terça-feira, 25 de outubro de 2011

MÁFIA DA MERENDA

Máfia da Merenda leva De Nadai
à beira de nocaute econômico
DANIEL LIMA 24/10/2011

http://www.capitalsocial.com.br/administracao-publica/mafia-da-merenda-leva-de-nadai-a-beira-de-nocaute-economico/

O Grupo De Nadai, liderado pelo empresário Sérgio De Nadai, recorreu ao Judiciário para evitar insolvência econômica. A sentença do juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, Daniel Carnio Costa, favorável à medida, evitou o pior para a Convida Alimentação e a De Nadai Alimentação e Serviços.
A situação das duas empresas do Grupo De Nadai, sediado em São Paulo mas com histórico na Província do Grande ABC, está intimamente relacionada à Máfia da Merenda, descoberta há dois anos pelo Ministério Público Estadual. O Grupo De Nadai está atolado até o pescoço nas irregularidades.
Sérgio De Nadai transformou-se ao longo dos anos em espécie de celebridade provinciana. Frequentava com assiduidade altas rodas de figurinhas carimbadas do colunismo social da Capital, fauna composta de deslumbrados do mundo empresarial, exemplares da aristocracia paulistana pouco vistosos intelectualmente, jogadores de futebol, extravagantes novos-ricos, gente de televisão como Hebe Camargo e um até recentemente inseparável companheiro de eventos empresariais, João Dória Júnior, entre outros, muitos dos quais benfeitores de quinquilharias e que se autointitulam gente do bem.
Sérgio De Nadai também era frequentador assíduo também do colunismo social da Província, principalmente do Diário do Grande ABC. Uma proximidade antiga. Chegou a trabalhar como auxiliar de colunista social naquele jornal, em meados dos anos 70.
A derrocada do Grupo De Nadai, atingido em cheio pelas denúncias, se consumou em 12 de maio deste ano, quando a Justiça determinou o bloqueio de R$ 110,2 milhões em bens do ex-prefeito de Jandira (SP), Paulinho Bururu (PT), e de outros 11 acusados em ação de improbidade e formação de cartel no fornecimento de merenda escolar. A Convida e a De Nadai Alimentação integram a relação.
Muito antes disso o Grupo De Nadai vinha sentindo as consequências das denúncias. O relacionamento comercial com o Poder Público sofreu avarias. Instaurou-se o que é de pior para quem mantém contratos com prefeitos, principalmente: a atração de holofotes indesejáveis às obscuridades nem sempre palatáveis a esferas de investigação criminal. Principalmente do Ministério Público Estadual.
A decisão de bloquear os bens dos envolvidos na Máfia da Merenda foi tomada pelo juiz Seung Chul Kim, da 1ª Vara de Jandira. Ele ordenou o sequestro de valores no montante equivalente ao prejuízo ao Tesouro municipal para assegurar ressarcimento do dano e evitar dissipação de acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.
Três promotores de Justiça subscreveram a ação: Sílvio Marques, José Augusto de Barros Faro e Arthur Pinto de Lemos Júnior, especialistas no combate à corrupção: “As provas produzidas em mais de dois anos de investigação mostram cabalmente que houve verdadeira ladroagem de recursos públicos que deveriam ser utilizados na alimentação de crianças da rede municipal de ensino”.
O Ministério Público Estadual projeta que a Máfia da Merenda já pagou R$ 100 milhões em propina a funcionários municipais desde 2001, quando o esquema teria sido desenvolvido na Capital.
Ao todo, porém, mais de R$ 280 milhões teriam sido movimentados em notas frias em 57 cidades e dois governos estaduais. O cálculo foi feito a partir de documentos apreendidos em ações realizadas pela Promotoria e pelas Polícias Civil e Federal nas sedes das empresas investigadas e, em alguns casos, nas residências dos suspeitos.
As investigações também apontaram que a Máfia da Merenda já pagou repasses de R$ 600 mil mensais referentes a acordos firmados na Capital. Em alguns casos, o dinheiro foi entregue, em mãos, aos servidores envolvidos. No Interior do Estado, há relatos de remessas entregues diretamente a prefeitos.
Uma proteção judicial
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade de Bologna, na Itália, o professor Ecio Perin Junior explica que a Lei de Recuperação Judicial tem como objetivo maior preservar a função social da empresa para facilitar a retomada da atividade econômica. “Uma boa lei, mas com um nó que precisa ser desatado para cumprir os objetivos que levaram à sua criação” — eis a definição do Ecio Perin Junior, também vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, sobre a Lei 11.101, que está completando seis anos e que, segundo afirma, tenta estreitar os limites entre o interesse público na preservação da empresa e do emprego e o interesse privado dos credores dessa mesma empresa em crise.
