segunda-feira, 12 de abril de 2010

EM NITERÓI, CHUVAS REVELAM IMAGENS QUE OS GOVERNOS SEMPRE TENTARAM ESCONDER

O assustador número de mortes que não pára de crescer em Niterói, uma das
cidades até então consideradas de melhor qualidade de vida no Estado do Rio
de Janeiro, obriga a uma reflexão sobre a imagem que os governantes tentam
passar do município e a dura realidade das áreas periféricas, favelas e
bairros da zona norte.

Por Fatima Lacerda

Por parte das autoridades, daqueles que deveriam implementar e propor
soluções, até agora se ouviram apenas respostas prontas e evasivas. São
declarações que, inevitavelmente, responsabilizam os pobres pela tragédia
que já contabilizou centena e meia de mortos e a cada hora que passa, o
número aumenta.

“Quem mandou morar em área de risco?” – é a resposta mais comum e
previsível. Ora, ninguém espera que um prefeito ou governador tenha poderes
de super-herói. Que resolva as mazelas do adensamento das cidades e da falta
de estrutura urbana com varinha de condão. Não se trata disso. Mas que, pelo
menos, lance um olhar para a pobreza, elabore projetos de contenção de
encostas, melhore a limpeza e o recolhimento de lixo nessas áreas, discuta a
construção de casas populares e desenvolva propostas de urbanização.

No caso de Niterói, lugar onde vivo há 35 anos, onde nasceram e foram
criados meus filhos e neta, posso afirmar com pesar, mas sem risco de
cometer injustiça: as chuvas derrubaram os muros que separam as áreas nobres
dos morros, sempre escondidos, camuflados, completamente ignorados pelas
políticas públicas.

Quem vive na Zona Sul de Niterói tem dificuldade de enxergar as favelas.
Costumam ficar encobertas por muros, por árvores. A impressão que se tem e o
marketing que se vende da cidade é de que Niterói é uma região de classe
média e classe média alta, de pessoas brancas, muitas de sobrenome empolado,
descendentes de europeus, com razoável poder aquisitivo e bom nível de
instrução. A maioria dos niteroienses gosta de acreditar nessa farsa.

Mas basta chegar ao centro da cidade. Já no terminal de ônibus o asfalto
está cheio de buracos, enquanto a Praia de Icaraí está sempre impecável. A
iluminação na Zona Sul está ótima. Os jardins foram renovados. No entanto, a
tragédia que deixou à mostra as vísceras da cidade, que se orgulhava em
alardear sua alta qualidade de vida, dispensa palavras.

Não é preciso dizer que existem regiões completamente esquecidas, há anos,
onde as reivindicações dos moradores ficam nas gavetas, como já afirmaram os
representantes da Associação de Moradores do Morro do Estado que, nesta
quinta, em meio à comoção geral, realizam uma assembléia para tocar nessa
dolorosa ferida.

Diz-se que Niterói tem um bom programa de saúde nas comunidades, sendo
pioneira na adoção do “médico de família”, inspirado na experiência cubana.
Vá lá. Não é hora de avaliar criticamente a quantas anda o “médico de
família”. Mas por que não copiar outras políticas públicas de Cuba? O país
tem sido vítima de grandes tragédias naturais nos últimos anos, mas se
orgulha de ter um programa preventivo que tem evitado milhares de mortes.
Apesar do bloqueio econômico – o maior de todos os desastres – o recorde de
mortes por tragédias desse tipo em Cuba foi registrado em 2005, quando 16
pessoas perderam a vida, na passagem do furacão Dennis.

Nesse sentido, no contexto da região metropolitana do Rio, o município de
Niterói está mais para o Haiti do que para Cuba. No Haiti, recentemente,
morreram 200 mil pessoas, naquele que foi considerado o mais trágico
desastre já enfrentado pela ONU, em 60 anos de existência. Maior que o
tsunami na Ásia, em 2004. O terremoto do Haiti, na escala Ritcher, foi menor
que o do Chile. Mas o número de mortos foi infinitamente maior.

Então, não são apenas as forças da natureza. Esta não é uma tragédia sem
culpados. Hoje eu estou com vergonha da minha cidade. Do desgoverno da minha
cidade. Da invisibilidade a que têm sido relegados os mais pobres e os
bairros periféricos. A chuva derrubou os muros. Descobrimos que o Haiti
também é aqui. E agora, Sr. Prefeito?

Fonte: Fatima Lacerda é jornalista da Agência Petroleira de Notícias.

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