domingo, 20 de julho de 2014

Um jogo para poucos


por Adriano Belisário | 30 junho, 2014

Levantamento do Reportagem Pública mostra como as “quatro irmãs”, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, se revezam nos contratos para as grandes obras da Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro

Nas maiores intervenções urbanas no Rio de Janeiro em função da Copa e Olimpíadas mudam os objetivos das obras, os valores, os impactos e as suspeitas de ilegalidade na condução dos projetos. Só não mudam as empresas beneficiadas. Por meio de consórcios firmados entre si e com outras empresas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS se revezam nos dez maiores investimentos relacionados aos jogos.
De acordo com um levantamento feito pela reportagem, chega a quase R$ 30 bilhões o valor oficial das dez maiores obras. São elas: a Linha 4 do Metrô; a construção do Porto Maravilha; a reforma do Maracanã e entorno; os corredores expressos Transcarioca, Transolímpica e Transoeste; a Vila dos Atletas e o Parque Olímpico; o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT); e a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá.Veja o infográfico interativo:
A Odebrecht é a grande campeã: está presente em oito dos dez projetos. Já a OAS e a Andrade Gutierrez dividem o segundo lugar, com participação em seis projetos cada uma. Em 7 dos 10 projetos a licitação foi ganha por consórcios com presença de duas ou mais das “quatro irmãs”, como são conhecidas. Em dois destes, a concorrência pública foi feita tendo apenas um consórcio na disputa.
Nem sempre a participação das “quatro irmãs” se dá diretamente através das construtoras. Participam também empresas controladas por elas como a CCR e a Invepar. Os acionistas da primeira são Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, aliadas ao o Grupo Soares Penido (Serveng-Civilsan), com 17% de ações cada um. No Rio de Janeiro, a CCR detém o monopólio das travessias na Baía de Guanabara, administrando ao mesmo tempo os serviços das barcas e da Ponte Rio-Niterói. (As duas concessões responderam por quase 5% da receita operacional bruta da empresa, em 2013). A Odebrecht, que também era sócia na CCR, vendeu sua participação para criar sua própria empresa no ramo de mobilidade urbana, a Odebrecht Transport, que hoje administra o serviço de trens na região metropolitana do Rio de Janeiro através da Supervia. Já a gestão do metrô carioca fica por conta da Invepar, cujos controladores são a OAS e os fundos de pensão da Caixa Econômica (FUNCEF), Petrobras (PETROS) e o Fundo de Investimento em Ações do Banco do Brasil.
Dentre as obras para Copa e Olimpíadas levantadas pela reportagem, apenas a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá é alvo de investigações oficiais sobre cartelização. Porém, para o economista Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE), algumas características observadas nas licitações merecem a atenção das autoridades. “Estas situações com grandes projetos, formação de consórcios e vencedores que se alternam trazem evidências que mostram uma probabilidade não desprezível de existência de cartel. Evidências adicionais como superfaturamento são motivos suficientes para investigação. São certamente situações preocupantes, em que uma autoridade de concorrência deve colocar uma lupa e olhar com bastante cuidado”, afirma.
Obra das Olimpíadas na Bacia de Jacarepaguá é investigada pelo CADE. Foto: Cidade Olímpica
Obra das Olimpíadas na Bacia de Jacarepaguá é investigada pelo CADE. Foto: Cidade Olímpica
Na história recente dessas empresas acumulam-se obras que mereceram a atenção das autoridades – dentro e fora do pacote da Copa. Executivos da Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez já foram investigadas pelo Ministério Público de São Paulo no chamado “cartel do metrô”, que envolveria o acerto de preços para licitações de obras, fornecimento de carros e manutenção de trens e do metrô em São Paulo. O órgão exige uma indenização aos cofres públicos de R$ 2,5 bilhões. Empresa da Camargo Corrêa, a Intercement também aparece em investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre cartel no setor de cimentos.
No Rio de Janeiro, a Andrade Gutierrez e Odebrecht compartilharam documentação na concorrência de obras do PAC no Complexo do Alemão, segundo reportagem da Folha de São Paulo. Além de indicarem a mesma empresa (Pomagalski) para fornecer os materiais para a instalação dos teleféricos, Odebrecht e Andrade Gutierrez usaram a mesma tradução juramentada da apresentação desta companhia. De acordo com a reportagem, “documentos apreendidos em várias operações da Polícia Federal mostram que empreiteiras formam consórcios ‘paralelos’ antes da disputa de licitações com a finalidade de superfaturar obras públicas”.

