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Ricardo Costa (Rico) – Sec. Nacional de Formação Política do PCB
Comemoramos hoje, neste 7 de novembro
(25 de outubro no calendário juliano), os 95 anos da Revolução
Socialista na Rússia, o mais importante evento histórico do século XX,
por ter demonstrado ao mundo – e provocado a reação raivosa da burguesia
internacional – a real possibilidade de os trabalhadores tomarem o
poder político e decidirem sobre o seu próprio destino, construindo com
suas próprias mãos – com erros e acertos – um Estado que, no
fundamental, servisse aos interesses e necessidades de sua classe, o
Estado socialista.
Figura essencial para o sucesso desta
empreitada foi Vladimir Lênin, que, liderando a facção bolchevique
(revolucionária) do Partido Operário Social Democrata Russo e
enfrentando as vacilações das correntes moderadas e oportunistas (os
mencheviques e socialistas-revolucionários) e as de seu próprio grupo,
foi o grande dirigente do processo de lutas que desembocou na primeira
revolução proletária da história a conquistar e manter o poder de
Estado.
Não podemos transformar a Revolução
Socialista Russa numa obra exclusiva de um gênio solitário, pois as
verdadeiras revoluções não se fazem sem a participação ativa das massas.
No caso da Rússia de 1917, havia a experiência concreta de uma incrível
participação popular, com a formação de comitês locais de
trabalhadores, soldados, marinheiros, camponeses em várias cidades,
constituindo na prática um poder paralelo ao governo burguês que, em
março (fevereiro no calendário russo), derrubara a monarquia czarista,
mas nada fizera para atender aos reclamos populares, no que tange à
saída do país da guerra mundial e ao combate interno à fome e à miséria.
Os Sovietes, organizações
representativas dos trabalhadores, surgiram nas lutas de 1905, que
explodiram em meio à crise provocada pelos efeitos da Guerra
Russo-Japonesa (decorrente de disputas imperialistas) vencida pelo
Japão. Estes órgãos de representação popular sofreram a repressão do
período contrarrevolucionário (1907-1914), mas recuperaram o vigor e
voltaram à plena atividade política nos anos da Grande Guerra, tomando à
frente dos protestos e manifestações de massas contrários ao regime
aristocrático e às mazelas provocadas pelo conflito internacional.
Lênin percebeu a oportunidade histórica
de deflagração da revolução proletária a partir da mobilização popular
em curso, mas provocou a reação de incredulidade – e até mesmo desprezo –
da parte dos militantes socialistas russos, quando apresentou suas
Teses de Abril, ao retornar do exílio a que fora confinado na Suíça.
Dizia:
A peculiaridade do
momento atual na Rússia consiste na transição da primeira etapa da
revolução, que deu poder à burguesia por faltar ao proletariado o grau
necessário de consciência e organização, para sua segunda etapa, que
deve colocar o poder nas mãos do proletariado e das camadas pobres do
campesinato.1
Em sua análise sobre a Revolução de
Fevereiro/Março de 1917, havia percebido que ela fora o resultado de um
golpe desferido por duas grandes forças políticas e sociais: de um lado,
a Rússia burguesa e latifundiária, apoiada pelos capitalistas ingleses e
franceses, e de outro, o Soviete de Deputados e Operários. Haviam se
fundido, naquele acontecimento, correntes com interesses de classe
absolutamente heterogêneos: a conspiração dos imperialistas
anglo-franceses, que buscavam impedir os acordos de paz em separado
entre Nicolau II e o Imperador alemão Guilherme II e incentivaram a
burguesia russa a derrubar a monarquia; o movimento proletário e popular
de massas, em defesa da paz, do pão e da verdadeira liberdade. Mas a
classe que efetivamente tomou o poder foi a dos latifundiários e da
burguesia (fortalecida com a indústria da guerra), que já dirigia a
economia da Rússia e necessitava tomar para si o aparato estatal a fim
de garantir os privilégios do capital.
Eis um dos aspectos centrais com que
Lênin sempre se preocupou em suas análises: o poder de Estado. Em texto
produzido às vésperas da Revolução Socialista, afirmava:
A questão mais
importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder do
Estado. Nas mãos de que classe está o poder, é isto que decide tudo.
(...) Não é possível
eludir nem afastar a questão do poder, pois esta é a questão
fundamental que determina tudo no desenvolvimento da revolução, em sua
política interna e externa.
(...) Durante uma
revolução popular, que desperta as massas, a maioria dos operários e
camponeses, para a ação, o poder só consegue ser estável caso se apoie
de modo evidente e incondicional na maioria da população. Até esse
momento, o poder de Estado na Rússia permanece de fato nas mãos da
burguesia (...).2
E desancava sem dó sua crítica aos
reformistas e oportunistas da época, que confundiam deliberadamente o
“poder dos sovietes” com “um ministério dos partidos da maioria nos
sovietes”, ou seja, com a ocupação de cargos políticos no governo
burguês por membros dos partidos que, momentaneamente, tinham maioria no
interior dos sovietes, os mencheviques e esseristas (SRs =
soclialistas-revolucionários). Estes consideravam absurda a proposta
bolchevique de revolução proletária, por entender que a classe
trabalhadora não estava “madura” para assumir o poder ou que a revolução
era “ilegítima” por não obter o apoio explícito da maioria da
população. A história daria razão a Lênin e aos bolcheviques.
