quarta-feira, 4 de abril de 2012

Os paraquedistas das câmeras de tortura

Laerte Braga

O jornal O GLOBO, geneticamente ligado à ditadura militar no Brasil e em toda a América Latina na década de 60, noticiou em sua edição de domingo, 1 de abril, as ligações do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu no atentado terrorista do Riocentro, quando militares da chamada linha dura tentavam uma carnificina para criar o clima necessário à permanência da ditadura.

Parte da comunidade de informações à época, o sargento integrava o grupo que reagia às políticas de “distensão lenta e gradual” postas em prática pelo general Ernesto Geisel e seguidas, mais ou menos à risca, pelo general João Batista Figueiredo, quando ambos “presidiram” o País.

Vários atentados estavam programados, várias ações terroristas todas com o objetivo de frustrar o que se convencionou chamar de processo de redemocratização. Envolviam desde sargentos ligados à comunidade de informações (controlada pela linha dura), até oficiais superiores, como coronéis, generais e que tais.

Essa é outra história contada ainda pela metade sobre a barbárie que se instalou no País em 1 de abril de 1964, com a deposição do governo constitucional de João Goulart.

Aos poucos e como que aos trancos vão sendo arrancadas e reveladas as páginas dessa história sombria e canalha que marcou o Brasil por um período de duas décadas, deixando um legado de assassinatos, tortura, estupros, um grande número de brasileiros no exílio, tudo por conta da subordinação de militares que se auto intitulam “patriotas” e na verdade confirmaram o pensamento do inglês Samuel Johnson que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

A matéria sobre a ação desses criminosos pode ser vista aqui.

Boa parte dos militares que tentavam impedir o processo já estava em empresas privadas de segurança e vigilância, ou aboletados em cargos chaves em estatais. Esse tipo de gente mistura o “patriotismo” com privilégios, na verdade corrupção pura e simples.

O golpe de 1964 foi todo ele concebido e planejado pelo governo dos EUA a partir do embaixador Lincoln Gordon, do general Vernon Walthers (que assumiu o comando da banda podre das forças armadas, a golpista) e dentro do contexto da guerra fria, da influência da revolução cubana em toda a América Latina, mas sob a ótica dos interesses norte-americanos.

Já nos primeiros momentos ficou visível que além dos expurgos promovidos nas forças armadas afastando militares legalistas, comprometidos com o Brasil e a democracia, havia divisão entre os golpistas. O grupo que abrigava generais como Castello Branco, Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva e o que tinha como líder o general Costa e Silva. Isso ficou claro quando Castello manifestou intenção de ter como sucessor um civil – o deputado udenista Bilac Pinto – e Costa e Silva reagiu em nome dos duros. Numa viagem que fez ao exterior, diante dos boatos que poderia ser demitido, Costa e Silva foi claro – “viajo ministro e volto ministro”. O recado era para Castello Branco, a afirmação foi feita para dentro.

Costa e Silva, no duro mesmo, viajou ministro e voltou candidato a presidente.
Castello pouco tempo depois morreu num acidente aéreo suspeito, até hoje não esclarecido – como quase nada da ditadura.

Envolvido em corrupção a partir de sua mulher, Iolanda Costa e Silva e figuras de sua família, pressionado a adotar medidas radicais de exceção – AI – 5 – o general Costa Silva, sem qualquer condição de exercer a presidência da República, apenas laranja de grupos radicais, acabou vítima de um acidente cerebral vascular e a junta militar que impediu a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, pode então deitar e rolar em nome da linha dura.

E mesmo assim, para evitar divisões que colocassem em risco a barbárie promoveram uma eleição entre oficiais superiores das três forças para a escolha do sucessor de Costa e Silva. Garrastazu Medice (o próprio nome já sugere um carrasco) numa disputa com o general Afonso Albuquerque venceu e virou presidente do mais cruel e brutal período do regime militar. Orlando Geisel, ministro do Exército, foi o regente da orquestra que tocava nas câmaras de tortura do aparelho repressivo em todo o País e se estendeu aos vizinhos latinos na Operação Condor, igualmente montada em Washington, para a sumária eliminação de adversários das ditaduras de países como a Argentina, o Chile, o Uruguai, a Bolívia (Juan José Torres) e outros.