Enquanto isso, nas obras para as Olímpiadas…

Na construção do Parque Olímpico, em Jacarepaguá, e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no centro da cidade, a licitação teve apenas um concorrente. As construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez se uniram para ganhar a primeira, cujo orçamento estimado ultrapassa R$ 2,1 bilhões. Já no VLT não ficou ninguém de fora: foram agraciadas a Odebrecht, OAS (por meio da Invepar), Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (por meio da CCR). Para administrar a concessão de R$ 1,2 bilhão por 25 anos, formou-se o Consórcio VLT Carioca. Nele estão presentes, além de duas companhias estrangeiras, a Odebrecht, a CCR, a Invepar e a Riopar, que conta com a participação do empresário Jacob Barata Filho, que controla grande parte da frota rodoviária da cidade. Mesmo assim, quando questionado sobre sua relação com governantes em uma de suas raras entrevistas, Barata foi direto. “Ninguém está mais próximo do poder público do que empreiteira. […] A gente quer um dia chegar lá. Nós somos crianças perto dessa turma”, afirmou.
Odebrecht, CCR e Invepar também estão juntas no consórcio vencedor da licitação para execução das obras e manutenção da BRT Transolímpica, que prevê investimentos de R$ 1,6 bilhão. O corredor expresso ligará a Barra da Tijuca ao bairro de Deodoro, os dois principais polos dos Jogos de 2016. No caso da construção do corredor expresso Transcarioca, da empresa Andrade Gutierrez, o empreendimento foi considerados superfaturado pelo Tribunal de Contas do Município. Segundo auditoria do órgão, houve sobrepreço de R$ 66 milhões na construção dos mergulhões da via que ligará o Aeroporto Antonio Carlos Jobim à Barra da Tijuca. Antes mesmo da inauguração da obra, foram detectados problemas, como asfalto remendado e rachaduras.

O Maraca

Ao contrário do que aconteceu nas obras de outros estádios para a Copa, a reforma e a privatização da gestão do Maracanã foram feitas em duas etapas. Odebrecht e Andrade Gutierrez fizeram as obras do estádio, que recebeu seu primeiro evento-teste em abril de 2013; quase um ano depois, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro apontou superfaturamento de R$ 67,3 milhões nas obras. Além disso, graças à atuação do Tribunal de Contas da União – que também apontou superfaturamento –  o orçamento das obras no estádio foi reduzido entre R$ 150 e 200 milhões, segundo o ministro Benjamin Zymler.
Sem considerar as obras no entorno, o custo da reforma do estádio até agora foi de R$ 1,2 bilhão, bancado com recursos do BNDES e Caixa Econômica Federal, além de empréstimo do CAF (Banco de Desarrollo da América Latina). Assim, inteiramente novo, o Maracanã foi entregue para a iniciativa privada. A própria Odebrecht se candidatou e ganhou a licitação da Parceria Público-Privada (PPP) como integrante do Consórcio Maracanã S/A, ao lado de Eike Batista e da AEG, em um processo que está na mira do Ministério Público do Rio.


Manifestantes ironizam a proximidade de Eike Batista, Sergio Cabral e Eduardo Paes. Foto: Vitor Silva/Jornal do Brasil
Manifestantes ironizam a proximidade de Eike Batista, Sergio Cabral e Eduardo Paes. Foto: Vitor Silva/Jornal do Brasil
A ação civil pública, movida pelo MPRJ, questiona o fato da empresa IMX ter elaborado o projeto utilizado para embasar o edital que ela mesmo venceu e também a decisão de demolir parte do entorno do estádio, como a Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio), Parque Júlio Delamare, Estádio de Atletismo Célio de Barros e a Escola Friedenreich.
“O Estado partiu da premissa que a viabilidade econômica da concessão do Maracanã dependia da exploração do entorno. Nós entendemos que esta é uma premissa falsa, em função justamente deste estudo de viabilidade. As receitas da exploração do estádio já eram suficientes para viabilizar economicamente o negócio”, diz o promotor Eduardo Santos, responsável pelo caso.
Estudos da IMX  apontam as atividades comerciais no entorno como responsável por apenas 12% das receitas, enquanto consumiriam mais de 2/3 das despesas. Segundo Eduardo Santos, quando questionados, o Estado e a IMX afirmaram que é uma questão de sinergia. “Diziam que você só vai ter um público mais rentável se tiver um lugar para estacionar, um restaurante bacana. Isto não é algo que possa ser demonstrado matematicamente, mas é o argumento de defesa de ambos”, afirma.
Após as manifestações do ano passado, o governo recuou com a proposta da demolição. Mesmo assim, o Consórcio se manteve na gestão do Estádio. Beneficiando as empresas, a privatização do Maracanã se tornou um mau negócio para o governo do Estado. Os R$ 7 milhões da outorga anual a ser paga pelas empresas aos cofres públicos não cobre nem a terça parte dos juros do empréstimo solicitado pelo então governador Sérgio Cabral ao BNDES para bancar as reformas do estádio antes de privatizá-lo.

