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José Paulo Gascão
08.Out.12 :: Colaboradores
As novas condições objectivas e
subjectivas indicam claramente que só há razões para intensificar a
ofensiva, mas essa ofensiva será tanto mais eficaz quanto mais alargado
for o conhecimento da etapa em que está a luta em Portugal, quais os
objectivos mais imediatos, sem deixar de indicar, como nos dizem os
clássicos, o objectivo final e o que é necessário para o construir – a
conquista do poder pelos trabalhadores.
Se hoje não «anda um espectro pela
Europa – o espectro do Comunismo», apesar de «todos os poderes da velha
Europa se aliar(a)em para uma santa caçada a este espectro», é porque
são poucos os partidos comunistas, na Europa e no mundo, que resistiram
ao canto de sereia do oportunismo, da institucionalização do reformismo
consolidando, dia-a-dia, a sua integração no sistema do capital.
Ao paulatino, mas firme e decidido,
processo de fusão ideológica dos partidos da Internacional Socialista
com a direita correspondeu a maioria dos partidos comunistas com o
abandono das posições revolucionárias, do teoria marxista-leninista de
análise da realidade e de conquista do poder, a rendição ideológica ao
sistema político do capital, a democracia representativa, que mais não é
do que uma ditadura do grande capital de fachada democrática.
E como sempre, nos momentos de crise e de refluxo das forças da mudança, aparecem as manobras de diversão.
Os congressos “Portugal, que futuro?”, e das “alternativas”
São já dois os momentos em que Mário
Soares pretende desviar a luta de massas dos antagonismos insuperáveis
entre o trabalho e o capital, procurando integrá-las no sistema:
primeiro, foi o Congresso “Portugal, que futuro?”, agora é o Congresso
Democrático das Alternativas.
Com a preciosa colaboração dos media
estes congressos procuram desviar a atenção das massas para a preparação
de medidas que, não pondo em causa as leis fundamentais e antagonismos
estruturais do sistema, são festivos e festejados eventos que não tiram o
povo do beco sem saída. Tudo se passa dentro dos limites do tolerável
pelo capital e do apertado caminho que apresenta como solução conquistas
imediatas que nunca se verificam.
Desviar a atenção das massas e defraudar as suas expectativas são condições necessárias para a desmobilização da luta.
Outro objectivo é levar a luta para
dentro das instituições do sistema, pois assim pode mais facilmente
controlá-la e dirigi-la. Os problemas reais e a maneira de superar as
principais contradições do sistema do capital, são contornados e
arrumados para o que dizem ser o sótão das velharias. A finalidade é
sempre a mesma: iludir as massas na tentativa de perpetuar o domínio do
trabalho pelo capital.
O Congresso Democrático das Alternativas
pretende ainda impor Carvalho da Silva como putativo candidato às
eleições presidenciais de 2016. Para o provar, nem era preciso Vasco
Lourenço, um quase porta-voz para os assuntos em que Soares não quer
meter as mãos, vir dizer em declarações ao diário i, com uma desmesurada
falta de sentido da conta e da medida, que «se desta movimentação e da
futura movimentação não formos capazes de fazer surgir um candidato à
Presidência da República que seja diferente, então a sociedade não
consegue ultrapassar esta situação».
Para o Bloco de Esquerda o apoio
conjunto com o PS a uma candidatura de Carvalho da Silva é a
concretização do sonho adiado pela derrota de Alegre nas últimas
presidenciais: ligar-se ao poder e credibilizar-se, tal como o CDS, como
apêndice das «esquerdas» entre os partidos do arco governamental… Como o
Congresso que lhe serve de lançamento, também este longo processo de
candidatura é uma medida de “correcção” do sistema dentro dos limites do
tolerável pela classe dominante e do apertado caminho das conquistas
imediatas que nunca se verificam, mas desviam as massas do essencial na
luta pela libertação dos trabalhadores.