Lênin deixava claro então que o poder
soviético significaria uma mudança radical no exercício do poder de
Estado. Não bastava tomar o poder de assalto (algo que de fato foi
facilitado pela degradação do Estado burguês em 1917, por sua
progressiva fragilidade, ao se desgastar política e socialmente na
tentativa de manter a presença da Rússia na guerra a qualquer preço,
preferindo atender às necessidades dos imperialistas ingleses e
franceses a fazer valer a vontade popular):
O “poder dos
sovietes” significa uma transformação radical de todo o velho aparelho
de Estado, deste aparelho burocrático que entrava tudo quanto é
democrático, a eliminação deste aparelho e sua substituição pelo
aparelho novo, popular, isto é, verdadeiramente democrático, dos
sovietes, isto é, da maioria organizada e armada do povo, dos operários,
dos soldados, dos camponeses, a concessão da iniciativa e da autonomia à
maioria do povo não só na eleição dos deputados, mas também na
administração do Estado, na realização de reformas e transformações.3
A construção do poder proletário
exigiria muito mais que assumir o controle do aparato estatal e muito
mais ainda que meramente ocupar cargos no interior do governo existente.
Era preciso destruir o aparelho que até então servia aos interesses do
latifúndio e do capital e, em seu lugar, erigir um Estado de caráter
genuinamente popular, que garantisse a participação efetiva dos Sovietes
nas tomadas de decisão. Para Lênin, estava claro que as experiências
ditas democráticas nas sociedades burguesas ocidentais encobriam a
constituição de verdadeiros exércitos a serviço do capital e não dos
interesses da população:
Toda a história dos
países parlamentares burgueses e, em considerável medida, a dos países
burgueses constitucionais, mostra que uma mudança de ministros significa
muito pouco, pois todo o trabalho administrativo real está nas mãos de
um exército gigantesco de funcionários. E este exército está impregnado
até a medula de um espírito antidemocrático, está ligado por milhares e
milhões de fios aos latifundiários e à burguesia, dependendo deles de
todas as formas. Este exército está rodeado por uma atmosfera de
relações burguesas, respira apenas nela, está congelado, petrificado,
anquilosado, não tem forças para se libertar dessa atmosfera, não pode
pensar, sentir, agir de outro modo que não seja à maneira antiga. Este
exército está ligado por relações de respeito aos superiores, por
determinados privilégios do serviço “do Estado”, e as categorias
superiores deste exército estão completamente submetidas, por meio das
ações dos bancos, ao capital financeiro, do qual são em certa medida
agentes, véculos de seus interesses e influência.
E continuava:
… tal aparelho de
Estado é absolutamente incapaz de levar a cabo reformas, não que
destruam, mas até as que apenas cerceiem ou limitem seriamente os
direitos do capital, os direitos da “sagrada propriedade privada”. Daí
resulta sempre que, em todos os ministérios de “coligação” possíveis em
que participam “socialistas”, estes socialistas, mesmo que alguns dentre
eles sejam de uma absoluta probidade, se revelam de fato um ornamento
inútil ou um biombo do governo burguês, um para-raios da indignação
popular provocada por este governo, um instrumento do engano das massas
por este governo.4
As palavras de Lênin são cristalinas na
percepção de que não havia – e continua não havendo hoje – qualquer
possibilidade de reformar o Estado burguês, por mais aparentemente
democrático que ele possa ser. Até porque o que existe nos dias atuais
de democrático (sufrágio universal, direitos político e sociais
universais) no Estado que serve fundamentalmente aos interesses do
capital foi obtido, com muita luta e sangue, pelos movimentos dos
trabalhadores e das camadas populares ao longo dos séculos XIX e XX.
Não é mero exercício de retórica ou
emulação política retornar aos ensinamentos de Lênin, produzidos no
calor da revolução que propiciou uma experiência ímpar de democracia
popular radical (no poder os bolcheviques mantiveram as unidades do
Exército Vermelho ligadas à classe operária e aos camponeses;
democratizaram a justiça, com eleições de juízes; transformaram a
polícia em instrumento de defesa diária da segurança da população;
implantaram a eleição e o mandato revogável dos funcionários públicos;
garantiram a participação dos sindicatos e dos sovietes na criação de
organismos econômicos, na elaboração dos planos de produção e na gestão
industrial; suprimiram as desigualdades sociais e socializaram os meios
de produção, colocando-os a serviço dos interesses e necessidades da
maioria), mesmo que, posteriormente, esta experiência tenha sofrido
revezes em decorrência de inúmeros fatores que não cabe aqui, neste
pequeno artigo, abordar. O líder bolchevique continua atual na análise
do caráter do poder de Estado como definidor da estratégia de luta dos
comunistas. Hoje, como em 1917, não cabem ilusões com a possibilidade de
obter pequenas conquistas ou reformas de fachada em nome dos
trabalhadores no interior do aparato burguês. Aqueles que, nos dias
atuais, em troca de migalhas para as camadas populares e da promessa de
um socialismo desfigurado de seus princípios e cada vez mais distante de
ser efetivado, contentam-se em ocupar cargos em ministérios e governos
que não fazem outra coisa a não ser promover o aprofundamento das
relações capitalistas, um dia serão varridos pela História. A exemplo do
ocorreu em outubro/novembro de 1917.
1. Lênin – Sobre as tarefas do
proletariado na presente revolução (teses de abril) em Zizek, Slavoj -
“As Portas da Revolução, São Paulo, Boitempo Editorial, 2005, p. 64.
2. Lênin – Uma das questões fundamentais da revolução – idem, pp. 113-114.
3. Idem, ibidem, pp. 114-115.
4. Idem, ibidem, p. 115.
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