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Milton Pinheiro1
Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época, não vos esqueçais!
Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus.
Juntai com paciência as testemunhas daqueles que tombaram por eles e por vós.
Um belo dia, hoje será o passado, e falarão numa grande época
e nos heróis anônimos que criaram a história.
Gostaria que todo mundo soubesse que não há heróis anônimos.
Eles eram pessoas, e tinham nomes, tinham rostos, desejos e esperanças,
e a dor do último entre os últimos não era menor do que a dor do primeiro,
cujo nome há de ficar.
Queria que todos esses vos fossem tão próximos como pessoas que tivésseis
Conhecido como membros da sua família, como vós mesmos.
Julius Fuchik
Para Neide Alves Santos, única mulher do PCB, morta pela ditadura militar
Hoje, como faço desde 2009, acordei cedo
para reunir-me àqueles que comparecem a Alameda Casa Branca, ao local
onde foi assassinado o líder comunista Carlos Marighella, para
prestar-lhe mais uma homenagem. É um ato coberto por um grande
simbolismo, com a presença de históricos militantes da causa
revolucionária em nosso país, mas também, com a presença daqueles que
representam, nos dias atuais, a luta e o desejo, da nossa classe, em
prosseguir fazendo história e perseverando na luta pela revolução
socialista.
Marighella, heróico combatente contra a
ditadura burgo-militar, tombou nesta data pela cilada covarde da
repressão, em 1969. No entanto, não tombaram seus sonhos e idéias.
Homens e mulheres, juventude aguerrida e trabalhadores, continuam em
marcha para confeccionar no palmilhar do dia-a-dia, a esperança do mundo
emancipado da exploração do homem pelo homem.
Mas, ao voltar-me neste dia para Carlos
Marighella, nesta justa homenagem, desperto para a luta sem trégua dos
seus camaradas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), operador político
no qual foi militante, parlamentar e dirigente durante 33 anos da sua
vida, saindo dele, por divergência na forma de enfrentar a ditadura
burgo-militar, 02 anos antes de ser assassinado.
O ódio de classe exercitado pela
burguesia durante todo o século XX contra o PCB foi levado às últimas
consequências pela ditadura militar: eles prenderam, torturaram e
mataram os militantes mais destacados de um operador político que teve
seus erros no pré-1964, mas que resolveu articular uma ampla luta de
massas contra a ditadura burgo-militar, e por isso pagou um gigantesco
tributo, que foi regado com sofrimento e sangue de seus militantes.
Logo, no primeiro momento, quando se
estabeleceu as trevas golpistas que cortaram as luzes da democracia em
construção, no último dia de março de 1964, a burguesia e seu aparato
militar/policial repressivo partiu para cima dos comunistas. Era a bota
de chumbo pisando o sol da liberdade, começaram a ceifar as vidas da
vanguarda comunista. E a primeira vítima foi o estivador e sindicalista,
Antogildo Pascoal Viana (AM), assassinado no dia 08 de abril de 1964,
seguiram-se a ele, ainda em 1964, os seguintes camaradas: o operário
eletricista e sindicalista Carlos Schirmer (MG), no dia 1º de
maio; Pedro Domiense de Oliveira (BA), sindicalista e líder dos
posseiros urbanos, assassinado no dia 07 de maio; Manuel Alves de
Oliveira (SE), militar assassinado no dia 08 de maio; o gráfico e
sindicalista Newton Eduardo de Oliveira (PE) foi morto, em 1º de
setembro; o líder camponês João Alfredo Dias (PB), conhecido como “nego
fubá”, sapateiro e ex-vereador, foi sacrificado pela repressão em 07 de
setembro; ainda no dia da pátria, também foi assassinado o líder
camponês e presidente das ligas camponesas de Sapé, Pedro Inácio de
Araújo (PB); no dia 15 de novembro a ditadura matou o gráfico, Israel
Tavares Roque (BA) e no final do ano de 1964 e/ou começo de 1965, o
marítimo catarinense Divo Fernandes D’oliveira.
Ao todo, em 1964, a ditadura matou 29
militantes que lutavam contra o arbítrio, sendo 09 do PCB. Esses dados
podem não conter desaparecimentos e algumas mortes estranhas, não
computadas diretamente à repressão. Mas, com certeza, em virtude da ação
criminosa do estado ditatorial naquele momento.
