quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Complexo Industrial-Portuário do Açu: um grande exemplo de que nem tudo o que reluz é ouro

12/02/2013 - 10:16:52

O Complexo Industrial-Portuário do Açu: um grande exemplo de que nem tudo o que reluz é ouro

* Por Marcos A. Pedlowski
 
Em determinados contextos históricos, a busca de soluções para cenários marcados por graves dificuldades sociais e econômicas acaba gerando expectativas exageradas em torno de determinados empreendimentos. Isto se dá mesmo quando seus idealizadores não fazem nenhum esforço para aumentar seu poder de atração para eventuais parceiros ou, tampouco, para ganhar legitimidades em ações que, eventualmente, se tornam impopulares.
Entretanto, também existem casos em que há um esforço deliberado para gerar expectativas exageradas que acabam servindo não só ampliar a gama de parceiros, mas também para neutralizar e deslegitimar as eventuais vozes dissonantes. Neste segundo cenário é que se insere a construção do chamado Complexo Industrial-Portuário do Açu (CIPA), um mega-empreendimento que vem sendo tocado pelo Grupo EBX do bilionário Eike Batista no município de São João da Barra, no Norte Fluminense.
Em sua versão mais otimista, e que ainda é mostrada aos que fazem as visitas dirigidas no canteiro de obras do Porto do Açu, o CIPA deveria abrigar um porto, duas siderúrgicas, um pólo metalmecânico, unidades de armazenamento e tratamento de petróleo, um estaleiro, plantas de pelotização e cimenteiras, e duas termoelétricas.
Apesar de atualmente Eike Batista enfrentar dificuldades para manter sua fama de ser a versão tupiniquim do "Rei Midas", aquele que transformava em ouro tudo o que tocava, até bem pouco tempo qualquer um que se atrevesse a questionar as projeções otimistas em torno do CIPA era logo taxado de inimigo do desenvolvimento regional.
Além disso, qualquer menção de crítica aos aspectos sociais, econômicos e ambientais associados à instalação do CIPA era prontamente justificada com o número de empregos que seriam gerados, bem como por um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico que causaria. Por exemplo: em um seminário público realizado no campus da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) em 2010, o Grupo EBX anunciou a criação de 39.500 empregos na fase de instalação e outros 47.290 quando o CIPA passasse para sua fase operacional.

 