O nó ao qual se refere Ecio Perin Junior é o parágrafo 3º do artigo 49, que exclui dos efeitos da recuperação judicial os créditos fiduciários de bens móveis e imóveis. São créditos normalmente em poder de instituições financeiras. Na maioria das vezes a ressalva beneficiar os bancos, embora não fique claro como isso pode beneficiar também devedor e credores, que mais do que nunca precisariam contar com todos os recursos disponíveis na tentativa de encontrarem uma saída para a crise em que se encontram.
Numa entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Ecio Perin Junior explicou que a legislação é considerada importante ferramenta para evitar que empresas ainda com potencial produtivo fechem as portas definitivamente. Ele considera a falência uma exceção e, pelo menos em tese, deveria dar a credores e devedores plenas condições de negociarem a melhor forma de resolução de conflitos. O especialista opõe-se a interpretações contundentes contra a legislação: “Pelo contrário, a lei dá a oportunidade ao empresário em crise econômico-financeira de tentar encontrar uma alternativa segura para a sua recuperação”.
Cronologia do crime
Foi em fevereiro de 2009 que se tornaram públicas as investigações sobre as irregularidades na merenda em São Paulo. A Prefeitura abriu investigação e afastou funcionários envolvidos. Um mês depois, em 11 de março, a testemunha X, como foi chamada pela promotoria, foi ouvida em depoimento e acusou cinco empresas de terem se reunido para formar um cartel. Seus representantes teriam procurado um político em 2001 e oferecido R$ 1 milhão para a campanha dele, além de pagamentos mensais para um integrante da Secretaria Municipal de Abastecimento. Iniciou-se ali uma parte da terceirização da merenda municipal. Outras prefeituras paulistas, segundo a testemunha, aceitaram propostas semelhantes.
Havia um código de ética entre as empresas — relatou o Estadão. Quem convencesse uma Prefeitura a terceirizar a merenda teria o direito de ficar com o contrato naquela cidade. As demais empresas só participariam da licitação para cumprir as formalidades legais. Ainda segundo o relato da testemunha ouvida pelo Ministério Público, os pagamentos de propina a fiscais e autoridades em São Paulo continuaram. Até que a terceirização da merenda chegou a 70% das escolas da Capital.
No final de junho de 2009 jornais da Capital (veículos locais sempre evitaram publicar o assunto) noticiaram que o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira, investigava os contratos firmados pelas gestões de Marta Suplicy (PT), de José Serra (PSDB) e de Gilberto Kassab (DEM), envolvendo a terceirização da merenda escolar. A apuração, relatada na edição de 25 de junho do Estadão, começou após depoimento de uma testemunha, de identidade mantida sob sigilo, que forneceu detalhes de suposto esquema de corrupção que envolveria financiamento ilegal de campanha política e pagamento mensal de propina a fiscais e outras autoridades.
O procurador-geral Fernando Grella anunciou naquela data que nomeou um assessor, Sérgio Turra Sobrane, homem de vasta experiência em investigações sobre improbidade administrativa, para apurar o caso.
Preços inflados demais
Na edição de 8 de julho de 2009 o Estadão publicou mais informações sobre o caso, sob o título “Merenda mais cara em SP é alvo de MP”. A reportagem explicava que com orçamento de R$ 202 milhões, menos da metade dos R$ 464 milhões previstos pela Prefeitura de São Paulo para a merenda escolar em 2009, o governo do Estado gerenciava direta ou indiretamente 700 milhões de refeições por ano — mais que o dobro das refeições fornecidas por ano na rede municipal (320 milhões). A disparidade levantou suspeitas do Ministério Público Estadual até chegar ao cartel de fraudes e corrupção.
Ainda segundo o jornal paulistano, o cardápio era semelhante, em sua maior parte, nas duas principais redes de ensino público paulistas, embora contassem com modelos diferentes. Na Prefeitura, o fornecimento da merenda foi terceirizado, enquanto no Estadual as escolas recebem os alimentos comprados de forma direta. O promotor Silvio Antonio Marques, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público da Capital, não via explicações para a disparidade de valores gastos pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo do Estado.