Em 1965 a sanha assassina da ditadura
matou o ex-militar, que havia participado das lutas dos tenentes com
Luiz Carlos Prestes, Severino Elias de Melo (PB). E em 10 de outubro de
1969, matou João Roberto Borges de Souza (PB), que era líder estudantil e
vice-presidente da UEE da Paraíba.
O recrudescimento da ditadura avançou
após o AI-5 em 1968, uma parte importante da esquerda brasileira,
rompida com o PCB, enfrentava as trevas de armas na mão, sofrendo o
massacre da ditadura. O PCB, consciente da necessidade de colocar as
massas no processo de resistência, desenvolvia seu trabalho.
No decorrer de 1971, o terror da
ditadura matou muitos revolucionários. Novamente voltou a eliminar
comunistas do PCB. Já no dia 02 de fevereiro era assassinado o
sindicalista José Dalmo Guimarães Lins (AL); o ex-militar, ex-bancário e
funcionário da Embratel Francisco da Chagas Pereira (PB) foi
desaparecido desde 05 de agosto; e o sapateiro comunista, organizador de
trabalhadores do garimpo em Jacundá (PA), Epaminondas Gomes de Oliveira
(MA) foi assassinado em 20 de agosto.
Em 1972 foram mortos pela repressão, o
militante secundarista Ismael Silva de Jesus (GO) no dia 09 de agosto
(torturado até a morte) e Célio Augusto Guedes (BA), dentista de
histórica família de comunistas baianos (irmão de Armênio Guedes), que
trabalhou diretamente com Prestes e exerceu várias funções dentro do
partido. Foi morto em 15 de agosto, sob tortura, após ser preso na
fronteira do Brasil com o Uruguai.
O herói da segunda guerra José Mendes de
Sá Roriz (CE), líder dos combatentes, e que salvou da morte no campo de
Batalha o marechal Cordeiro de Farias, teve seu filho e neta
seqüestrados pelo Exército, que exigiam, sob tortura do filho, a prisão
dele para liberar os reféns. O comunista se entregou ao marechal Cosme
de Farias. No entanto, foi assassinado na mais cruel tortura no dia 17
de fevereiro de 1973.
Mas o pior ainda estava por vir. A
ditadura fascista iria caçar os comunistas brasileiros, aprofundava-se
em 1974 uma longa perseguição, planejada para liquidar o PCB, cuja
política de resistência democrática se consolidava na frente ampla
contra o regime. No começo do ano, em 19 de março, foram
assassinados Davi Capistrano da Costa (CE) e José Roman (SP). O primeiro
era um importante dirigente comunista, militar, havia participado do
levante de 1935, quando foi preso por sua participação. Fugiu de Ilha
Grande e foi lutar, em 1936, na Espanha ao lado dos republicanos como
brigadista internacionalista. Participou de forma heróica na batalha de
Ebro, que ocorreu entre julho e outubro de 1938. Ainda em 1938 foi para a
França onde iria lutar na resistência a ocupação do nazismo. Foi preso
pelos nazistas e por ser estrangeiro, não foi executado no primeiro
momento, mas foi levado para o campo de Gurs, na Alemanha hitlerista.
Quando foi libertado pesava 35 quilos. Voltou ao Brasil, foi preso
novamente em Ilha Grande, e com a democratização se elegeu deputado
estadual por Pernambuco, em 1947. David Capistrano foi eleito para o CC
no IV em 1954. Com a instalação da ditadura saiu do Brasil e ao voltar,
foi preso e assassinado.
O metalúrgico José Roman era um destacado militante operário, foi preso ao ir buscar David Capistrano em Uruguaiana.
O massacre continuava em 1974. O dia 03
de abril seria marcado por uma grande tragédia, foram mortos 03 heróis
do povo brasileiro. O operário metalúrgico João Massena Melo (PE) foi
preso em São Paulo e assassinado pela repressão. O dirigente metalúrgico
foi vereador pelo Distrito Federal em 1947 e deputado estadual pelo
estado da Guanabara, em 1962. Era membro do CC do PCB e seu corpo
continua desaparecido.
