terça-feira, 20 de agosto de 2013

Lula, o FSP e as esquerdas




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Narciso Isa Conde
LULA DILMA
O ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva (Lula), líder do outrora anti-imperialista e anticapitalista Partido dos Trabalhadores do Brasil (PT), conclamou, da tribuna do XIX Encontro do Fórum de São Paulo-FSP, as organizações políticas ali presentes “a escutarem as mensagens dos cidadãos que se manifestam” e também afirmou “que os partidos de esquerda ficaram velhos”.
Além de seus indiscutíveis méritos históricos e do apreço pessoal que a ele dispenso, penso que Lula não está em condições de oferecer exemplos nem de esquerda e nem de revolução à humanidade.
Um balanço desalentador.
No meu entender desperdiçou uma grande oportunidade para dar início à transformação revolucionária do Brasil. “Enquadrou” a esquerda, moderando-se progressivamente (inclusive antes de ser governo), para terminar “batendo” à direita em questões fundamentais:
- Optou por deixar intacta a institucionalidade liberal-burguesa desse país, ignorando o grande tema da refundação do estado brasileiro rumo à criação de uma democracia participativa e integral, através de uma Constituinte Popular. Inclusive, manteve-se muito distante dos processos desejados por Chávez na Venezuela, Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia.
- Administrou o Estado com práticas clientelistas, assistencialistas, tráfico de influência e corrupção; chegando ao extremo de gerar situações escandalosas, que, posteriormente, obrigaram Dilma Rousseff a destituir e sancionar altos funcionários de seu governo envolvidos em crimes de Estado.
- Favoreceu, em níveis sem precedentes na história do capitalismo brasileiro, a grande burguesia financeira, além de fazer concessões insólitas aos grandes capitalistas depredadores da Amazônia.
- Instrumentalizou uma política antipobreza frágil, fundamentalmente baseada no assistencialismo em grande escala; aproveitando a bonança do capitalismo local para lançar uma parte do excedente, à maneira de dádivas, em favor de indigência, sem promover as necessárias mudanças estruturais nas relações de propriedade, nos serviços básicos, e sem incorporar a pobreza brasileira a estruturas produtivas estáveis.
- Apoiou a expansão do capitalismo ao compasso do crescimento das desigualdades, acompanhando-a de uma sensível – porém inconsistente – redução temporal da pobreza extrema; por sua vez, provocando graves carências nos setores médios e fortes incertezas nas novas gerações.
- Fez seu – e da cúpula do PT – o projeto de imperialismo brasileiro, a partir de uma espécie de nacionalismo de grande potência, às vezes tímido, outras conciliador e, em certas ocasiões, moderadamente forte, no que se refere aos imperialismos maiores (estadunidense e europeu), expressando-se este último em sua participação em novos blocos independentes.
Tudo isto conduziu os governos “petistas” a evitarem a questão essencial do desmonte do modelo neoliberal, a não se atreverem em reverter privatizações e desregulamentações fundamentais e a se desfazerem da opção de uma ordem alternativa pós-neoliberal; resistindo, inclusive, à implantação de políticas propriamente socialdemocratas, pairando pelas estruturas do “neoliberalismo light” ou de uma mistura com algo de socialdemocracia.
E tudo isto tende a distanciar partidos e líderes que disseram ser de esquerda, revolucionários, transformadores/as – e inclusive socialistas e até comunistas – dos sentimentos e anseios da juventude e do povo trabalhador mais consciente, dos movimentos ambientalistas contestatórios e dos novos sujeitos político-sociais anticapitalistas. Tende, portanto, a envelhecê-los.
Sim, tudo isso, além de envelhecê-los, os direitiza, os acomoda, os torna moderadamente conservadores: os assemelha aos chamados partidos tradicionais.
Assim, acontece no Brasil e em nossa América, porém também na Europa como ele mesmo aponta, na Ásia, na África…
E caso duvidem, seria bom indagar e aprofundar sobre o que está ocorrendo no poderoso Partido Comunista da China.
O FSP foi hegemonizado por essa forma de deterioração e de moderação.
Além disso, passou o Fórum de São Paulo a defender posicionamentos centristas, não sem flutuações e contradições significativas.
As cúpulas do PT, do PRD do México, dos setores moderados da Frente Ampla do Uruguai e do FMLN do El Salvador, do Partido Socialista do Chile (quando ativo no Fórum), entre outros, têm muito a ver com essa involução.
O próprio Lula tem uma grande responsabilidade nesses assuntos, assim como tem gravitado nessa mesma linha as relações interestatais entre partidos progressistas e de esquerda no poder e a burocratização de seus vínculos internacionais. Inclusive, uma parte daqueles partidos que no interior de suas sociedades sustentam posições transformadoras, sem atreverem-se a enfrentar devidamente as correntes conservadoras no seio do FSP e sem buscarem articulações revolucionárias em seu interior e fora de suas fronteiras que impulsionem sua radicalização.
