José Goulão [*]
Uma ilusão que é cruel para os que
voltarão a ser as principais vítimas quando ela tragicamente se desfizer
– os habitantes de Gaza e os palestinianos em geral.
Calaram-se temporariamente as armas mas o
que aconteceu para além da pompa e circunstância do anúncio? Israel
prometeu que não bombardeia Gaza, que não comete mais execuções extra
judiciais de dirigentes do Hamas e que irá ampliar a disponibilidade de
movimentos dos cidadãos do território; o Hamas compromete-se a não
lançar mísseis contra o território israelita. Ambos os lados garantem
que continuam com os dedos no gatilho, o primeiro-ministro israelita
ameaça que se houver quebra da trégua a resposta será mais violenta
ainda, mas o problema de fundo subsiste: o criminoso e asfixiante
bloqueio à Faixa de Gaza, que até o conservadoríssimo primeiro-ministro
britânico Cameron qualifica como “prisão a céu aberto”.
O que aconteceu como reflexo de mais
este episódio de uma guerra sem termo, além da liquidação de 185
habitantes de Gaza, famílias inteiras, algumas dezenas de crianças e da
destruição de mais edifícios num território em escombros?
Aconteceu que o novo poder da Irmandade
Muçulmana no Egipto se tornou figura de pleno direito da chamada
“comunidade internacional”, respeitável mediador como foi durante
décadas o agora proscrito Mubarak, e que para tal recebeu o diploma do
regime norte-americano, que é quem tem, como se sabe, a última palavra
nestas coisas. Bem… talvez essa palavra já seja a penúltima porque
Benjamin Netanyahu continua a dispor de todas as facilidades para dizer –
sobretudo fazer – mais qualquer coisa.
A passagem do poder islamita no Egipto
neste teste interessava a muita gente. Principalmente à administração
norte-americana, que mantém na prática o status quo em relação ao
segundo maior aliado na região e logo numa altura em que o ramo sírio da
Irmandade Muçulmana recebeu, ainda que de maneira disfarçada, a chefia
da coligação anti-Assad fabricada no Qatar para chegar a Damasco.
Interessa, e muito, a Israel, que vê sufragados os acordos “de paz” de
Camp David pelos islamitas egípcios e fica com o inimigo Hamas sujeito a
influências de dois islamismos antagónicos – Egipto e Irão – e de
costas cada vez mais voltadas para o governo palestiniano de Ramallah.
Com este episódio em Gaza aconteceu
também que a iniciativa do presidente palestiniano Mahmud Abbas de pedir
de novo o reconhecimento da Palestina na ONU ficou soterrada nas ruínas
geradas pelos acontecimentos. Tal iniciativa passará a ser lida à luz
de uma torrente de novos e velhos dados que servirão de alibi
determinante para os que não querem aceitar essa declaração – e que são
também os que decidem em derradeira instância.
Quando o cessar-fogo for quebrado, o que
acontecerá inevitavelmente porque a continuação do bloqueio o garante, o
megafone mediático mundial encarregar-se-á de ditar quem foi, ilibando o
mediador egípcio e permitindo a Benjamin Netanyahu, se disso necessitar
para fins eleitorais, o recomeço dos bombardeamentos, das execuções e
também a invasão terrestre, que continua a estar operacional.
Para a “comunidade internacional”, de
consciência tranquila devido aos denodados esforços diplomáticos feitos,
a segurança, a dignidade e a liberdade dos cidadãos de Gaza, o direito
legítimo dos palestinianos a terem o seu Estado podem e devem continuar
adiados, como sempre. Nada mais natural porque eles são os culpados de
tudo o que lhes acontece, não é isso que dita a inquestionável verdade
oficial?
22/Novembro/2012
[*] Jornalista
O original encontra-se em http://www.odiario.info/?p=2685 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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