Por Eduardo Sales de Lima, Reproduzido do Brasil de Fato
Para
Silvio Mieli, jornalista e professor da faculdade de Comunicação e
Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a concentração
de poder nos meios de comunicação é um espelho da concentração
fundiária. Em entrevista, ele analisa a atual conjuntura de luta pela
democratização da comunicação no país.
“Os primeiros grilaram terras públicas ou
compraram terras de grileiros. Os últimos se apossaram do espectro
eletromagnético por favorecimentos políticos e pelo poder econômico, ou
ambos os casos”, argumenta o professor.
A opinião do jornalista soma-se às
recentes manifestações pela democratização na comunicação no Brasil,
como a que ocorreu no dia 15 de outubro, em frente ao hotel Renassaince,
onde estava ocorrendo um encontro da SIP (Sociedade Interamericana de
Imprensa). Na ocasião, representantes do Coletivo Intervozes e do Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), entre outras
organizações, levantaram cartazes denunciando abusos praticados por
emissoras de rádio e televisão, jornais e revistas.
Aliás, uma das conclusões do recente
estudo do pesquisador Tiago Cubas, do Núcleo de Estudos, Pesquisas e
Projetos de Reforma Agrária (Nera/Unesp), “São Paulo Agrário:
representações da disputa territorial entre camponeses e ruralistas de
1988 a 2009”, vai justamente nessa direção. A de que a mídia corporativa
totaliza a visão das relações capitalistas no campo; daí estereotipa e
não aceita sujeitos e modos de produção alternativos.
Há tempos existe a violência física
cometida pelo poder público ou privado sobre os sem-terras, por meio de
policiais e seguranças. A cobertura mídia tradicional aborda tais
ocorrências de forma tendenciosa. Por que a violência contra o pobre é
tão naturalizada e até ignorada pela mídia corporativa até hoje?
Silvio Mieli– Em
primeiro lugar é preciso lembrar que a mídia é ultraconservadora. O
conservador acha natural que 1 bilhão de pessoas passem fome no mundo.
Também passa a ser natural – e típico dos conservadores – que se use de
violência contra aqueles que querem sair dessa situação. Como diz o
filósofo Giorgio Agamben, a mídia gosta de pessoas indignadas, porém
passivas. Os grandes jornais não terão nenhum prurido em mostrar
crianças famintas num lixão qualquer da vida, mas reprovarão
veementemente qualquer ação direta para corrigir essa injustiça. Ora, o
mesmo modelo de concentração fundiária se espelhou para os meios de
comunicação no Brasil. Os primeiros grilaram terras públicas ou
compraram terras de grileiros. Os últimos se apossaram do espectro
eletromagnético por favorecimentos políticos e pelo poder econômico, ou
ambos os casos. É por essas e outras que o sistema é capaz de tudo
quando se trata de discutir a propriedade da terra ou de um meio de
comunicação. Não por acaso o slogan da democratização dos meios de
comunicação nos anos 1980 era: Reforma Agrária no Ar. Na terra como na
mídia estamos lidando com os mesmos problemas: a questão da propriedade,
o seu uso social e quais modelos de desenvolvimento devem ser colocados
em prática.
Em termos práticos, que tipo de relação
existe entre os jornais locais (e os nacionais) e o agronegócio para
tratar os camponeses pobres sempre de forma criminosa?
S.M.– Todas
as famílias que monopolizam os meios de comunicação no Brasil são
(direta ou indiretamente) grandes proprietários de terra. A família Saad
(grupo Bandeirantes), que recentemente também entrou no ramo da mídia
impressa, é de grandes pecuaristas, Octávio Frias (pai) era um dos
maiores granjeiros do país. Portanto, além do servilismo ao poder,
existem interesses diretos no setor. Muitos políticos, mesmo os que se
acham muito poderosos, viraram office-boys das grandes corporações.
Quanto aos grandes veículos de comunicação, transformaram-se em
promoters de eventos dessas grandes empresas.
Após a chamada “redemocratização”
(pós-ditadura), qual tem sido o peso das mídias (locais e nacionais) no
processo de naturalização da violência aos pobres e sem-terras e no
entrave à reforma agrária?
S.M.– Costumo
dizer que a mídia não é o quarto poder, mas o quinto elemento. Temos a
água, terra, fogo, ar e… os meios de comunicação. Vivemos imersos neles.
Daí a importância da qualidade do que se produz nesse meio. Mas no
nosso caso brasileiro, será que podemos falar realmente de
“redemocratizacão” se, dentre tantos problemas herdados da ditadura, o
acesso aos meios é tão limitado ? Eis uma outra dimensão da vida
nacional que vive num estado de exceção permanente. A ditadura
configurou um modelo comunicacional que, mesmo findo o regime militar,
continua de pé. É só pesquisar o papel da mídia corporativa nos últimos
grandes embates relativos às questões ambientais e agrárias para
verificar como se comportam (Raposa Serra do Sol, MP 458, Código
Florestal, Belo Monte…).
O que um governo progressista ou a própria
sociedade maios esclarecida poderiam fazer para pressionar esses
veículos por uma comunicação mais equilibrada?
S.M.– Vejamos
o exemplo da pentecostalização da mídia no Brasil. Considero a invasão
dos meios de comunicação por corporações que se autodenominam igrejas um
dos maiores problemas contemporâneos na comunicação de massa no Brasil.
Já convivíamos com uma série de outros problemas, agora temos mais
essa. O que o Estado fez? Ampliou o espaço e o poder desses grupos,
inclusive através de alianças político-partidárias. Entregou redes de
televisão para grupos que não representam nenhuma força cultural local,
agridem as tradições religiosas de matrizes africanas e fazem
proselitismo do capitalismo como religião.É claro que é preciso lutar
pelo controle social da mídia, mas acho que o caminho não é o de
reformar o que está aí, nem de cortar as propagandas estatais. A mesma
tática do MST deve ser usada na luta pela democratização da comunicação:
a ocupação do espectro improdutivo (seja no âmbito social, cultural ou
pedagógico, que inclusive tem respaldo constitucional). Não me refiro a
ocupar os estúdios da Globo, mas, para além do espaço que o movimento
social vem conquistando na internet, lutar por canais de comunicação
para os movimentos. Por que não uma MSTV, uma TV do MST? Chegou a hora
de os movimentos sociais falarem ao povo diretamente, sem intermediários
e não só pela internet, mas também através das ondas eletromagnéticas,
ou do que restou delas.
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