sábado, 16 de abril de 2011

A LIT- Liga Internacional dos Trabalhadores- volta à carga contra Cuba em recente documento, causando novamente frisson entre as correntes socialistas

Joycemar Tejo

Para quem acompanha os debates entre as forças de esquerda, não há novidade em sua posição: consideram a Ilha uma ditadura capitalista. Um diagnóstico mais desalentador que o da própria mídia de direita. Afinal, ao menos a família Marinho ainda considera Cuba uma "ditadura comunista".

O cerne da questão aqui, que tem a atenção dos revolucionários desde a NEP soviética (NEP, coisa nenhuma; desde Marx, por exemplo, digamos, na "Crítica ao Programa de Gotha", quando o barbudo fala da nova sociedade, a socialista, "ainda carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio") é o seguinte: até que ponto uma economia socialista pode agregar (levar consigo, seria mais exato) elementos de capitalismo, sem que deixe de ser socialista?
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Uma coisa é evidente. Não há escalas de 1 a 10, sendo 1 capitalismo "puro" e 10 socialismo "puro". Esse termômetro, que sem sombra de dúvidas facilitaria muito a tarefa revolucionária, ainda não foi inventado. O que se pode é, concretamente (isto é, de forma não-binária, atenta às mediações), observar dada experiência histórica e, com base em suas características, dar um diagnóstico mais ou menos exato (o "mais ou menos exato" e as aspas em "puro", no início do parágrafo, não são acidentais; é preciso muito cuidado com conceitos fechados, "eternos", visto que "nada dura eternamente e que o movimento, a troca, a evolução conflitual são a lei de tudo o que existe" (2)).
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Elementos de sistemas de produção diversos podem coexistir perfeitamente, sem que o principal seja descaracterizado. Pierre Villar dá como exemplo os financistas da Roma antiga e os mercadores de Veneza (ah, Shakespeare...) que, se eram uma realidade, por outro lado não eram os agentes principais da produção social de suas épocas- logo, seria impróprio falar em um capitalismo romano ou veneziano (3). O ponto nodal é esse: atentem que eu falei em "elementos" lá atrás. Temos o sistema dominante e elementos, resquícios, fragmentos, de outros- não estamos falando em sistemas híbridos, mistos, e nem poderíamos. Os diferentes sistemas de produção estão em contradição, e cedo ou tarde um será devorado. Em nível global, é fácil verificar que em um mundo hegemonicamente capitalista é evidente que a experiência socialista isolada será presa fácil (daí a premência da revolução permanente em seu aspecto horizontal, o de expansão).
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Retornemos a Cuba. Trotsky diz que "a sociedade comunista não pode suceder imediatamente à sociedade burguesa", dado o peso da herança material e cultural do passado (4). O período transicional é mais ou menos longo, conforme não o sonho ou o desejo dos revolucionários, mas as relações de base concretas. Grant, em polêmica com Cliff -que sustentava o caráter de capitalismo de Estado da URSS, em oposição ao diagnóstico trotskyano do Estado Operário degenerado- destaca que em tal período transicional categorias econômicas peculiares ao capitalismo continuarão a existir; algumas leis capitalistas irão ser aplicadas, outras revogadas (5).
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Nesse sentido, as medidas de teor capitalista tomadas em Cuba a partir do "período especial" (isto é, do soçobro da URSS em diante) estão dentro de vicissitudes inerentes ao período transicional, mormente se falando de um país isolado e materialmente desguarnecido. São, destarte, necessárias para garantir a própria existência do socialismo na Ilha. É claro que há uma contradição palpável neste argumento: o de recorrer ao capitalismo para salvar o socialismo. Por isso eu ter insistido acima, para que não deixemos brecha a nenhum oportunismo: elementos, apenas elementos. Nada mais que isso, sob pena da descaracterização da experiência. Desta forma, as medidas capitalistas em voga na Ilha podem levar Cuba, cedo ou tarde, à restauração da economia de mercado, caso adotem um ritmo vertiginoso como uma triste Perestroika caribenha; mas onde há uma possibilidade, a Liga Internacional dos Trabalhadores vê um fato consumado- daí o erro de diagnóstico.
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Sim, é contraditório usar do capitalismo, mesmo que pontualmente, para se resguardar a revolução socialista. Mas de fato, já disse Trotsky, o desenvolvimento da humanidade é muito contraditório, mas não iremos por isso renunciar ao passo à frente com receio do meio passo atrás(6). Com todas as contradições, Cuba segue. Aliás, é extraordinário que uma pequena ilha sobreviva ao cerco ianque por tanto tempo. É que, quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução.
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Notas:
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(1) "Llamamos a rodear de solidaridad a los trabajadores y al pueblo cubano" - http://bit.ly/gpdu9X
(2) Jean Kessler, em introdução à "Miséria da filosofia" de Marx.
(3) Apud Théo Araújo Santiago, "Capitalismo: transições".
(4) Leon Trotsky, "A revolução traída". Ainda sobre a questão econômica (especificamente na URSS), ver o capítulo "O desenvolvimento econômico e os ziguezagues da direção", da mesma obra.
(5) Ted Grant, "Against the theory of State Capitalism"- http://bit.ly/hptEbH
(6) Leon Trotsky, "Dictatorship and revolution", de 23/ 10/ 37.


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