Ainda no século 19, ilustres homens, diante daquelas transformações pelas quais passavam a Europa ocidental, que anunciavam o começo de uma nova era – a modernidade –, levaram as contradições que viam diante de seus olhos às últimas consequências. Viram que proprietários e não proprietários constituem uma antinomia. A existência de um é a condição de existência do outro, assim como a extinção do segundo pressupõe a supressão do primeiro. Proprietários e não proprietários, portanto, só existem mutuamente; só podem existir no interior de uma unidade na qual os dois polos da mesma se determinam reciprocamente. E esta formulação nada mais seria do que a explicação no campo da abstração de toda aquela desordem social reinante – camponeses expropriados de suas terras, trabalhadores adoentados em decorrência das brutais jornadas de trabalho às quais eram submetidos, desempregados, etc. O desenvolvimento desta contradição – isto é, da luta entre esses contrários, essencialmente com interesses opostos – iria, na opinião de alguns deles, desembocar num movimento que acabaria por revogar a contradição entre os dois polos – proprietários e não proprietários – ao revogar o direito de propriedade. A supressão dessa contradição concreta iria ser o solo sobre o qual uma nova sociedade – organizada agora estritamente para satisfazer as necessidades humanas de todos – poderia florescer. A essa sociedade em que não mais existiriam os que trabalham e os que vivem do trabalho alheio, Karl Marx e Friedrich Engels, chamaram de socialismo.
É bem verdade que as tentativas de edificação desta sociedade, ao longo do século 20, foram assaz problemáticas. E as causas – e as explicações – são as mais diversas. Mas, por outro lado, este fato em si não revogou as condições por meio das quais a luta entre os dois polos separados pela propriedade se efetua. Mesmo que esta cesse por um tempo em um ponto, se agudize em outro, a condição de sua existência – isto é, a propriedade – continua a existir, e de modo até bastante dramático, haja vista a brutal concentração de riqueza vigente nos quatros cantos do planeta. A possibilidade da sua supressão, portanto, continua – em potencial – nas mãos dos não proprietários – o outro polo antinômico. Por mais que a pulverização destes nos dias de hoje tenha atingido níveis bastante elevados – e esta seria uma condição para a sua não identificação enquanto classe que compartilha de interesses comuns –, tal fato não o anula enquanto classe, enquanto não proprietários. O catador de latinha, o guardador de carro, o vendedor de cachorro-quente, o ambulante da praia ou o camelô da praça, todos estes, muitos dos quais exilados da economia formal para todo o sempre, constituem, junto com o trabalhador precário do mundo contemporâneo – o operador de telemarketing, o comerciário, bem como o operário da construção civil ou das docas –, os despojados de propriedade que têm como única opção para sobreviver sujeitar-se às condições que lhes são impostas pela condição de propriedade – como a informalidade e todo o seu perverso efeito, o desemprego, etc.
Logo, bem diferente do que a realidade nos mostra, embora nem sempre de modo imediato, a contradição continua viva, e a palavra crise – que nada mais é do que a expressão mais condensada do conflito antinômico mencionado – volta e meia povoa o noticiário, sendo causa de muita dor de cabeça para os políticos – por exemplo – quando estes se veem compelidos a impor ajustes e têm que enfrentar a ira da população de não proprietários quase sempre sacrificada pelas chamadas medidas de austeridade. E é aqui – portanto – que reside a importância deste 25 de março. Como cérebro que precisa e intervém nessa realidade polarizada, com a consciente intenção de desenvolver a antítese vislumbrando no horizonte a supressão da sua existência, que o Partido Comunista Brasileiro precisa ser – neste dia – parabenizado, pela persistência de seus militantes, pela sua história (de erros e acertos, como reconheceu o seu secretário-geral no último programa de TV), que sempre foi e será – como anunciam entusiasticamente seus representantes – a da luta pelo socialismo, sendo este entendido não como um ideal demagógico (como também denunciou seu programa) mas como o terreno sobre o qual ao abolir-se a supremacia do interesse privado, e instaurar-se o reino onde impera exclusivamente a satisfação das necessidades humanas, não deixará apenas de existir a escassez, a miséria, a violência etc mas também tudo aquilo que é intrinsecamente ligado à propriedade – a inveja, a ambição, a usura etc. Estará dada, portanto, a partir do plano concreto, a condição para o surgimento de um novo homem, isto é, para a explicitação total da humanidade do homem com o cessar das desumanidades que carregavam em si o DNA da propriedade.
Rogério Castro é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário