por Thierry Meyssan
Neste princípio do Ramadão, a operação militar da NATO na Líbia afunda-se na mais total confusão, observa Alexis Crow. A analista da Chatham House especializada no estudo da Aliança Atlântica foi um dos primeiros peritos de think tanks ocidentais a tratar publicamente do papel da Al Qaida no seio das "forças rebeldes". Hoje ela é a primeira a dizer com uma franqueza brutal: os dirigentes políticos da Aliança abandonaram seus objectivos de guerra, os oficiais e os oficiosos. Eles não têm uma estratégia alternativa propriamente dita, além da procura de uma saída da crise que lhes permita manter a cabeça alta. Como é evidente, já não é simplesmente o estado-maior francês, mas também Londres, que se inquieta por ver as suas forças atoladas na Líbia sem solução à vista.
A "protecção das populações civis" nunca passou de um slogan desligado da realidade. Mas para a NATO não se trata mais de "mudar o regime em Tripoli", nem mesmo de dividir o país em dois Estados distintos tendo como capitais Tripoli e Bengazi. No máximo, Bruxelas espera obter um estatuto de autonomia para alguns enclaves.
Consciente do desastre político-militar, Washington procura uma saída negociada, fazendo saber que não é porque a NATO perdeu a guerra que ela deve cessar seus bombardeamentos. O tempo jogo em nosso favor, afirmam os emissários estado-unidenses, enquanto o Conselho Nacional de Transição esvazia as contas bancárias da Jamahiriya congeladas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Seja como for, se Washington enganou-se e não conseguir restabelecer a situação é porque não compreende nada do comportamento dos líbios. Intoxicados pela sua própria propaganda, os Estados Unidos acreditavam enfrentar uma ditadura centralizada e vertical e descobrem um sistema horizontal e opaco no qual o poder está pulverizado, inclusive o da autoridade militar. Eles encontram-se em diversas capitais com numerosos emissários cuja representatividade não chegam a medir. E na base de tudo, nada compreendem das reacções de Muamar Kadafi, desconcertante, que está – ele também – persuadido que o tempo joga a seu favor.
A estratégia ocidental era simples: aproveitar da normalização da Líbia e da sua abertura económica para constituir uma classe de golden boys e tecnocratas líbios que acabariam por preferir o American Way of Life ao invés do Livre Verde. Uma vez alcançada a maturidade deste processo, a CIA organizou os acontecimentos de Bengazi e a sua deformação mediática. Os franceses e os britânicos foram postos à frente, com o seu discurso humanitário, tendo em vista uma possível acção no terreno que tivesse necessidade de carne de canhão. O Conselho Nacional de Transição foi criado recuperando membros americanizados da classe dirigente, acrescentando velhos exilados organizados pela CIA desde a queda monarquia mais combatente da Al Qaida enquadrados por uma facção saudita.
Se bem que de aparência heteróclita, esta coligação repousa sobre a história comum dos indivíduos que a compõem. A maior parte tem trabalhado para os Estados desde há muito e mudou várias vezes de pertença política ao sabor das mudanças tácticas que Washington lhes ordenava. Muitos são secretamente membros da confraria dos Irmãos Muçulmanos.
Fiel ao Livre Verde, Muamar Kadafi acentou conscientemente esta fractura de classe anunciando a 22 de Fevereiro a dissolução de vários ministérios e a distribuição do seu orçamento em partes iguais entre todos os cidadãos (ou seja, 21 mil dólares por pessoa). Vendo o "Irmão Guia" retomar seu projecto anarquizante, os privilegiados que se enriqueceram durante a abertura económica tiveram medo. Alguns optaram por fugir para o Ocidente com a sua família e o seu pecúlio, outros acreditaram numa vitória rápida da Aliança Atlântica e alinharam-se com o CNT, esperando governar a Líbia de amanhã.
Para realizar esta insurreição colorida, Washington dispunha de uma única carta: a defecção de um dos companheiros de Muamar Kadafi, o general Abdel Fatah Yunes, ministro do Interior. Foi a sua viragem que tornou possível a transformação desta operação de desestabilização política em aventura militar. Ora, o assassinato do general Yunes pelos seus rivais, em 28 de Julho de 2011, provoca o colapso do "exército rebelde" e revela o carácter artificial do Conselho Nacional de Transição.
