobre a Dialética negativa, o conceito de práxis do materialismo histórico já não se questiona em relação à transformação social de suas determinações formais históricas, as formas do tráfico burguês de mercadorias e da organização proletária. Em sua teoria crítica se reflete a extinção da luta de classes como atrofia da compreensão materialista da história.

É verdade que em outro tempo a alienação da teoria em relasção à práxis liberadora do proletariado foi para Horkheimer programática; mas a forma burguesa de organização da teoria crítica já então não permitiu cobiçar conjuntamente programa e realização. A destruição do movimento operário pelo fascismo e a aparentemente irrevogável integração do mesmo na reconstrução do capitalismo alemão ocidental do pós-guerra alteraram o sentido dos conceitos da teoria crítica. Necessariamente tiveram que perder em determinação, mas esse processo de abstração cumpriu-se às cegas.

A história concreta e material, que Adorno contrapunha criticamente ao "conceito a-histórico da história", à historicidade de Heidegger, migrou cada vez mais de seu conceito de práxis social, até terminar, em seu último livro sobre a Dialética negativa, a tal ponto esgotado, que se diria assimilado à miséria transcendental da categoria heideggeriana.

É verdade que Adorno insistiu com razão no último Congresso alemão de sociologia na validade da ortodoxia marxista: as forças produtivas industriais continuariam sendo organizadas em relações capitalistas de produção e a dominação política fundar-se-ia, antes como agora, na exploração econômica do trabalho assalariado. Por muito, todavia, que sua ortodoxia andasse naquele Congresso em choque com a sociologia alemã ocidental dominante, continuava sendo inconsequente, pois as formas categoriais já não guardavam relação com a história material.

Esse crescente processo de abstração com respeito à práxis histórica resultou numa transformação regressiva da teoria crítica de Adorno, reduzindo-a às formas contemplativas, a duras penas ainda legitimáveis, da teoria tradicional.

O processo de tradicionalização sofrido por seu pensamento converte sua teoria numa figura tresnoitada da razão na história. A dialética materialista das forças produtivas encadeadas se reflete nos planos de seu pensamento na representação da teoria que se encadeia a si própria, inextricavelmente atada à imanência de seus conceitos. "Passaram-se os tempos da interpretação do mundo e do que se trata é de transformá-lo, então a filosofia tem que despedir-se... o que está à altura dos tempos não é a Primeira Filosofia, mas uma última". Essa última filosofia de Adorno não quis nem pôde despedir-se de sua despedida.

Hans-Jürgen Krahl (17 de janeiro de 1943 - 13 de fevereiro de 1970) foi o assistente de Adorno na Universidade de Francfort del Meno e, junto com Rudi Dutschke, o principal dirigente do movimento estudantil socialista na República Federal Alemã dos anos 60.

Tradução para www.sinpermiso.info: María Julia Bertomeu

Tradução para o português: Sergio Granja

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