A cuidada frase preparada por Carvalho
da Silva de que é um cidadão português, maior de 35 anos, e que não
prescinde de nenhum dos seus direitos políticos escancara-lhe a vontade
que pretende recôndita. A que alternativas pode aspirar Carvalho da
Silva com tais companhias? Não é a maioria dos seus sonoros
acompanhantes corresponsável pelo processo de regressão em curso?
O conclave não decorreu como esperado.
Apesar da divulgação prévia do projecto de documento final, as
divergências foram demasiadas e os trabalhadores portugueses, ao
contrário do que os organizadores desejavam e Vasco Lourenço sentenciou,
estão a encontrar na luta e na negação do sistema o caminho para a sua
emancipação.
Durou pouco o luto de Carvalho da Silva
pela saída da CGTP, a bem da verdade pode dizer-se que nem chegou a ser
feito, mas vai ser bem mais longo o trabalho dos novos dirigentes da
Central unitária, democrática e de massas para o retorno ao caminho do
sindicalismo de classe, independente, e o desfazer da burocratização
sindical, metodicamente instalada ao longo dos últimos 25 anos,
metaforicamente traduzida no brinde com vinho do Porto na comemoração
com os representantes do capital do primeiro acordo no Conselho de
Concertação Social.
Se há uma lição a tirar da
burocratização tão longamente promovida na CGTP, ela é a de quando os
problemas políticos são resolvidos com medidas administrativas em vez da
pronta discussão e capacidade de decisão, ressurgem à frente com
gravidade e perigosidade redobradas.
A crise 5 anos depois
Antes de mais é preciso sublinhar que as
evidências desta crise começaram muito antes de 2007, ano em que
rebentou a bolha imobiliária nos EUA e em que o PNB Paribas Investment
Partner, em Agosto daquele ano, em Paris, cessou os pagamentos dos
resgates de vários fundos ligados às hipotecas de risco, tendo sido
imediatamente seguido por outras entidades financeiras, quer na Europa
quer nos EUA.
Como sublinha Istvan Meszaros, há muito
que «os acontecimentos e desenvolvimento que então se davam (…)
testemunhavam de forma dramática a intensificação da crise estrutural
global do capital». Em 2007, as evidências irrecusáveis referidas foram
apenas a última pá de terra deitada sobre a euforia do capital, iniciada
com a derrota da URSS e do sistema socialista europeu.
Outra evidência foi o facto de o PIB dos
EUA ter recuado 3,8% no primeiro trimestre de 2008. Apesar das
evidências, bancos e demais especuladores financeiros – «os mercados» –
continuaram irresponsavelmente a sua acção, e só em Setembro
reconheceram a crise.
5 anos passados sobre o reconhecimento
da crise do sistema do capital, algumas ideias são possíveis alinhar sem
preocupações de exaustão:
Assim, esta não é uma crise financeira,
nem da dívida soberana, nem dos países do sul, nem da Europa ou dos
Estados Unidos… É uma crise estrutural global porque vai à raiz do
ordenamento estrutural do sistema capitalista, logo mais grave, mais
profunda e mais abrangente que qualquer outra anterior. É uma crise
política, económica, financeira, militar, energética, alimentar,
ambiental, moral, social, cultural…
Apesar de em crises anteriores nunca ter
havida uma tão pronta resposta dos EUA, da Europa e do Japão com
resgates de milhões de milhões, a verdade é que essa tentativa foi como
tentar apagar o fogo com gasolina. Continuou intacta a estrutura dos
mecanismos especulativos parasitários, alargou-se a crise com o
sobre-endividamento dos Estados, ao mesmo tempo que estes se encontram à
beira de esgotar os mecanismos de intervenção sem que os resultados
apareçam.
Governantes e epígonos do capital, ora
defendendo que havia que parar para pensar, pois era uma impossibilidade
o que se estava a verificar! (cito de memória um Professor da
Universidade Católica no DN), ora defendendo um regresso a Keynes, ou
regresso ao capitalismo «bom», à regulação e ao capitalismo da economia
real – foram apresentando estas pias intenções, elucidativas da
desorientação reinante. A verdade, é que a tendência presente para a
baixa da queda da taxa de lucro do capitalismo é muito vasta e profunda.
