quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

DESCAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

Descaminhos da Revolução Brasileira: o PCB e a construção da estratégia nacional-libertadora (1958-1964)

Ricardo da Gama Rosa Costa*

Este artigo pretende desenvolver um breve exame crítico da atuação política, entre os anos de 1958 e 1964, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), então o principal partido da esquerda brasileira, buscando alguns elementos para melhor compreensão sobre as razões que levaram à derrota das esquerdas e dos movimentos sociais com o golpe de 1964. A análise foi centrada na “imagem do Brasil” que dirigentes e intelectuais ligados ao PCB construíram acerca da realidade brasileira naquele período histórico, quando o PCB, ao privilegiar o combate ao monopólio da terra exercido pelo latifúndio e ao imperialismo, vistos como parasitas da economia, baseou sua ação na estratégia nacional-libertadora, que demonstrou ser incapaz de hegemonizar os setores populares na resistência e na luta contra as frações mais dinâmicas da burguesia brasileira, as quais pretendiam, ao contrário de participar de um projeto nacionalista, garantir a plena afirmação do capitalismo monopolista no país.

O golpe perpetrado em 1964 pelas frações monopolistas das classes dominantes no Brasil foi responsável, dentre outras inúmeras consequências que deixaram marcas profundas na sociedade brasileira até os dias atuais, pelo início do desmonte, no seio do pensamento de esquerda, da chamada concepção dualista da realidade brasileira, que começou então a ser revista e gradualmente abandonada após a derrota imposta aos setores populares pelas forças de direita. A tese, na época hegemônica entre os opositores do capitalismo, havia produzido um projeto político marcado pela viabilidade de uma alternativa nacional ao imperialismo e pela aposta de que este movimento de libertação, no qual se destacava o viés nacionalista, poderia contar com a participação e até mesmo a condução da burguesia industrial nativa.

A burguesia brasileira, no entanto, manteve a aliança já alinhavada com o capital internacional, fazendo parte das articulações em torno do golpe civil-militar de 1964 e contribuindo para desbaratar o movimento de massas então em ascensão no país. A efervescência política e cultural experimentada pelos brasileiros em princípios da década de 1960 denotava a passagem para uma sociedade de tipo “ocidental”, para usar terminologia gramsciana, consolidando um processo que já se verificava nas décadas anteriores. O célere desenvolvimento capitalista no país criava novas situações de conflitos e contradições sociais que eram acompanhadas pela formação e dinamização de novos sujeitos coletivos, os aparelhos privados de hegemonia, possíveis de se identificar tanto nas organizações comprometidas com a formulação de projetos alternativos ao capitalismo, quanto nos grupos representativos das classes que agiam em favor da manutenção e do aprofundamento do sistema.

O quadro de uma clara socialização da política, com a participação de amplas camadas trabalhadoras, urbanas e rurais nos embates políticos do período, demonstrava ser este o verdadeiro fato novo na vida brasileira. Se a mobilização social não colocava imediatamente em xeque a ordem capitalista, não deixava de representar uma séria ameaça aos interesses das classes dominantes, pois poderia desaguar num processo profundo de reformas democráticas e sociais, de caráter anti-imperialista e antilatifundiário, conforme apontavam os movimentos articulados em torno das reformas de base (NETTO, 1998: 22­24). A resposta dos setores mais dinâmicos das classes dominantes, constituídos pela burguesia industrial e financeira monopolista, foi a preparação de um movimento reacionário para conter de pronto a ameaça que vinha das massas trabalhadoras, excluindo-as de qualquer possibilidade de participação em instâncias do aparelho estatal.

Todo este processo de embates políticos que explodiu no início da década de sessenta, redundando na solução de força adotada por setores da classe dominante, expressou o acirramento da luta de classes no Brasil, num quadro que pode ser descrito como o da “crise orgânica” indicada por Gramsci. Seu conteúdo foi a crise de hegemonia no interior da classe dirigente, provocada, entre outros fatores, pela ativa movimentação de amplas massas, as quais, em seu “conjunto desorganizado”, podiam fazer emergir uma situação revolucionária. No entanto, como afirma Gramsci, a crise cria situações imediatas perigosas, já que os diversos estratos da população não possuem a mesma capacidade de se orientar rapidamente e de se reorganizar com o mesmo ritmo (GRAMSCI, 2000: 60­61). Sendo assim, frações da classe dominante foram capazes de se articular para retomar o controle da situação e esmagar o seu adversário principal, impondo uma “solução orgânica” evidenciada na unificação de forças em torno de uma só direção, um único “partido”, eficaz na política repressiva necessária para afastar o “perigo mortal” naquele momento.

