quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O CHILE SE REENCONTRA NAS RUAS

Mobilização da juventude do Chile por reforma drástica no sistema
educacional herdado de Pinochet --a favor da universalização do ensino
público totalmente gratuito e de qualidade, põe em xeque a supremacia
da lógica de mercado instaurada no país desde o golpe sangrento de
1973.A educação é o ponto de convergência desse reencontro dos
chilenos com o debate sobre o seu presente e o seu futuro. Diz
respeito não apenas ao destino das novas gerações. Mas à sociedade na
qual se deseja viver e aos valores compartilhados sobre os quais ela
deve se sustentar. O sistema educacional chileno trazido do
pinochetismo diz que o presente e o futuro são mercadorias que devem
gerar lucro. Não há exceção à bíblia neoliberal implantada avant la
lettre no Chile, em 1973: a sorte e o destino da sociedade devem ser
modelados pela inexcedível capacidade dos mercados de alocar fatores
ao menor custo, com maior eficiência. A democracia é um adereço da
eficiência autorregulável. A universidade e todo aparato escolar –
seus currículos e critérios de acesso-- devem servir à engrenagem no
propósito de adestrar corações e mentes para a demanda mercantil . Não
há pertinência em debater um projeto de país. Tampouco espaço para uma
universidade que reflita, pesquise e opine sobre a democracia e o
desenvolvimento. No Chile não há universidade pública porque não há
soberania democrática sobre o interesse público. As famílias pagam
pela mercadoria educacional, assim como foram instadas a privatizar a
sorte da velhice e demais instâncias da vida social. Não por acaso, o
desinteresse pela vida política só fazia crescer no país. Dos 12,2
milhões de chilenos maiores de 18 anos, só 7,2 milhões votaram no
pleito de janeiro de 2010 que elegeu o bilionário direitista Sebástian
Pinera. A participação de chilenos com menos de 30 anos de idade no
escrutínio foi de apenas 9,2%, contra 35% em 1988. A plataforma dos
estudantes vocaliza um sentimento crescente de que a captura da esfera
pública pelo lucro privado não serve mais aos chilenos. Desde a semana
passada, em bairros de classe média de Santiago, como Nunoa, as noites
são de panelaços em apoio aos estudantes. Os mineiros do cobre estão
em greve pela participação na renda de um negócio milionário que
destina 10% do lucro ao Exército. Há poucos dias, o trânsito de
Santiago foi interrompido por um movimento espontâneo de passageiros
cansados dos atrasos de um sistema de transportes desregulado. A
paradoxal vitória de um Presidente egresso do pinochetismo há pouco
mais de 18 meses –saudado pela mídia reacionário brasileira como
sintoma de guinada na América Latina, que hoje conta com apenas 26% de
apoio na opinião pública-- apenas confirma a percepção de uma ruptura
em marcha. Se há tão pouco tempo a sociedade chilena não encontrava
alternativa melhor para governa-la hoje esse vácuo foi superado : o
Chile se reencontrou nas ruas. Nelas sedimenta um novo rosto e um novo
ciclo na vida política do país. Toda América Latina ganha com isso.
(Carta Maior; 4º feira, 10/08/ 2011)

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