Nas mesmas condições também foi preso e
morto Luiz Ignácio Maranhão Filho (RN). Jornalista, deputado estadual
eleito em 1958 pelo Rio Grande do Norte, visitou Cuba a convite de Fidel
Castro, era membro do CC do PCB. O jornalista e dirigente comunista
esteve preso em vários momentos da história republicana. E o oficial do
Exército Walter de Souza Ribeiro (MG), ativo militante das lutas pela
paz, era membro do CC do PCB e atuava na estrutura interna do partido.
O professor de História, Afonso Henrique
Martins Saldanha (PE), foi morto em 08 de dezembro em virtude das
torturas que sofreu na cadeia. Foi presidente do sindicato dos
professores da cidade do Rio de Janeiro por dois mandatos, sendo cassado
no segundo mandato, antes mesmo de tomar posse. Era um militante
destacado das bandeiras comunistas no movimento docente.
No ano de 1975 a repressão seria mais
violenta, ainda, com o PCB. Logo no dia 15 de janeiro, dois lutadores da
causa dos trabalhadores são eliminados em São Paulo. Elson Costa (MG),
membro do CC do PCB e líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais
foi preso e assassinado, até hoje seu corpo continua desaparecido.
E Hiran de Lima Pereira (RN), preso e assassinado nas mesmas
circunstâncias. Membro do CC do PCB foi importante quadro da vida
pública, sendo secretário de Administração de Miguel Arraes na
prefeitura de Recife. Em seguida, no dia 04 de fevereiro, era preso e
assassinado no Rio de Janeiro, o jornalista e advogado Jayme Amorim de
Miranda (AL). Grande organizador das lutas operárias e de massas pelo
Brasil foi preso várias vezes e sofreu tentativa de homicídio. Esteve na
URSS e exerceu intensa atividade na imprensa comunista; seu corpo até
hoje não foi encontrado.
Em abril, foi preso e assassinado o
líder camponês Nestor Veras (SP). Organizador das lutas camponesas que
teve intensa presença entre os trabalhadores sem terra, foi fundador e
responsável pelo jornal Terra Livre e dirigente da ULTAB. Era membro do
CC do PCB e seu corpo está desaparecido até hoje. No mês de maio, no dia
25, era preso e assassinado o operário da construção civil,Itair José
Veloso (MG). Líder operário foi primeiro sapateiro e depois passou a
atuar na construção civil, sendo eleito dirigente do Sindicato dos
Trabalhadores da Construção Civil de Niterói e Nova Iguaçu, e foi eleito
secretário-geral da Federação dos Trabalhadores da Construção Civil.
Itair Veloso esteve através de delegações sindicais na URSS e China.
Membro do CC do PCB, seu corpo continua desaparecido.
No segundo semestre, em 07 agosto
morria Alberto Aleixo (MG) em virtude da tortura. Estava preso desde
janeiro e não resistiu aos maus tratos, foi um militante gráfico, sendo
responsável pela gráfica do partido e exerceu uma longa jornada de
trabalho na imprensa comunista. Era irmão do vice-presidente de Costa e
Silva, Pedro Aleixo. No dia seguinte, 08 de agosto, era assassinado sob
tortura o tenente da PM de São Paulo, José Ferreira de Almeida (SP).
Policial militar da reserva exercia uma intensa atividade na PM paulista
e integrava o grupo interno de militares do PCB. No dia 18, ainda no
mês de agosto, morria em virtude das torturas o coronel reformado da
PM/SP, José Maximino de Andrade Netto (MG), que havia sido cassado em
1964. O militante comunista foi preso em 11 de agosto de 1975 e sofreu
intensa tortura, até morrer em um hospital de Campinas. Também fazia
parte do coletivo de militares do partido.
A repressão continuava caçando o PCB. No
dia 17 de setembro, o dirigente do partido no estado do Ceará, Pedro
Jerônimo de Souza (CE), comerciário que se encontrava preso desde 1975,
foi morto sob tortura. Pouco tempo depois, no dia 29 de setembro era
preso e assassinado o dirigente da juventude comunista, José Montenegro
de Lima (CE). Ativo dirigente estudantil, foi diretor da UNETI,
contribuiu para formular as posições do PCB na área juvenil. Teve grande
participação na articulação de organismos da juventude internacional no
Brasil (FMJD). Seu corpo não foi localizado até hoje.