Esta solução representou o rearranjo das forças políticas no núcleo central do poder, ao desfazer o “pacto populista” existente, afastando os setores burgueses considerados ultrapassados para o modelo de desenvolvimento econômico que se pretendia fazer aprofundar. Através de seus aparelhos privados de hegemonia, com destaque para as associações empresariais e entidades como o IPES e o IBAD, além dos aparatos tipicamente coercitivos, como o Exército e a Escola Superior de Guerra, a burguesia monopolista organizou a difusão da ideologia anticomunista e do discurso do “perigo vermelho” que contagiou parcelas significativas das camadas médias, atraindo-as para o apoio ao golpe de 1964. Deste modo, a solução para a crise de dominação burguesa, inscrita num processo de “revolução passiva”, significou o desfechar de duro golpe no movimento operário em ascensão, para que a atualização do projeto capitalista se desse sem maiores obstáculos, garantindo a consolidação e a expansão do capitalismo monopolista no Brasil.

O PCB e a estratégia nacional-libertadora

As bases empíricas e teóricas adotadas para a elaboração da estratégia revolucionária do Partido Comunista Brasileiro, calcadas, respectivamente, numa interpretação imprecisa da realidade brasileira e na tradição do pensamento oriundo da III Internacional, acabaram por dificultar a capacidade de vislumbrar toda a preparação dos grupos fundamentais da classe dominante em direção ao golpe de Estado, por não permitirem enxergar as transformações estruturais na sociedade brasileira, responsáveis pela promoção de novos arranjos de classe, a prever a necessidade de uma nova forma de dominação burguesa no país.

O PCB, por um lado, com a Declaração de Março de 1958, havia imprimido importante mudança de rumo na sua linha política, ao reconhecer o desenvolvimento capitalista em curso dentro do país, ao mesmo tempo em que passava a perceber a importância de se lutar pela consolidação e ampliação da legalidade democrática, resgatando o papel da democracia, há muito negligenciada nas discussões internas. Tais conclusões passavam a indicar a necessidade da interferência dos comunistas nos rumos deste processo, organizando as pressões populares sobre o Estado, e apontavam ainda para a possibilidade real de se conduzir a revolução brasileira por meios pacíficos. Daí a participação cada vez maior do PCB junto aos movimentos nacionalistas e, em princípios dos anos de 1960, na campanha pelas reformas de base, compondo um amplo arco de alianças que apostava numa alternativa de desenvolvimento econômico anti-imperialista.

Por outro lado, os dirigentes do PCB ainda viam como necessária a ultrapassagem dos “resquícios feudais” que insistiam em identificar na realidade brasileira, o que os mantinham presos à perspectiva etapista da plena realização do capitalismo como forma de iniciar a transição para a sociedade socialista. Havia a firme compreensão de que o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil entraria em choque com a exploração imperialista, fazendo aprofundar a contradição entre as forças nacionais e progressistas em crescimento e o imperialismo norte-americano, visto como principal obstáculo para a sua expansão.

A etapa da revolução brasileira, naquele momento histórico, seria, portanto, principalmente, nacional e anti-imperialista e, secundariamente, em favor do desenvolvimento das forças produtivas para ultrapassar a sobrevivência das relações “feudais” e “escravistas” no campo. Disso resultava a estratégia centrada na formação de uma frente única nacionalista e democrática, partindo do princípio segundo o qual o embate central se daria entre nação e povo contra interesses imperialistas estrangeiros e não entre proletariado e burguesia.

É preciso levar em consideração que o ambiente intelectual das esquerdas no pré­64, tendo o PCB como centro hegemônico, mas incluindo socialistas, trabalhistas, nacionalistas e desenvolvimentistas que se opunham ao domínio imperialista, só fazia estimular a crença na viabilidade de um projeto nacional autônomo no âmbito do capitalismo, num contexto internacional reforçado pelas vitórias dos movimentos de libertação nacional na Ásia e na África e da Revolução Cubana.

Não se tornara ainda perceptível para muitos a inevitabilidade da associação dos capitais privados nacionais com os monopólios estrangeiros, como uma tendência inerente à conjuntura econômica caracterizada pelo aprofundamento das relações capitalistas no Brasil e no mundo. Na avaliação de Ricardo Bielschowsky:

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