sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Colômbia e seus milhares de presos políticos silenciados

Parte I do Dossier: Colômbia e seus milhares de presos políticos silenciados *
Por Azalea Robles
A quantidade alarmante de presos políticos revela uma situação gravíssima de repressão contra o pensamento crítico, contra a reivindicação social e o direito à participação política, só comparável à situação de uma ditadura militar.
1. Introdução a uma realidade invisibilizada.
Existem pelo menos 7.500 presos políticos em Colômbia, outro triste recorde de um estado cujo nível de repressão e extermínio da oposição rebaixa inclusive o das ditaduras assumidas como tal, e que goza entretanto de amplo respaldo da diplomacia internacional, porque muito facilmente a chamada “comunidade internacional” fecha os olhos para os genocídios, se estes permitem o saqueio dos recursos do país afetado. A maioria dos presos políticos em Colômbia são civis prisioneiros sob montagens judiciais: sindicalistas, jornalistas, acadêmicos, estudantes, ambientalistas, camponeses, presos para calar o pensamento crítico. A prática repressiva das prisões arbitrárias continua.
90% dos presos políticos são civis; os presos políticos e de guerra das organizações FARC e ELN são aproximadamente 10% do total de presos políticos. Apresento nesta introdução dois testemunhos de presos políticos por ser esclarecedor de uma realidade silenciada:
O professor Miguel Ángel Beltrán, por anos preso político: “A atitude de que a todo aquele que investiga a realidade social com uma lente crítica se intitula guerrilheiro provêm de um Estado que persegue e criminaliza a quem pensa diferente. Meus escritos foram tomados como prova para me acusar do delito de rebelião, o que constitui uma clara perseguição ao pensamento crítico. O propósito do regime ao manter-me privado da liberdade, é enviar uma mensagem bem clara aos acadêmicos críticos e à universidade pública em geral: 'cuidem-se ao estudar o conflito social com uma perspectiva diferente à oficial, porque olhem o que pode acontecer com vocês'. E isso cala alguns setores.”[1]
Marinelly Hernández, presa política e de guerra testemunha sobre as aberrantes torturas que o estado colombiano comete contra os familiares dos insurgentes, uma realidade silenciada: “A nosso pai, o exército colombiano, em união com paramilitares, pendurou suas mãos com ganchos enquanto estava vivo, como se fosse carne de açougue, depois cortaram seu estômago e todo seu corpo com uma navalha, perfuraram seus lábios como se perfura um peixe com anzol, e por último, deram um tiro de misericórdia em sua cabeça; segundo a medicina legal, foi torturado vivo. Meu pai tinha 70 anos de idade. Como é possível que façam isso com um idoso, intitulando-o de guerrilheiro? Talvez por eu ser revolucionária tinham que cobrar com a vida de meu pai?” [2]
Marinelly, de uma família camponesa, narra que durante sua infância viveu em carne própria as agressões que o Exército colombiano desatou contra o campesinato por pertencer ao partido opositor União Patriótica (UP); foi testemunha de múltiplos assassinatos de camponeses, amigos e familiares, cujos corpos eram abandonados com sinais de tortura ou desmembramento: ”parte da guerra suja e psicológica que implementaram para assustar aos lutadores populares”. A prisioneira explica que as violações do Estado colombiano a empurraram à insurgência, como sua única forma de preservar a vida, lutar por ela e reclamar nossos direitos, e evitar terminar massacrada, torturada ou desaparecida.
O trabalho dos defensores dos direitos humanos e advogados de presos políticos é dificilíssimo, sendo vitimas de uma perseguição estatal que levou a desaparições forçadas, assassinatos, e até à prisão dos defensores. Por esta razão os estudos, denúncias e a comunicação com os mesmos presos se vê afetada. A perseguição contra os que exercem a solidariedade com os presos políticos, o isolamento, os castigos contra os presos defensores dos direitos humanos e as ameaças contra familiares, somado ao implacável silêncio dos meios de comunicação, constituem a invisibilidade de uma realidade cujas dimensões expõem o caráter profundamente antidemocrático do estado colombiano.
Essa subvalorização midiática dos milhares de presos políticos domesticou inclusive as mentes de grande parte da esquerda, que não os reivindica devidamente; deixando quase esquecidos os milhares de homens e mulheres que estão atrás das grades por dedicar sua vida à defesa dos direitos humanos e da justiça social.
A dramática situação de violação do direito à consciência, opinião e organização social, se soma a que os presos estão sofrendo condições de reclusão insalubre, sendo privados das mínimas condições de sobrevivência, colocando vulnerável sua integridade e saúde, como os períodos de privação de água por períodos prolongados [3]; ou como a alimentação em estado de decomposição ou contaminada inclusive com matéria fecal [4], como várias vezes comprovada.
Da mesma maneira se denuncia a prática de isolar certos presos políticos em meio a pátios paramilitares, como medida evidente de atentar contra suas vidas. A isso se somam as torturas físicas e psicológicas, e a negação do acesso à assistência médica.