Encarregado da apuração na esfera cível, Silvio Marques negou naquele julho de 2009 que tivesse preferência ideológica sobre os dois métodos de contratação (direta e terceirizada). “Meus únicos focos nesse caso são os princípios de boa administração e gestão da coisa pública” — disse.
O promotor começou a se opor à terceirização da merenda depois de investigar por quase dois anos o contrato firmado pela Prefeitura de São Paulo com seis fornecedores. “Há dois cartéis que disputam esse mercado e o Ministério Público é contra os dois” — afirmou.
Uma semana depois, em 15 de julho de 2009, os jornais de São Paulo publicaram que a Prefeitura de São Paulo prorrogara contratos suspeitos da merenda. “A gestão Gilberto Kassab (DEM) prorrogou ontem os contratos de fornecimento da merenda escolar de São Paulo com as empresas investigadas pelo Ministério Público Estadual sob suspeita de conluio, superfaturamento de preços e má qualidade dos serviços”, escreveu a Folha de S.Paulo. A explicação do prefeito: as contratações firmadas em 2007 acabaram sem que a Prefeitura tivesse conseguido concluir uma nova concorrência.
Autoridades negaram tudo
A Folha de S. Paulo de 6 de agosto de 2009 abriu a manchete “Kassab e Serra negam propina na merenda”. A reportagem afirmava que o prefeito Gilberto Kassab e o então governador José Serra negaram a existência do esquema de propinas para manutenção de contratos da merenda escolar. Serra garantia que não houve irregularidades durante a gestão à frente da Prefeitura. Kassab foi mais enfático: “Existem denúncias no Brasil inteiro de que empresas vinculadas à merenda tenham uma ação nefasta em relação ao uso de recurso público. Aqui em São Paulo felizmente isso não acontece”.
Somente em novembro de 2009 uma empresa envolvida na Máfia da Merenda assumiu a irregularidade. “Fornecedora de merenda de SP admite uso de empresas fantasmas”, foi a manchete do Estadão de 23 de novembro. Alguns dos trechos mais importantes:
Uma rede de empresas fantasmas, laranjas e notas fiscais frias envolve uma das maiores fornecedoras de refeições prontas do País, a Geraldo J. Coan & Ltda. Investigação feita pelo Estadão descobriu que o imóvel onde deveria funcionar um representante da Coan abriga uma igreja evangélica. Dados bancários indicam depósitos periódicos da Coan nas contas de empresas fantasmas.
Tudo confirmado pelo Ministério Público Estadual a tal ponto que a empresa se viu obrigada a admitir sonegação fiscal. Promotores, no entanto, desconfiam de que o esquema tinha outra serventia: disfarçar o pagamento de propina a autoridades municipais. Foi também no final de novembro de 2009 que se teve a dimensão da Máfia da Merenda. O Estadão revelou que conversas gravadas por policiais mostraram supostos pagamentos das empresas para prefeituras de sete partidos políticos (PT, PMDB,PR, DEM, PPS e PSDB). Foram citados 30 municípios.
Em 2 de julho de 2010, o Ministério Público Estadual afirmou ter identificado os responsáveis nas gestões Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab pelo recebimento de propina paga pela Máfia da Merenda. Os anunciados suspeitos seriam dois secretários municipais, cujos nomes foram mantidos em sigilo. O MP já fazia cálculos sobre o total de propina supostamente paga pelas empresas: chegaria a R$ 300 milhões. O MP revelou também novas fórmulas de atuação da Máfia da Merenda: durante as campanhas eleitorais, funcionários das empresas identificavam os candidatos mais bem colocados nas pesquisas, dos quais se aproximavam e ofereciam doações para a campanha. Os eleitos, então, eram procurados e aderiam ao esquema. “Os maiores prejudicados eram os alunos, que, além de tudo recebiam comida de baixa qualidade e até vencida”, disse o promotor Silvio Marques.
Em 2 de abril deste ano, o Estadão repetia em manchete reportagem publicada anteriormente, sob o título “Investigação sobre Máfia da Merenda mostra atuação em três gestões de SP”, mas com uma novidade: o empresário Genivaldo Marques dos Santos, sócio da empresa Verdurama, uma das envolvidas no esquema. Em 26 de março de 2010 ele compareceu pela primeira vez acompanhado de dois advogados ao MPE para contar detalhes do esquema. Começava a delação premiada (negociação com a Justiça para reduzir a pena em troca de informações privilegiadas).