Uma espécie de acordo acabou levando o general Ernesto Geisel (dado como morto politicamente e no STM – Superior Tribunal Militar – espécie de jazigo para militares incômodos à época) à presidência da República, sucedendo a Medice. A ascensão de Geisel significou a volta do grupo de Castello e a rentrée de Golbery do Couto e Silva nos círculos do poder, ele, considerado o ideólogo brasileiro do golpe militar junto com os norte-americanos.

Essa divisão é simples de entender. A linha dura pode ser comparada a um rotweeiler. Desprovido de cérebro, provido de instintos puramente animalescos, com um domador chamado Delfim Neto e os grupos que representava. Os ditos moderados, a um pit bull ensinado e adestrado, capaz de algum raciocínio, mas também ligado a grupos empresariais privados, que no duro mesmo, eram os senhores do regime.

Aos militares competia manter a “ordem”, tão somente isso. E como a mantiveram. Prisões ilegais, tortura, estupros, assassinatos, todo o repertório da boçalidade.

O “projeto Brasil” a que Lula aludiu durante a campanha eleitoral de 2002 existiu apenas no nacionalismo canhestro do general Ernesto Geisel e pretendia transformar o Brasil numa potência militar inclusive com posse de artefatos nucleares (que é um tema a ser discutido noutro contexto). Foi abortado pelo então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, que começou ali a minar o monopólio estatal do petróleo.

Golpistas de 1964 decidiram saltar de pára-quedas numa praia do Rio de Janeiro para comemorar o 1 de abril, data do golpe. Foi uma ação planejada, evidente, com objetivos de desafiar o governo Dilma Roussef e reavivar a luta pelo fim da Comissão da Verdade e de outras entidades que desejam mais que abrir os chamados baús da ditadura, punir, como foram punidos em outros países, torturadores.

Não existe nenhum patriotismo no ato, nem amor acendrado ao Brasil, apenas uma demonstração infantil e desafiadora da covardia que se esconde atrás da lei da anistia.

Desceram numa praia onde só encontrariam como só encontraram aliados.

Teimam em não querer escrita a história inteira de 1964. Abrigam-se no temor do governo Dilma – como no de Lula – em exibir aos brasileiros toda a verdade sobre 1964, desmascarar a canalhice de um golpe a serviço de potência estrangeira.

Os saltos foram apenas os efeitos especiais desse “patriotismo canalha”.

Os pára-quedistas são os mesmos que nas prisões do regime davam choques elétricos em presos indefesos e inocentes (crime de opinião, de resistência à ilegalidade, o golpe foi uma ilegalidade em si e por si), estupravam, assassinavam e desovavam os corpos através dos caminhões do jornal FOLHA DE SÃO PAULO, cúmplice – como a mídia de mercado – dessa longa noite de terror.

Os apologistas do pau de arara, de toda a sorte de violência imaginável ou não, na tal ordem que vinha de Washington.

Os governos civis de lá para cá pouco mudaram no que diz respeito ao comando de Washington. Na economia só o ampliaram a Tel Aviv – tratado de livre comércio com Israel assinado por Lula.

Se durante a ditadura fomos uma grande base do terror norte-americano, hoje somos entreposto do mesmo terror no processo de “globalitarização” e as armas capazes de destruir o mundo cem vezes se preciso for.

E continuam impunes os torturadores. Pior, desafiando um governo fraco e acuado até pela FIFA, com essa história de vender ou não bebidas nos estádios durante a Copa do Mundo.

E parte do plano norte-americano de Grande Colômbia. Vale dizer o controle da América Latina a partir da Colômbia e incluindo o Brasil, o gigante que continua deitado em berço esplêndido na ilusão de potência emergente, quando no duro mesmo, é potência de ocasião, até o primeiro grito mais alto de Washington/Tel Aviv.

Petróleo, água, terras, forças armadas, classe política em sua maioria, enfim, uma roupa diferente, só isso.

A revolução brasileira ainda está por acontecer e vai depender de mobilização e luta popular. Não de saltos de pára-quedas.



Fonte: Diário Liberdade

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