A declaração do último encontro em solidariedade com os 7500 presos políticos, expressou: “O Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário é a principal entidade do Estado comprometida com as torturas, tratos cruéis e não humanos e com sua participação na comissão de delitos de lesa humanidade. Denunciamos a entrega de prisioneiros políticos por parte do INPEC, aos grupos paramilitares nas saídas dos centros de reclusão, e a morte dos prisioneiros (…) A superlotação é uma política criminal de Estado de aumentar o número de condutas penais para delitos que atentam contra a segurança do Estado. Se mantém as condições degradantes expostas na sentença de tutela T-153 de 1998, que declarou que o sistema penitenciário colombiano violava de maneira massiva e estrutural os direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade, definindo a situação como um estado de inconstitucionalidade. [5]
Apenas finalizando o encontro, as retaliações do estado foram desatadas: tomando sanções arbitrarias contra presos políticos e reprimindo com especial brutalidade o protesto pacífico dos presos na prisão de Valledupar que estavam amarrados a 15 metros do solo há semanas em protesto contra as torturas de privação de água e tratos degradantes que recebem [6]. A polícia procedeu a soltá-los com violência das estruturas nas quais estavam amarrados provocando quedas de até 15 metros, para depois prender e torturar os que ainda estavam conscientes. Os presos relatam que escutavam gritos horríveis de tortura e que assim mesmo viram como a polícia retirava os corpos inertes enrolados em lençóis. Foram 30 feridos e 5 que ficaram entre a vida e a morte.
2. Transgressão das liberdades só é comparável a uma ditadura militar: a sociedade inteira é agredida.
A existência de milhares de presos políticos é relevante não só para as mulheres e homens que são vítimas da prisão por suas ideias, não só para seus familiares, mas também para a sociedade no seu conjunto: de fato, os presos políticos são seres humanos arrancados da sociedade, privando a mesma do capital humano de seres encarcerados precisamente pela entrega à sua comunidade, por seu indispensável trabalho documental, jurídico, docente, periodístico, sociológico, sindical, ambientalista. É um atentado contra o desenvolvimento de um povo.
As desigualdades sociais na Colômbia são extremas. É o terceiro país mais desigual do mundo, logo depois do Haiti. Na Colômbia, morrem anualmente 20.000 crianças por falta de água potável, no quarto país com mais riqueza hídrica do mundo.
Frente à reivindicação social natural que surge desta situação de desigualdade, o estado, funcional ao grande capital nacional e transnacional que se enriquece em base à exploração laboral e ao saque dos recursos, reprime de maneira brutal: com suas ferramentas oficiais (exército, polícia, fiscais) e paramilitares aumentam os assassinatos, as desaparições forçadas e as prisões arbitrárias de intelectuais críticos, de ativistas comunitários, de organizações estudantis, camponesas, indígenas, afrodescendentes, de moradia, ambientalistas, sindicalistas, etc.
NOTAS
* Este texto forma parte do dossiê Colombia y sus miles de presos políticos silenciados que abarca o contexto de interesses econômicos e a repressão política correlativa, as condições de tortura, as armações judiciais, a invisibilidade do drama e o que sua existência põe em manifesto. O índice de capítulos do dossiê pode ser consultado nas Notas do presente.
[1] Miguel Ángel Beltrán na entrevista de 14 de abril 2011, "La verdad resulta incómoda para el sistema" http://www.traspasalosmuros.net/node/360
[2] Marinelly Hernández, presa política e de guerra testemunha e se declara em Ruptura com o Estado colombiano, frente a um juiz de Quibdó:http://www.traspasalosmuros.net/node/359
[3] A privação de água por dias seguidos é uma prática reiterada em centros como o de Valledupar, no qual a temperatura interior rondam os 40 graus; os presos adoecem devido à água infectada, e as infecções não tratadas por negarem assistência médica produziu inclusive mortes. Nos centros de Bogotá e de lugares mais frios, uma das práticas daninhas à saúde é o banho com água gelada, e a permanência no pátio, desnudo, em temperaturas de 5 graus, como denunciam os presos de ERON cujas práticas são inspiradas do modelo carcerário norte-americano que imposto à Colômbia. http://www.traspasalosmuros.net/node/448
[4] “ Condições inumanas, golpistas e de tortura persistem na prisão de alta segurança de La Tramacúa, em Colômbia”, assegurou Aliance for Global Justice. http://www.traspasalosmuros.net/node/429
Leandro se cansou de comer fezes na prisão e se suicidou hoje.
http://www.soyperiodista.com/noticias/nota-6601-leandro-se-canso-de-comer-heces-la-carcel-y-se-sui
[5] Encontro nacional e internacional na solidariedade com os 7.500 presos políticos colombianos “Larga Vida a las Mariposas”. Declaración final, junho 2011.http://www.rebelion.org/noticia.php?id=130004&titular=conclusiones-del-encuentro-nacional-por-la-libertad-de-los-prisioneros-pol%EDticos-
[6] Urge assistência médica para os mais de 30 feridos e cesse da violência policial;Brutal desalojo de protesto pacífico no centro penal de Valledupar deixa 5 prisioneiros em estado crítico http://www.rebelion.org/noticia.php?id=130317&titular=brutal-desalojo-de-protesta-pac%EDfica-en-el-penal-de-valledupar-deja-5-prisioneros-en-estado-
www.azalearobles.blogspot.com

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