PPP da Zona Portuária

Demolição para remoções no Morro da Providência, Zona Portuária do Rio de Janeiro – Foto: Jimmy Chalk
Demolição para remoções no Morro da Providência, Zona Portuária do Rio de Janeiro – Foto: Jimmy Chalk
Igualmente benéfica para o clube das empreiteiras foi a PPP da Zona Portuária. Com investimentos na ordem de R$ 7,7 bilhões, a Operação Urbana Porto Maravilha é executada pela Odebrecht, OAS e Carioca Nielsen. Viabilizada por meio de uma “engenhosa operação financeira”, segundo o site oficial do projeto, a operação urbana foi criada para “promover a reestruturação local por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços públicos da região, visando à melhoria da qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica da área”.
Segundo Orlando dos Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR), a operação possui três mecanismos principais: venda de terras públicas, isenções fiscais e emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) para potencializar a exploração econômica do local. Dados do Dossiê do Comitê Popular da Copa apontam que mais de 600 famílias pobres foram removidas por causa do projeto.
A Prefeitura anunciou ainda um empreendimento imobiliário com o grupo Porto 2016/Solace, que além das três empreiteiras do Porto Maravilha (Odebrecht, OAS e Carioca Nielsen) reúne também uma empresa de Eike Batista. Também ofereceu uma linha de crédito especial para os servidores municipais comprarem esses imóveis.
“Hoje [a Zona Portuária] é o lugar da cidade onde mais tem especulação imobiliária, mais do que a Barra, e graças a Deus é assim”, comemorou recentemente o prefeito Eduardo Paes.
“Há um acionamento simbólico das Olimpíadas para validar certas intervenções públicas. É muito mais uma lógica de legitimação das intervenções do que efetivamente estar ou não associado aos Jogos”, critica Orlando dos Santos.
Longe dali, na zona Oeste da Cidade, a PPP do Parque Olímpico (R$ 2,1 bilhões) envolve a remodelagem para as Olimpíadas de aproximadamente 1,18 milhão de metros quadrados, uma área equivalente ao bairro do Leme. Deste total, 75% das terras serão entregues para a iniciativa privada ao fim da operação.
Com forte atuação naquela região, a construtora Carvalho Hosken se uniu com a Odebrecht e a Andrade Gutierrez para formar o Consórcio Rio Mais, o único que concorreu – e ganhou – a licitação. Odebrecht e Carvalho Hosken também estão à frente da construção da Vila dos Atletas, em terreno próximo ao Parque Olímpico. O local receberá sete condomínios que acomodarão 18 mil atletas em 2016 e serão entregues à iniciativa privada após os jogos.
Presidente da Carvalho Hosken, Carlos Carvalho posa para foto à direita de Eduardo Paes com dedo em riste
Presidente da Carvalho Hosken, Carlos Carvalho posa para foto à direita de Eduardo Paes com dedo em riste
A arquiteta Giselle Tanaka, que participa do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas e pesquisa as intervenções no Parque Olímpico, acredita que o contrato do projeto não possui risco nenhum para as empresas. “A Prefeitura repassa as terras subvalorizadas para o Consórcio e ainda fazem uma remuneração mensal para as construtoras. Elas recebem dinheiro público por tudo que estão construindo”, afirma. De acordo com estudos realizados pela arquiteta, o valor do metro quadrado no repasse da área bruta de terras públicas para o consórcio Parque Olímpico 2016 (posteriormente batizado como “Consórcio Rio Mais”) foi de cerca de R$ 1,69 mil. No mercado, o metro quadrado das habitações construídas na região é de R$ 7,5 mil, em média, segundo a imobiliária Lopes Rio.
Atualmente, o Ministério Público Federal investiga a denúncia de supressão da vegetação nativa do Parque Olímpico sem nenhum critério ou estudo prévio (Procedimento Administrativo nº 1.30.001.007236/2012-14) e o Ministério Público do Estado recomendou a suspensão das obras do Campo de Golfe no final de maio de 2014.

