Por Elisabeth Peredo Beltrán
Já dissemos e repetimos: o clima está nas mãos do “capitalismo selvagem” e de suas instituições. Não se avançou em praticamente nada de positivo para os povos nas negociações do último ano. Não se avançou em compromissos para uma maior redução e, com base nos acordos de Cancún, seguiu-se uma lógica suicida de “compromissos voluntários”, orientados ao desmantelamento do regime do clima e ao fomento de um novo instrumento que substitua o Protocolo de Kyoto, facilitando às grandes economias evitarem suas responsabilidades, em particular aos Estados Unidos.
Os EUA se apoderaram do Banco Mundial e de seu papel no Fundo Verde, abrindo espaço para uma maior privatização, endividamento e condicionalidades. Assim, se avança na afinação dos mecanismos de mercado para o “controle” das emissões, os compromissos não contam com fundos suficientes que respondam à catástrofe, na prática, se enfraquece a situação dos países em desenvolvimento e vamos, vertiginosamente, para temperaturas muito maiores aos 2º C.
Alguns grupos científicos falam, inclusive, de que, neste século, poderíamos superar uma elevação de 4º C em média: uma verdadeira catástrofe.
As decisões que estão sendo tomadas já são tardias. No entanto, promoveriam ao menos uma esperança ao fazerem saber que os Estados são conscientes da magnitude desta crise e de suas responsabilidades. Os governos devem dizer a verdade, explicar a seus povos o que acontece, pois os lamentos e promessas de um futuro não são suficientes. Necessitamos de medidas efetivas e imediatas para parar esta destruição.
Exigimos dos governos que, na COP 17, defendam os princípios da equidade e das responsabilidades históricas das grandes economias para com o mundo, e que os países responsáveis por esta catástrofe não só se comprometam a reduzir substancialmente suas emissões, mas também que deixem de impulsionar um desenvolvimento insustentável no sul, mediante suas empresas, suas políticas e seu afã de salvar o capitalismo de sua crise financeira. O planeta não tem por que pagar o custo da crise produzida por eles mesmos.
Exigimos também do nosso governo que defenda o regime climático, baseando-se nas responsabilidades históricas e diferenciadas entre as grandes economias e os “países em desenvolvimento”, além de atuar com coerência e consciência a nível internacional e local. Pois, se clamamos pelo direito ao desenvolvimento, devemos dizer claramente que o tipo de desenvolvimento que buscamos não é o mesmo que está destruindo o planeta.
Os representantes da Bolívia devem ser coerentes em como colocar na prática aquilo que chamamos de “direitos da Mãe Terra”. Esses temas incluídos nos textos apagados das negociações devem contar com explicações coerentes, refletidas, embasadas no que as realidades locais estão reivindicando.
E há aqueles que arrancam seus cabelos, afirmando que os que mais contaminam hoje são os países emergentes. De fato, para nós, não são nenhum modelo a ser seguido, porém lembramos a enorme dívida histórica que os países desenvolvidos e as grandes economias têm com os países pobres e que são precisamente as grandes transnacionais ocidentais que exacerbam o extrativismo e o desenvolvimentismo.
O argumento das economias emergentes está sendo usado pelos países desenvolvidos, em particular pelos Estados Unidos, para desmantelar o regime multilateral sobre o clima e destruir aqueles princípios expressos na Convenção e no Protocolo de Kyoto e, inclusive, excluir o que foi acordado na Agenda de Bali. Em paralelo, se afilam os sabres para as negociações da OMC que, sob o mandato do G20 na recente reunião em Niza, se constituíram em prioridades a serem concluídas.
São precisamente as profundas assimetrias e as leis do capital, como os sistemas de propriedade intelectual e as regras de investimentos, as que facilitam a estes países situarem-se a anos-luz em tecnologias e matrizes energéticas de baixo carbono. Certamente, tais inovações nem sequer são utilizadas enquanto políticas públicas, permanecendo nas mãos do poder corporativo.
Portanto, é fundamental jogar um olhar sob o poder das corporações, das elites dominantes nos países do sul e dos modelos de desenvolvimento, infraestrutura e energia por elas impulsionados, como no caso da América do Sul, além de sua relação com a crise climática e ambiental.
Faz-se necessário recordar que o próprio Painel Intergovernamental de Mudança Climática (PICC – sigla em espanhol) afirma que nenhuma experiência previa, em termos de infraestrutura, gestão de água, gestão ambiental, os graus de vulnerabilidade promovidos pelas mudanças climáticas que foram apresentados. Isso só comprova que é um antecedente para a magnitude dos desafios com que o futuro se depara.
Sem dúvida, as soluções de fundo virão de nós, que vivemos na própria carne as consequências da depredação ambiental. Como exemplos, podemos citar o ocorrido na Tailândia, na Colômbia, na Austrália, na América do Sul, as secas na África e em todas aquelas regiões golpeadas pela crise climática, ambiental e pela vulnerabilidade que se somou a esta situação o uso da energia nuclear, a construção de infraestruturas agressivas e o incremento dos agro-combustíveis. Somos nós, gente da terra, essa gente que não vai às conferências internacionais, somos nós que enfrentamos e resolvemos as crises e que merecemos uma esperança.
Assim, foi também com a agenda proposta pelo Acordo dos Povos, que sintetiza a coincidência do que reivindicamos em acordos globais baseados na ciência, na equidade e na justiça. Recordemos algumas propostas elaboradas coletivamente:
- Os acordos devem estar dirigidos a limitar o incremento da temperatura no presente século a 1ºC, para reduzir os efeitos da mudança climática.
- É preciso buscar a redução dos gases de efeito estufa em 50%, no que diz respeito ao ano-base de 1990, para o segundo momento do compromisso contido no Protocolo de Kyoto, entre 2013-2017.
- Os países desenvolvidos possuem uma dívida climática com os países pobres, a mãe terra e as futuras gerações e devem honrá-la.
- Os fundos para enfrentar os impactos da mudança climática devem superar, a nível mundial, os orçamentos de defesa, guerra e segurança dos países desenvolvidos.
- Nenhuma instituição de interesse privado, como o Banco Mundial e outras, poderão intervir na gestão dos fundos para o clima que são de interesse público.
- Não se pode submeter a redução de emissões, o desmatamento e a degradação de bosques aos mecanismos de mercado. (Acordo dos Povos, abril de 2010)
A cada ano, os meios de comunicação dizem que desta vez se trata da “última oportunidade para salvar o planeta”. Até as palavras estão começando a se esvaziar em termos de conteúdo.
O que está em jogo em Durban não é a vida, porque esta já foi rifada há muito tempo. Verdadeiramente, o que está em jogo é a possibilidade de encontrar caminhos reais e coerentes para deter a catástrofe e semear a ética e a justiça nas bases de uma sociedade transformada, que supere conscientemente os mecanismos e o aparato da destruição global no dia a dia.
Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)
Nenhum comentário:
Postar um comentário