quinta-feira, 14 de março de 2013

O Papa, Chávez e a democracia em geral


(A indicação de um Chefe de Estado: nada de novo no Vaticano)


Milton Pinheiro[1]


O processo eleitoral no Vaticano para a escolha do Chefe de Estado, que é ao mesmo tempo o líder espiritual dos católicos, se revela um bom exemplo para analisarmos as contradições do que se convencionou chamar de democracia. É bom salientar que o debate sobre a formalidade da democracia é uma forma camuflada de se transformar a democracia burguesa, em democracia em geral.
A cena política internacional marcada nos dias atuais pela renúncia do papa Bento XVI e pelo falecimento do presidente Hugo Chávez, apresentou-se na mídia burguesa, no Brasil e no mundo, de forma extremamente diferenciada. O componente ideológico do consórcio midiático internacional, neste cenário, agiu para reafirmar posições na constante tarefa de projetar ideias em defesa de um estilo político que reafirma os interesses do capital na re-construção de uma cultura cotidiana reacionária e chauvinista, que pode se transformar em braço do fascismo a depender da correlação de forças.
Nessa manipulação midiática a respeito da democracia em geral, eles transformam a democracia de novo tipo do Estado cubano em ditadura. Mesmo tendo conhecimento da norma jurídica daquele país, do processo eleitoral em Cuba e das formas populares de se eleger o poder de Estado na perspectiva de outro regime político, ou seja, o socialismo. Mas esse procedimento não se restringe a Cuba. A Venezuela é atacada constantemente, o sistema venezuelano de eleições diretas para presidente, parlamento, províncias e municípios não satisfaz ao consórcio da mídia classista internacional. Para eles o que importa é quem sai vencedor do pleito e a posição política dos novos governantes.
Chávez, a partir da norma jurídica constitucional da Venezuela, sempre foi expressivamente sufragado nas eleições que venceu. Essas eleições tiveram observadores internacionais, que nada identificaram contra a lisura do pleito, e o reconhecimento da derrota por parte dos candidatos da oposição, como foi o caso de Capriles, que liderou uma coligação oposicionista de 30 partidos. No entanto, o consórcio midiático brasileiro e internacional, no falecimento do comandante Chávez o qualificou de ditador.
Qual é o sentido dessa postura, já que na Venezuela as liberdades democráticas e as normas constitucionais estão em perfeito funcionamento? E isso é comprovado, até mesmo, pelo insuspeito ex-presidente estadunidense Jimmy Carter que chamou as últimas eleições de mais livres e honestas do que as dos EUA. Por que Chávez é chamado de ditador, quando 90% dos meios de comunicação são privados e serve diariamente a oposição? Talvez tenhamos algumas respostas: Chávez em 14 anos de sucessivas vitórias eleitorais conseguiu fazer profundas transformações naquele país. Seu governo reduziu a pobreza em mais de 70%, construiu 22 universidades, o que torna a Venezuela um país que tem, proporcionalmente, o 5º maior contingente de estudantes universitários do mundo, numa população de 26 milhões de habitantes. As mulheres avançaram em suas lutas, os trabalhadores do campo e das cidades tiveram vitórias significativas, a moradia se transformou num direito da cidadania, floreceu o respeito do Estado venezuelano as minorias, os negros e os indígenas adquiriram direitos históricos, a organização popular cresceu para exercer o seu poder de pressão e a democracia tem sido vitoriosa. Portanto, o ódio do consórcio midiático burguês ao líder político falecido, deve ser em virtude das vitórias dos trabalhadores e do povo em geral na Venezuela, que rompeu com a secular acumulação privada da riqueza.
Mas, no outro lado da notícia encontramos a problemática da renúncia do papa Bento XVI com todas as suas implicações: falência fraudulenta do Banco do Vaticano, pedofilia, postura inadequada para os problemas contemporâneos (Aids, aborto em casos especiais, ordenamento de mulheres, casamento de sacerdotes, hierarquia antidemocrática, casamento gay...), luta interna desleal com acusações nada éticas, etc. Não obstante esse quadro, outra questão pontifica nesse debate sobre a democracia em geral. Como no mundo contemporâneo, um Chefe de Estado e líder espiritual de centenas de milhões de católicos pode ser eleito por um colégio eleitoral, intramuros medievais, composto por 115 homens? Trata-se de um processo onde a democracia não encontra qualquer tipo de representação, nem mesmo naquela da formalidade burguesa que quer se transformar ideologicamente, na democracia em geral.
O que vem com a fumaça que saiu da chaminé da Capela Sistina que, via uma articulação palaciana, elegeu um novo Chefe de Estado para o Vaticano e, ao mesmo tempo, o líder de centenas de milhões de católicos? Confirma-se assim, com esse arcaico procedimento, que o Vaticano e a Igreja Católica, novamente estão de costas para a história e para o povo que diz representar, sem interesse de encontrar-se com a democracia, com os valores da cidadania, com os pressupostos de uma ética que estaria em consonância com a sua base social. Portanto, a Igreja Católica vai continuar como instrumento do poder em curso, apoiando a lógica reacionária que predomina nas agências de dominação e integrada na ordem econômica e ideológica do capital.
O colégio eleitoral mais restrito do mundo elegeu o argentino Jorge Mario Bergoglio Chefe do Vaticano e Papa. Esse religioso, que pelas denúncias da Associação das Mães da Praça de Maio e do jornalista Horacio Verbistky, entregou os padres Francisco Jalics e Orlando Yorio para a repressão, quando era chefe da Companhia de Jesus. Esses padres foram desaparecidos pela sanguinária ditadura militar que tomou conta da Argentina de 1976 a 1983. O atual Chefe do Vaticano ainda é acusado de ter conhecimento do seqüestro de bebês de presos políticos que foram adotados, clandestinamente, por outras pessoas.
E agora, o que será “informado” pelo consórcio midiático burguês? O que é a democracia em geral? Conforma-se uma postura ideológica que não entra no mérito das determinações de cada nação, mas sim, na postura e na posição política daqueles que se encontram do outro lado da cena contemporânea. Se fugir à regra do projeto do capital e da barbárie em curso será tratado como inimigo a ser derrotado, e para isso os meios justificam os fins, a democracia em geral continuará como instrumento da ditadura de uma classe, no caso, a burguesia.
Será que Marx continua certo quando afirmou, em um contexto específico, que a “religião é o ópio do povo”?     
  


[1] Milton Pinheiro é professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

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