Cabo de guerra

Considerado um dos grandes legados dos jogos de 2016, o Projeto de Recuperação Ambiental do Sistema Lagunar da Barra e Jacarepaguá teve seu contrato de R$ 673 milhões assinado somente em março deste ano, quase oito meses após o anúncio do vencedor da licitação pelo governo do Estado.  A demora ocorreu justamente por causa de uma denúncia de acerto prévio entre as empreiteiras, publicada em julho de 2013 na Revista Época.
A revista teve acesso ao resultado da licitação e o divulgou de forma cifrada cerca de uma semana antes da abertura dos envelopes com os lances que levaram à vitória do Consórcio Complexo Lagunar (formado por Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão). Segundo a reportagem de Isabel Clemente, a Odebrecht teria apresentado uma proposta de cobertura em troca de ter faturado poucos dias antes outra licitação de valor aproximado, em que a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão apresentaram lances perdedores.
Após a denúncia, a Secretaria de Estado do Ambiente suspendeu o edital e solicitou investigações ao Ministério Público e ao CADE. Em agosto, anunciou uma nova concorrência, que foi questionada na justiça pelas integrantes do Consórcio Complexo Lagunar. O primeiro mandado de segurança foi negado; um segundo, concedido. Somente no dia 18 de dezembro, já com ambos mandados unidos em um único processo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) verificou a “coexistência de decisões sobre os mesmos fatos em sentido diametralmente opostos” e permitiu a continuidade do edital.
No dia seguinte, 19, o promotor Rogério Pacheco solicitou o arquivamento do inquérito contra as empresas, concluindo que “diante dos fatos apurados na presente investigação, verifica-se que não restaram indícios mínimos de práticas de atos ilícitos capazes de configurar irregularidades na licitação apresentada”. De acordo com ele, a conduta da Secretaria de Estado no caso foi “calcada, principalmente, na moralidade administrativa” e o fato de nenhum pagamento ter sido feito às empresas “afasta a hipótese de dano ao erário”.
Logo depois as empreiteiras foram ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e interpuseram agravo regimental, recurso especial, recurso extraordinário e medida cautelar para anular o segundo edital.
Novamente, a segunda licitação foi suspensa. Já em meados de janeiro de 2014, o governo do Estado desistiu. Alegando que “passados mais de seis meses das comunicações ao CADE e ao MP, nenhuma medida foi determinada por parte daqueles órgãos”, o secretário Carlos Minc solicitou a revogação da segunda licitação. E convocou o “consórcio vencedor do primeiro certame para assinatura do contrato e imediato início às obras”. Minc enfatizou ainda a “exiguidade de prazos para cumprir compromisso olímpico internacional do país”.
Em março deste ano as empresas investigadas pelo crime de cartelização enfim assinaram o contrato, que prevê 30 meses para a conclusão das obras. Ou seja, no cronograma atual, a recuperação ambiental das lagoas da Barra e Jacarepaguá não será concluída até as Olimpíadas.  A Secretaria afirma estudar “alternativas para acelerar as obras”. Responsável pela apuração do crime de cartel, o CADE informou à reportagem que o inquérito é de natureza sigilosa e que “não há prazo para a investigação ser concluída”.
“Caso alguém tenha acesso a uma informação antecipada do resultado, isso não é apenas um ilícito concorrencial, uma coordenação de concorrência. É um ilícito de natureza penal também. Não é só uma questão econômica, é uma questão policial. Os elementos trazidos pela revista Época justificam uma investigação se há algum tipo de coordenação entre as empresas que participaram da licitação – mas não são ainda suficientes para determinar a existência desse ilícito”, afirma o economista Luiz Carlos Delorme, ex-conselheiro do CADE.