Quando chegou o mês de outubro a
ditadura fez outra vítima, agora, o destacado dirigente
comunista Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior (ES). Foi preso e
assassinado sob tortura no dia 08, seu corpo ainda não foi encontrado.
Orlando Bomfim foi jornalista e advogado, tendo sido vereador do PCB por
Belo Horizonte, em 1947. Era membro do CC e exerceu intensa atividade
jornalística. Para fechar o ano de 1975, a repressão assassinou, sob
tortura, Vladimir Herzog (Croácia), no dia 25 de outubro. Herzog era
professor da USP e jornalista, militante da base cultural do PCB em São
Paulo, foi assassinado após se apresentar no DOI-CODI para prestar
depoimento.
A ditadura dava sinais de exaustão; as
eleições municipais de 1976 foram canceladas; a política do PCB começava
a ser vitoriosa na ampla frente democrática. Mas a repressão ainda
ceifaria as vidas de comunistas naquele ano. No dia 07 de janeiro era
morta a militante comunista Neide Alves Santos (RJ). Essa mulher de
convicção profunda foi a única comunista, do PCB, morta pela ditadura.
Era militante do setor de propaganda e atuava juntamente com Hiran de
Lima Pereira. Ela havia sido presa em 06 de fevereiro de 1975 e
encaminhada para DOI-CODI/SP e depois para o DOPS/RJ; foi encontrada
morta em via pública com sevícias por todo o corpo. Dez dias depois da
morte de Neide, era assassinado sob tortura, no dia 17, o operário
metalúrgico Manoel Fiel Filho (AL), que era Responsável pela
distribuição da Voz Operária nas fábricas da Mooca. Foi preso no dia 16 e
levado para o DOI-CODI/SP, e assassinado em seguida.
No dia 29 de setembro, ainda em 1976,
era assassinado sob tortura o operário Feliciano Eugênio Neto (MG).
Histórico militante comunista realizou tarefas com Maurício Grabois e
Carlos Danielli, foi operário da CSN e vereador em Volta Redonda. Após
ser cassado foi ser operário no ABC paulista. Era responsável pela
distribuição da Voz Operária no estado de São Paulo, até ser preso em 02
de outubro de 1975.
Em 1977 o PCB teve seu último militante
assassinado pela ditadura. No dia 30 de setembro era morto sob tortura,
nas dependências da 1ª CIA da PE do Exército no Rio de Janeiro, o
professorLourenço Camelo de Mesquita (CE). Ativista muito conhecido
exercia sua militância no comitê do partido na Estação Ferroviária da
Leopoldina.
O PCB foi massacrado de 1973 a 1976 por
uma operação realizada pelo Exército, tratava-se da “Operação Radar”,
que tinha como objetivo liquidar o histórico operador político dos
comunistas brasileiros. Essa era uma das medidas impostas pela
geopolítica arquitetada por Golbery do Couto e Silva, para flexibilizar a
ordem política brasileira.
Foram 39 militantes assassinados, nas
mais diversas modalidades, desde o primeiro momento do golpe até o
começo da chamada “distensão” do regime militar. Para além dessas
mortes, o PCB teve centenas de presos que passaram pela mais atroz
tortura.
Porque tanto ódio da burguesia a este
partido? Talvez seja possível responder: o PCB luta ao lado da nossa
classe, não tem nenhum acontecimento que diga respeito aos interesses
dos trabalhadores na história do Brasil que não tenha tido a
participação decidida dos comunistas. O sangue dos militantes do PCB
tingiu de vermelho as bandeiras das lutas operárias de 1922 até 1977. A
luta do PCB é pela revolução socialista no Brasil; superados os
equívocos da sua formulação, pois errou porque lutou, o PCB quer estar,
ao lado de todos aqueles que lutam pela emancipação humana na vanguarda
da revolução brasileira. O ódio da burguesia é contra as ideias do
socialismo e contra o partido que luta para operar essa tarefa
histórica.
Vida longa aos heróis da revolução brasileira que tingiram com seu sangue a bandeira da liberdade.
São Paulo, 04 de novembro de 2012.
1Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e membro do CC do PCB.
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