Existem hoje mais de 70 grupos armados ditos "rebeldes". Quase todos reconheciam a autoridade de Abdel Fatah Yunes, o qual tentava coordená-los. Desde o anúncio da sua morte, cada um destes grupos retomou a sua autonomia. Alguns, que criaram o seu próprio governo, tentam fazer-se reconhecer por Estados membros da coligação – nomeadamente o Qatar – ao mesmo nível que o CNT. Cada localidade tem o seu senhor da guerra que quer proclamá-la independente. Em poucos dias, a Cirenaica "iraquizou-se". O caos é tamanho que o próprio filho do general Yunes, aquando das suas exéquias, apelou ao retorno de Kadafi e da bandeira verde, único meio segundo ele de restabelecer a segurança das populações.
De imediato, basta escutar as intervenções de Muamar Kadafi para compreender a sua estratégia. Enquanto as ruas de Begazi se esvaziaram, gigantescas manifestações populares são organizadas nos quatro cantos da Tripolitania e do Fezzam para apupar a NATO. O "Grande Irmão" nelas intervém por alto-falantes e diálogo com a multidão. Ele explica que uma trégua rápida seria feita em detrimento da unidade nacional, ao passo que o prosseguimento da guerra dá o tempo para deitar abaixo o poder ilegítimo do CNT e portanto para preservar a integridade territorial da Líbia. O coronel Kadafi, que já alinhou consigo as tribos, entende agora alinhar consigo os indivíduos que ainda apoiam o CNT. Nas suas intervenções áudio apela aos seus concidadãos a que se preparem para libertar as cidades ocupadas. Deverão deslocar-se em multidão, sem armas, para retomar o controle dos bolsões "rebeldes" de maneira não violenta.
Muamar Kadafi, que já venceu politicamente o poder aéreo da NATO, pensa poder vencer também politicamente no terreno os "rebeldes".
Nesta situação inextricável, em que a maior parte dos protagonistas não sabem o que fazer, os reflexos substituem o pensamento. Os partidários do Livro Verde entendem aproveitar a fuga dos tecnocratas para retornar aos fundamentos da Revolução; aqueles que, em torno de Saif el-Islam, acreditavam poder casar o kadafismo e a globalização negociam com seus amigos ocidentais; e a NATO bombardeia mais uma vez os sítios que já havia bombardeado ontem e anteontem.
A "protecção das populações civis" nunca passou de um slogan desligado da realidade. Mas para a NATO não se trata mais de "mudar o regime em Tripoli", nem mesmo de dividir o país em dois Estados distintos tendo como capitais Tripoli e Bengazi. No máximo, Bruxelas espera obter um estatuto de autonomia para alguns enclaves.
Consciente do desastre político-militar, Washington procura uma saída negociada, fazendo saber que não é porque a NATO perdeu a guerra que ela deve cessar seus bombardeamentos. O tempo jogo em nosso favor, afirmam os emissários estado-unidenses, enquanto o Conselho Nacional de Transição esvazia as contas bancárias da Jamahiriya congeladas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Seja como for, se Washington enganou-se e não conseguir restabelecer a situação é porque não compreende nada do comportamento dos líbios. Intoxicados pela sua própria propaganda, os Estados Unidos acreditavam enfrentar uma ditadura centralizada e vertical e descobrem um sistema horizontal e opaco no qual o poder está pulverizado, inclusive o da autoridade militar. Eles encontram-se em diversas capitais com numerosos emissários cuja representatividade não chegam a medir. E na base de tudo, nada compreendem das reacções de Muamar Kadafi, desconcertante, que está – ele também – persuadido que o tempo joga a seu favor.
A estratégia ocidental era simples: aproveitar da normalização da Líbia e da sua abertura económica para constituir uma classe de golden boys e tecnocratas líbios que acabariam por preferir o American Way of Life ao invés do Livre Verde. Uma vez alcançada a maturidade deste processo, a CIA organizou os acontecimentos de Bengazi e a sua deformação mediática. Os franceses e os britânicos foram postos à frente, com o seu discurso humanitário, tendo em vista uma possível acção no terreno que tivesse necessidade de carne de canhão. O Conselho Nacional de Transição foi criado recuperando membros americanizados da classe dirigente, acrescentando velhos exilados organizados pela CIA desde a queda monarquia mais combatente da Al Qaida enquadrados por uma facção saudita.