Prejuízo aos Trabalhadores

Apesar de serem possíveis indícios de cartelização, a formação dos consórcios e o rodízio entre vencedores não constituem por si só uma prática ilícita. “O crime de cartel é a cooperação ilegal entre empresas com objetivo de obter vantagens concorrenciais. Só é passível de ser provado através de documentos que indiquem este tipo de cooperação”, diz Luiz Carlos Delorme.
Celso Campilongo, conselheiro do CADE entre 2000 e 2002, pós-doutor em Direito e professor da PUC-SP, completa: “Dependendo da estrutura do mercado os rodízios podem significar acordo entre concorrentes. Pode ter uma cortina de fumaça para dar a isso uma aparência de legalidade e por trás dela pode haver uma ampla troca de informações entre concorrentes – o que o direito antitruste procura evitar. Mas também paradoxalmente pode ser o inverso. O fato de não haver sempre as mesmas parcerias, mas um rodízio, pode mostrar dinamismo competitivo”, afirma. Porém, Campilongo destaca a intensa comunicação entre empresas como um elemento potencialmente perigoso para a concorrência nas licitações. Ele cita uma passagem de Adam Smith no livro ‘A Riqueza das Nações’: “Pessoas com o mesmo tipo de negócio raramente se reúnem, ainda que seja meramente por entretenimento ou diversão, sem que a conversa termine em uma conspiração contra o povo ou em algum tipo de acordo para aumentar os preços”.
Para Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, além do possível prejuízo à livre concorrência, os diversos consórcios também prejudicam os trabalhadores. “Eles trabalham em cima de um CNPJ com início, meio e fim. Quando terminam a obra, eliminam o CNPJ e acaba a estabilidade para os trabalhadores, que às vezes estão ainda em tratamento de saúde. Aí eles vão recorrer a quem?”, questiona. “Com aumento concomitante de lucros, nós observamos um aumento da diferença salarial entre executivos (CEOs) e trabalhadores em geral.
A Copa do Mundo certamente ajudou a nos fazer uma sociedade mais desigual”, diz o jornalista e sindicalista sul-africano Eddie Cottle, autor do livro ‘Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?’. Se aqui as empreiteiras são chamadas de irmãs, lá as cinco maiores construtoras do país (Aveng, Murray & Roberts, Group Five, Wilson Bayly Holmes–Ovcon – WBHO – e Basil Read) são conhecidas como “Big Five”. Enquanto aqui pairam suspeitas sobre as empreiteiras, lá elas foram condenadas pela conduta anticompetitiva. 

“Dois caminhos levaram à descoberta do cartel. Primeiro, a investigação da Comissão de Concorrência da África do Sul sobre outras condutas anticompetitivas no setor de construção revelou que estas eram amplamente difundidas em todo setor. Segundo, houve aumentos contínuos no orçamento alocado pelo governo para a construção de estádios e outros projetos de infraestrutura para a Copa, o que levou a Comissão a iniciar um projeto de pesquisa para determinar se a conduta anticoncorrencial poderia ter contribuído para estes aumentos de custos”, afirmou em nota o órgão – algo como o CADE da África do Sul.

Das 9 cidades-sede na África do Sul, 6 construíram ou reformaram seus estádios para a Copa: em todas eles houve conluio entre as empresas. Depois das investigações, em 2011, a Comissão fechou um acordo oficial [Fast-Track Settlement] com 15 empreiteiras que assumiram suas condutas anticompetitivas em diversas obras, inclusive da Copa, para o pagamento de 1,4 bilhões de rands no total.  A empresa mais penalizada pagou 311 milhões de rands – algo em torno de R$ 65 milhões hoje. Eddie considera a penalidade “bastante modesta, dado os lucros na época”. Agora, a Comissão está finalizando a investigação e a ação penal contra as empresas que não vieram a público revelar suas condutas.

Construção do estádio de Johannesburg. Investigação oficial condenou pelo crime de cartel empreiteiras responsáveis por obras para a Copa
Construção do estádio de Johannesburg. Investigação oficial condenou pelo crime de cartel empreiteiras responsáveis por obras para a Copa
“Aumentos consistentes nos preços de materiais e custos dos estádios e infraestrutura são os fatores mais evidentes na identificação do cartel. Claro, isso pode ser escondido pelo disfarce da inflação, mas então os cartéis por sua própria natureza produzem pressões inflacionárias”, pondera o jornalista sobre o cartel das empreiteiras em seu país. Cottle afirma que o “Big Five” obteve em média 100% de lucro entre 2004 e 2009. E provoca: “Será que no Brasil é diferente?”. Procurada pela reportagem, nenhuma das “quatro irmãs” forneceu explicações sobre a razão econômica para a formação dos consórcios. A Andrade Gutierrez se limitou a dizer que “são decisões estratégicas” e que não iria comentar o assunto.

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