por Carlos Aznárez
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Não faltou nenhum dos convidados na foto de família promovida em Paris pelo presidente Sarkozy. Sorridentes, como se se tratasse de algum festejo, ostentando seus fatos e gravatas de marca, ali posaram desde o inefável secretário da ONU, Ban Ki Moon, até representantes de 73 países, dentre os quais não faltavam as senhoras Clinton e Merkel, até representantes da Rússia e da China, que tão pouco podiam perder o acontecimento. Não é preciso dizer que também um delegado de alto nível do Brasil e outro da Colômbia, em nome da América Latina cativa nas relações carnais com o Império e, é claro, os assimilados da União Africana, com a honrosa excepção da África do Sul, e os obsequiosos serviçais de uma Liga que se faz chamar de Árabe e que sempre tripudia contra os povos desse imenso território que outrora Gamal Abdel Nasser sonhou unir.
O acontecimento que convocava para aquilo que denominaram Clube de Amigos da Líbia era muito especial: repartirem as enormes riquezas do território da Líbia que os seus aviões bombardearam durante mais de 120 dias, destruindo habitações, infraestrutura, escolas, universidades, hospitais e todo ser humano vivo que se lhes cruzasse no caminho. Cinquenta mil corpos queimados por bombas de fósforo e urânio empobrecido, dizem os números mais optimistas. Cinquenta mil inocentes arrasados pela cobiça dos "salvadores e defensores dos direitos humanos", só pelo facto de serem líbios e recusarem qualquer ataque à sua soberania como povo.
Em Paris estavam todos os que desfilam pelo mundo como pregadores da "paz", enquanto mobilizam seus mísseis nos aviões de uma nova Cruzada. Na realidade, o que foi gestado pelo novo "Bush europeu", Sarkozy, assemelha mais a um Clube de Abutres Carniceiros. Diante da carniça da destruição de toda a infraestrutura de uma nação, até ontem independente, eles afiavam suas garras para ficarem com os melhores nacos. Nesse âmbito, a revelação oportuna do diário francês Libération esclarecia porque o presidente francês se havia apressado a reconhecer o governo títere do Conselho Nacional de Transição, por volta de meados de Março deste ano, quando os mercenários de Bengazi (esses a que o jornalista Walter Martinez jocosamente qualificou com acerto como "o exército de Brancaleone") entretinham-se a fazer corridas de um lado para outro com veículos artilhados e desperdiçavam balas por toda a parte.
A parte do bolo que o CNT prometeu à França (o petróleo bruto que o solo líbio proporciona tão generosamente) era mais que tentadora e oscilava nos 35% da exploração total. Ao que certamente se somará uma percentagem semelhante do que se obtiver do ouro, outra das inúmeras riquezas do país invadido.
Sarkozy desmentiu timidamente o Libération, mas seus sócios já conhecem este tipo de manhas uma vez que as utilizam habitualmente.
Contudo, o positivo desta jornada de repartição de lucros com base na morte de milhares de líbios é que já não escondem suas tropelias – fazem-no publicamente à luz do dia e com taquígrafos. São a cara mais descarada da ingerência estrangeira num país. Bombardeiam, matam, roubam, distribuem o botim e se a situação obriga, brigam entre si por uma percentagem a mais ou a menos. Essa forma de actuar esclarece os leitores inteligentes que não estejam sob os efeitos do clorofórmio da quase totalidade dos mass media, que como sempre impuseram o discurso único sobre o "assunto Líbia". Esses media que falam de "regime de ditadura" ou de "crimes" quando se referem a Kadafi e não mostram o menor recato em considerar o ultra-milionário emir do Qatar ou numerosos dos integrantes do CNT que até ontem eram acusados de serem "terroristas".
Assim estão as coisas nesta Nova Ordem Europeia construída a poder de bombas. Ela por um lado demonstra a debilidade do império norte-americano e do seu presidente, que pela primeira vez em muitos anos teve de delegar a execução de uma agressão belicista e espoliadora nos seus colegas europeus, em consequência da imensa crise económica na qual estão imersos os Estados Unidos. E, por outro lado, assinala claramente que no seu afã de restabelecerem suas economias que caem a pique, os países que integram a Europa do Capital estão dispostos não só a saquear a Líbia como, no dizer do imperador Sarkozy e seu aliados, já pensam na Síria (à qual a UE bloqueou as vendas de petróleo) e no Irão, país a que acusam de "provável agressor nuclear" (Sarkozy dixit).
INVASÃO + MORTE = DEPENDÊNCIA
Neste quadro de interesses nauseabundos, há um factor que o império ocidental deverá ter em conta: os povos já não estão a dormir o sono dos justos, despertaram e querem terminar com esta equação de invasão mais morte igual a dependência. Aí está a experiência do povo egípcio ou o de Tunes e o do Iémen, mas também, como se verificou no Iraque invadido, muito em breve, talvez neste mesmo instante, ouviremos o rugir de dignidade da resistência líbia. Não só por Kadafi convocar seus seguidores para guerrear e dar aos invasores o que merecem, mas porque é a lei da vida: país invadido por forças militares colonialistas e por mercenários, convoca seus homens e mulheres a travarem novas batalhas, não só de auto-defesa como de emancipação nacional.
No plano internacional, onde não cabem só os que foram a Paris ao beija-mão de Sarkozy, restam muitos autênticos amigos do povo líbio, como a Venezuela, Cuba – que acaba de encerrar sua embaixada e desconhece o CNT –, Nicarágua, Equador, Bolívia e todos aqueles que recusam a NATO e seus sequazes.
Neste sentido, não há dúvida de que ainda não foi dita a última palavra sobre a Líbia.
O original encontra-se em Resumen Latinoamericano
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