- Recordemos a resistência ao ingresso dos novos movimentos político-sociais em igualdade de condições que os partidos.
- Recordemos como teve como nome inicial Fórum dos Partidos de Esquerda.
- Recordemos a reiterada resistência ao ingresso das organizações revolucionárias com tradição político-militar.
- Recordemos a exclusão de Chávez e do Movimento V República antes de ser governo, quando uma parte dos partidos mais influentes do Fórum assumiu o estigma de “golpista” contra ele.
- Recordemos a desonra da expulsão mascarada das FARC-EP do FSP (cuja adesão tem sido agora hipocritamente mencionada por Lula no discurso comentado, como mostra de diversidade).
- Recordemos a negativa em estabelecer vínculos com os zapatistas mexicanos.
- Recordemos o veto a H. Batasuna como observador europeu em momentos de repressão contra ele.
- Recordemos como a Secretaria Internacional do PT se prestou a encurralar uma parte das esquerdas revolucionárias dominicanas para favorecer o ingresso e a permanência do PLD, do PRD e grupos satélites (dois polos neoliberais da direita dominicana). Como em outros casos parecidos.
- Recordemos o maltrato que recentemente foi dispensado à Piedad Córdoba e ao potente Movimento Marcha Patriótica no XVII Encontro.
- E examinemos, por fim, os enormes déficits do FSP na ação anti-imperialista, na mobilização popular e no internacionalismo revolucionário em escala continental e mundial; sem negar seu valor como cenário de intercâmbios, de relações diversas, de conhecimento mútuo, de declarações solidárias com causas justas e de importantes debates.
O FSP e a necessidade da Internacional Anticapitalista.
Não sou daqueles que negam esses e outros valores do Fórum de São Paulo, menos ainda dos/as que apostam em seu desaparecimento. Sinto-me historicamente vinculado a sua existência e as suas melhores contribuições, entendendo que, à raiz da débâcle do “socialismo real” e seus efeitos depressivos, jogou um papel estrelar.
Sim, acredito que além desse espaço heterogêneo, as esquerdas anticapitalistas mundiais, as forças socialistas-comunistas – incluindo a nova esquerda revolucionária diante do capitalismo (social, cultural, intelectual, juvenil, feminista, ambientalista) – necessitam seus próprios espaços de articulação, coordenação, ação e iniciativas comuns em matéria de democracia de rua e criação de contrapoder e poder popular. Necessitam confluir numa grande INTERNACIONAL ANTICAPITALISTA.
Estou convencido da necessidade de limite – sem ignorar alianças pontuais, frentes e espaços comuns mais amplos, e comunicações e coordenações unitárias – entre as esquerdas transformadoras e as esquerdas que optaram pelo reformismo e/ ou por inserir-se burocraticamente, administrar e reformar limitadamente, sem o objetivo de promover a ruptura com o sistema capitalista neoliberal.
Renovação revolucionária.
É preciso renovar e rejuvenescer todo o movimento transformador, a partir da necessária admissão das grandes dificuldades que apresentam as esquerdas revolucionárias que se formaram no curso do século passado para entender e assumir as novas dimensões e características do capitalismo e os novos desafios para aboli-lo.
É preciso entender e assumir a questão de classe à luz do reflexo neoliberal e de outras mutações dentro do sistema de dominação.
É preciso entender os novos sujeitos político-sociais anticapitalistas, a transcendência e evolução da opressão do gênero e das modalidades das novas vanguardas revolucionárias.
O impacto da quarta onda tecno-científica, a questão racial, os graves problemas do meio ambiente, os novos códigos da juventude, o valor da liberdade de opção sexual.
Para compreender as consequências destrutivas da militarização e do aprofundamento extremo do imperialismo atual e das características da presente crise da civilização burguesa.
Depois do acontecido no PT, no Brasil sob sua administração e no Fórum de São Paulo sob sua influência, não brilha e nem basta colocar-se num pódio acima de todos os mortais das esquerdas (falsas e verdadeiras), para escamotear sua deterioração real e convidá-las a escutar as mensagens dos cidadãos que mobilizam… sem analisar a fundo as causas e a direção dessas justas indignações e mobilizações massivas, evitando olimpicamente as responsabilidades próprias, inevitáveis por demais, nesses resultados que estão sendo questionados desde as bases juvenis e populares da sociedade e ignorando – ou tratando superficialmente – a direitização e as inconsequências da cúpula “petista” (e do próprio Lula) que ajudaram a gerá-los.
Assim não, camarada Lula.
06-08-2013, Santo Domingo, RD.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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