Somente em 5 de abril deste ano foi conhecida a extensão da Máfia da Merenda, definida em título de reportagem do Estadão: “Máfia da merenda pagou propina em 57 prefeituras e 2 governos estaduais”.
Irregularidades esquecidas
A revista IstoÉ de 9 de julho de 2000 — portanto há mais de 11 anos — publicou Reportagem de Capa que denunciava as relações consideradas suspeitas do governador Mário Covas com empresas de compadres e amigos. A De Nadai Alimentação, de Sérgio De Nadai, ocupou vasto espaço. Uma foto do empresário, sorridente e abraçado ao governador, ganhou amplo destaque.
Alguns trechos da matéria:
O empresário Sérgio de Nadai é um antigo companheiro do governador e, embora nunca tenha feito parte do governo, está na alça de mira do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e do MP (Ministério Público). Ele é um dos diretores da De Nadai Alimentação, empresa que fornece alimentação para os prisioneiros da Casa de Detenção de São Paulo e para internos da Febem. Nos últimos anos, a De Nadai pôde festejar como poucas o sucesso financeiro. Em 1994, quando Covas foi eleito, a empresa registrava um capital de R$ 197 mil. Em janeiro de 1998, o capital era de R$ 4 milhões. Nesse período, a De Nadai manteve inúmeros contratos sem licitação com o governo paulista. (…).
“Essas coincidências precisam ser muito bem investigadas”, diz Antônio Roque Citadini, conselheiro do TCE. “Parece que o governo força situações de emergência”. Em 15 de março, ele determinou que fosse feita auditoria em todos os contratados da De Nadai, como a Casa de Detenção em São Paulo. (…) O amigo de Covas faz coro com o governador ao dizer que a amizade entre eles influencia os contratos.
Responsabilidade social
Poucos meses antes da reportagem da IstoÉ, o Diário do Grande ABC abriu manchete de página (”De Nadai é exemplo, diz Fiesp”), para noticiar a certificação de responsabilidade social SA 8000 entregue à empresa. O então presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, disse: “A De Nadai é um modelo a ser seguido pelas demais empresas do Estado”. O evento realizado na Fiesp reuniu o governador Mário Covas, prefeitos e secretários do Grande ABC, deputados e secretários estaduais, entre outros convidados — relatou o jornal.
Um pouco mais adiante, mas antes da reportagem da IstoÉ, Sérgio De Nadai virou manchete da página de Economia do Diário do Grande ABC, outra vez. “Não entro em caixa de campanha” foi o título escolhido para definir a entrevista com o empresário.
Alguns trechos da matéria:
O proprietário da De Nadai Alimentos, de Santo André, Sérgio De Nadai, afirmou, durante entrevista exclusiva ao Diário, que o processo licitatório que lhe concedeu o direito de fornecer alimentação a instituições e entidades públicas, diferente do que vem sendo especulado, não dá margem a facilitações de nenhum tipo, mesmo sendo ele amigo declarado do governador do Estado, Mário Covas. De Nadai conta ainda algumas peculiaridades de seu trabalho, de como funciona o sistema de abastecimento das penitenciárias e de como se sente fornecendo alimentação aos presidiários, mesmo sendo uma pessoa vulnerável a assaltos e tendo parentes que já sofreram agressões e foram mortos em decorrência de violência.
Desde que explodiu o escândalo da Máfia da Merenda, Sérgio De Nadai não concede entrevistas. Fechou-se a informações. Foge da imprensa. Anda ausente até mesmo de muitos encontros sociais. Quebrou uma rotina dos últimos anos. Os amigos sempre abundantes em tempos de vacas gordas começaram a rarear. O governador Geraldo Alckmin guardaria distância dele. Outros membros do tucanato paulista, igualmente no entorno de parentes de Mário Covas, passaram a evitá-lo.
Diferentemente do caso das marmitas de presídios, de rumo ignorado, a tendência é de Sérgio De Nadai viver tempos muito difíceis de recuperação judicial. A conjuntura política e, mais que isso, o rol de provas que confirmam as irregularidades, seriam inapeláveis. O Grupo De Nadai teria desandado na Máfia da Merenda. Ao deixar o anonimato, levado pela vaidade exacerbada, Sérgio De Nadai despertou atenção redobrada. Nada pior para a gelatinosa atividade político-partidária dividir o palco com parceiros operacionais que caem em desgraça.

Um comentário:

  1. me explica que esta acontecendo,com o grupo denadai ea máfia da merenda.

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