Desfile de marcas

 
Eike Batista iniciou um verdadeiro desfile de marcas famosas que viriam para São João da Barra para ajudá-lo a transformar a realidade econômica do Norte Fluminense. Por outro lado, o empresário conseguiu aliados importantes nas diferentes esferas de governo, desde a então prefeita Carla Machado (PMDB), passando pelo governador Sérgio Cabral, e alcançando também o planalto central, onde desfrutava das melhores relações com o então presidente Lula e sua ministra da Casa Civil, a hoje presidente Dilma Rousseff.
Com base nessa rede de forças, Eike Batista conseguiu ainda obter em tempo recorde todas as licenças ambientais necessárias para iniciar a implantação do Porto do Açu e a construção do estaleiro naval da OSX. Mas a ajuda estatal não parou por aí, se estendendo à edição de quatro decretos pelo governo do Rio de Janeiro que implicaram na desapropriação de mais de 7.000 hectares de terras no quinto distrito de São João da Barra, afetando um número indeterminado de pequenos proprietários rurais e pescadores.
A partir da edição desses decretos, supostamente em nome do interesse público, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN) foi mobilizada para realizar uma série de remoções forçadas de agricultores e pescadores do interior de propriedades que eram ocupadas por suas famílias há várias gerações, e um grande número de remoções foi realizado em 2011.
Nas remoções, o que se viu foi a repetida utilização de um forte contingente policial que retirava à força famílias inteiras, muitas delas não tendo para onde ir, momento em que muitos acabaram saindo de suas propriedades apenas com a roupa do corpo. As condições para questionar a aura de infalibilidade que cercava a implantação do CIPA começaram a ser viabilizadas com a criação da Associação de Produtores Rurais e Imóveis de São João da Barra (ASPRIM) no mês de setembro de 2010.
A partir desta criação, os agricultores que não queriam ceder suas terras para a CODIN, passaram a atrair a solidariedade de movimentos sociais, sindicatos urbanos, e pesquisadores. Com base nessa rede de apoiadores, a ASPRIM começou a realizar uma série de ações marcadas pela variedade de instrumentos de luta, indo desde o fechamento das estradas de acesso às obras do CIPA até a contratação do mesmo escritório de advocacia que havia representado comunidades que se opuseram a um empreendimento portuário de Eike Batista em Santa Catarina.
A ASPRIM logrou ainda realizar uma série de seminários para informar aos moradores das diferentes localidades afetadas pelo CIPA sobre seus direitos. Apesar das várias tentativas de descaracterizar e deslegitimar as ações da ASPRIM, as diferentes ações que foram realizadas contribuíram para diminuir o ritmo das remoções em 2012. Coincidência ou não, ao longo do último ano o Grupo EBX começou a enfrentar uma série de problemas em função da perda de credibilidade de Eike Batista na passagem da fase da planificação para a entrada em funcionamento de vários de seus projetos.
A situação ficou ainda pior quando a OGX, empresa petrolífera do Grupo EBX, teve de reconhecer que suas estimativas de produção de petróleo no Pré-Sal foram superestimadas de forma grosseira. Além disso, a persistência da crise econômica mundial contribuiu para a desistência dos principais parceiros de Eike Batista na construção do CIPA; ainda que as perdas mais sentidas tenham sido as da chinesa Wuhan e da ítalo-argentina Ternium, que iriam construir as duas siderúrgicas planejadas para o CIPA.
A montadora japonesa Nissan e a empresa norueguesa SubSea 7, que constrói dutos para exploração de petróleo em grandes profundidades, também anunciaram sua desistência de se instalar. É importante notar que a perda de parceiros foi atribuída inicialmente à incapacidade de se estabelecer a infraestrutura necessária para a operação do CIPA. Entretanto, nos últimos meses, um elemento de natureza ambiental se tornou um complicador ainda maior para os planos de Eike Batista em São João da Barra, já que a partir de denúncias de agricultores que ainda permanecem em suas terras, pesquisadores do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense confirmaram a ocorrência de um grave processo de salinização das águas superficiais na área do entorno do CIPA.

 

Multa por crime ambiental

 
Apesar das negativas, há algumas semanas, o Grupo EBX foi multado pelo governo do Rio de Janeiro, que ainda determinou uma série de medidas visando uma reparação do dano ambiental e das perdas financeiras sofridas pelos agricultores do quinto distrito. Ainda que muitos avaliem as penas impostas pelo governo estadual como excessivamente brandas, o principal custo é o aumento da perda da credibilidade de Eike Batista no mundo corporativo, o que, por si só, poderá ter desdobramentos avassaladores sobre o Grupo EBX e todas as empresas da franquia “X”. Quando analisado em seus mais variados aspectos, as chances do CIPA sair do papel estão se tornando cada vez mais exíguas, assim como a realização da fabulosa promessa de empregos.
Isto levanta algumas questões sérias sobre o modelo de desenvolvimento que o megaempreendimento representa, a começar pela aposta na aglomeração de vários empreendimentos numa área ecologicamente sensível e tradicionalmente ocupada por comunidades que anteriormente viviam e trabalhavam em relativo equilíbrio com a Natureza. E aqui não se trata apenas de contar os custos sociais e ambientais mais imediatos, mas de estimar os que ainda estão por vir.
O pior é que se a débâcle de Eike Batista não for revertida, os custos aumentarão exponencialmente, e poderão atingir características catastróficas. A principal lição que podemos tirar das desventuras do Complexo Logístico Portuário do Açu é que não há porque aceitar sem os devidos questionamentos certas propostas mirabolantes que prometem mundos e fundos, mas que só são viáveis com a generosa intervenção do Estado e que, por tabela, concentram os ganhos nas mãos de poucos enquanto socializam coletivamente as eventuais perdas.

Marcos A. Pedlowski é professor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Phd em Environmental Design and Planning pela Virginia Polytechnic Institute and State University.


Nenhum comentário:

Postar um comentário