Se bem que de aparência heteróclita, esta coligação repousa sobre a história comum dos indivíduos que a compõem. A maior parte tem trabalhado para os Estados desde há muito e mudou várias vezes de pertença política ao sabor das mudanças tácticas que Washington lhes ordenava. Muitos são secretamente membros da confraria dos Irmãos Muçulmanos.
Fiel ao Livre Verde, Muamar Kadafi acentou conscientemente esta fractura de classe anunciando a 22 de Fevereiro a dissolução de vários ministérios e a distribuição do seu orçamento em partes iguais entre todos os cidadãos (ou seja, 21 mil dólares por pessoa). Vendo o "Irmão Guia" retomar seu projecto anarquizante, os privilegiados que se enriqueceram durante a abertura económica tiveram medo. Alguns optaram por fugir para o Ocidente com a sua família e o seu pecúlio, outros acreditaram numa vitória rápida da Aliança Atlântica e alinharam-se com o CNT, esperando governar a Líbia de amanhã.
Para realizar esta insurreição colorida, Washington dispunha de uma única carta: a defecção de um dos companheiros de Muamar Kadafi, o general Abdel Fatah Yunes, ministro do Interior. Foi a sua viragem que tornou possível a transformação desta operação de desestabilização política em aventura militar. Ora, o assassinato do general Yunes pelos seus rivais, em 28 de Julho de 2011, provoca o colapso do "exército rebelde" e revela o carácter artificial do Conselho Nacional de Transição.
Existem hoje mais de 70 grupos armados ditos "rebeldes". Quase todos reconheciam a autoridade de Abdel Fatah Yunes, o qual tentava coordená-los. Desde o anúncio da sua morte, cada um destes grupos retomou a sua autonomia. Alguns, que criaram o seu próprio governo, tentam fazer-se reconhecer por Estados membros da coligação – nomeadamente o Qatar – ao mesmo nível que o CNT. Cada localidade tem o seu senhor da guerra que quer proclamá-la independente. Em poucos dias, a Cirenaica "iraquizou-se". O caos é tamanho que o próprio filho do general Yunes, aquando das suas exéquias, apelou ao retorno de Kadafi e da bandeira verde, único meio segundo ele de restabelecer a segurança das populações.
De imediato, basta escutar as intervenções de Muamar Kadafi para compreender a sua estratégia. Enquanto as ruas de Begazi se esvaziaram, gigantescas manifestações populares são organizadas nos quatro cantos da Tripolitania e do Fezzam para apupar a NATO. O "Grande Irmão" nelas intervém por alto-falantes e diálogo com a multidão. Ele explica que uma trégua rápida seria feita em detrimento da unidade nacional, ao passo que o prosseguimento da guerra dá o tempo para deitar abaixo o poder ilegítimo do CNT e portanto para preservar a integridade territorial da Líbia. O coronel Kadafi, que já alinhou consigo as tribos, entende agora alinhar consigo os indivíduos que ainda apoiam o CNT. Nas suas intervenções áudio apela aos seus concidadãos a que se preparem para libertar as cidades ocupadas. Deverão deslocar-se em multidão, sem armas, para retomar o controle dos bolsões "rebeldes" de maneira não violenta.
Muamar Kadafi, que já venceu politicamente o poder aéreo da NATO, pensa poder vencer também politicamente no terreno os "rebeldes".
Nesta situação inextricável, em que a maior parte dos protagonistas não sabem o que fazer, os reflexos substituem o pensamento. Os partidários do Livro Verde entendem aproveitar a fuga dos tecnocratas para retornar aos fundamentos da Revolução; aqueles que, em torno de Saif el-Islam, acreditavam poder casar o kadafismo e a globalização negociam com seus amigos ocidentais; e a NATO bombardeia mais uma vez os sítios que já havia bombardeado ontem e anteontem.
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