quarta-feira, 6 de junho de 2012

Tortura durante a ditadura, relato de DULCE MAIA

imagemCrédito: 3.bp.blogspot


Muitos deles vinham assistir para aprender a torturar. E lá estava eu, uma mulher franzina no meio daqueles homens alucinados, que quase babavam. Hoje, eu ainda vejo a cara dessas pessoas, são lembranças muito fortes. Eu vejo a cara do estuprador. Era uma cara redonda. Era um homem gordo, que me dava choques na vagina e dizia: ‘Você vai parir eletricidade’. Depois disso, me estuprou ali mesmo. Levei muitos murros, pontapés, passei por um corredor polonês. Fiquei um tempão amarrada num banco, com a cabeça solta e levando choques nos dedos dos pés e das mãos. Para aumentar a carga dos choques, eles usavam uma televisão, mudando de canal, ‘telefone’, velas acesas, agulhas e pingos de água no nariz, que é o único trauma que permaneceu até hoje. Em todas as vezes em que eu era pendurada, eu fi cava nua, amarrada pelos pés, de cabeça para baixo, enquanto davam choques na minha vagina, boca, língua, olhos, narinas. Tinha um bastão com dois pontinhos que eles punham muito nos seios. E jogavam água para o choque fi car mais forte, além de muita porrada. O estupro foi nos primeiros dias, o que foi terrível para mim. Eu tinha de lutar muito para continuar resistindo. Felizmente, eu consegui. Só que eu não perco a imagem do homem. É uma cena ainda muito presente. Depois do estupro, houve uma pequena trégua, porque eu estava desfalecida. Eles tinham aplicado uma injeção de pentotal, que chamavam de ‘soro da verdade’, e eu estava muito zonza. Eles tiveram muito ódio de mim porque diziam que eu era macho de aguentar. Perguntavam quem era meu professor de ioga, porque, como eu estava aguentando muito a tortura, na cabeça deles eu devia fazer ioga. Me tratavam de ‘puta’, ‘ordinária’. Me tratavam como uma pessoa completamente desumana. Eu também os enfrentei muito. Com certa tranquilidade, eu dizia que eles eram seres anormais, que faziam parte de uma engrenagem podre. Eu me sentia fortalecida com isso, me achava com a moral mais alta.

DULCE MAIA, ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), era produtora cultural quando foi presa na madrugada de 26 de janeiro de 1969, em São Paulo (SP).Hoje, vive em Cunha (SP), é ambientalista, dirige a ONG Ecosenso e é cogestora do Parque Nacional da Serra da Bocaina.

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