Hoje, pelo menos 50% dos lucros das
transnacionais não financeiras provêm de negócios financeiros
especulativos e não do seu ramo de actividade.
Pode dizer-se que, apesar do seu
comprovado fracasso, como bem o demonstra, em Portugal, a comunicação de
3 de Outubro do ministro das Finanças português, o neoliberalismo
fortaleceu-se ao longo dos últimos desenvolvimentos da crise. Comprova-o
o facto de a especulação financeira, totalmente desregulada pelas
políticas neoliberais e a globalização, se ter fortalecido com os muito
milhões de milhões gastos em resgates desde 2007, enquanto os Estados,
exauridos, têm quase esgotadas as possibilidades de intervenção,
atolados em dívida soberana e taxas de juro elevadíssimas cobrados pela
especulativa banca nacional e internacional – «os mercados».
Finalmente, esta crise, diferentemente
de todas as anteriores, por abranger a estrutura do ordenamento do
capitalismo, no seu todo, não pode ser resolvida com o actual
ordenamento, pelo que a sua transcendência só poderá ser alcançada pela
substituição por um ordenamento alternativo.
A comprovação do que acabamos de dizer,
paradoxalmente, foi dada pelo ministro das Finanças no dia 3 de Outubro,
quando anunciou o «enorme aumento» da carga fiscal à classe
trabalhadora.
Não foi por cegueira política nem por
uma fé incondicional na asneira que o ministro das Finanças, Vítor
Gaspar, decidiu o «enorme aumento» da carga fiscal aos trabalhadores.
Vítor Gaspar já sabe que, no quadro deste complexo ordenamento, o
aumento substancial da despesa pública não é remédio para transcender a
crise. Como vimos, essa foi a primeira reacção na Europa às evidências
da crise, logo em 2008, com os resultados que se viram.
O «enorme aumento» da carga fiscal à
classe trabalhadora e o elogio feito por Vítor Gaspar de que «o povo
português se revelou o melhor povo do mundo» não são apenas hipocrisia
política: o elogio é táctico, mas hipócrita, e risível pela transparente
impostura com que foi proferido.
Como táctica foi a postura cordial do
milionário Alexandre Soares dos Santos (Pingo Doce) quando, com ar
cândido, disse na TV não concordar com ordenados de 500 euros que paga a
milhares de trabalhadores, e considerou infelizes as declarações de
António Borges, um administrador do seu grupo empresarial por si
nomeado, em acumulação com a função de conselheiro do governo PSD/CDS! É
o medo da luta em crescendo dos trabalhadores que amansa as falas
destas personificações do capital.
Vítor Gaspar não pode, sem se negar a
si-próprio, admitir que esta é uma crise estrutural do capitalismo, pelo
que não pode ser superada com medidas conjunturais, mas apenas com a
substituição desta estrutura por uma alternativa.
O «enorme aumento» da carga fiscal é
para Vítor Gaspar uma inevitabilidade. Está perante um dilema: aumentar
os impostos sobre a classe trabalhadora ou demitir-se da lucrativa
defesa do grande capital e deitar fora as apostilhas em que queimou as
pestanas.
Foi a sua opção de classe que lhe determinou o «enorme aumento dos impostos» aos trabalhadores.
Não há outra saída…
A frase recorrente com que diariamente
somos bombardeados é a de que não há outra saída, para além da política
de austeridade e de empobrecimento dos trabalhadores e da paralisação da
economia, em benefício da banca e das grandes empresas. Ouvimo-la com o
governo Sócrates quando foi obrigado, perante as evidências desta
crise, a reconhecê-la e a pedir, de chapéu na mão, o resgate e a entrada
da troika em Portugal. Como também ouvimos que não há outra saída ao
governo Passos Coelho/Paulo Portas (este último por causa da emergência
nacional, diz agora) desde o primeiro dia de governo, esquecidas que
foram as mentirosas promessas eleitorais.
Se no PSD e no CDS não se estranha a
coerência com os interesses de classe que representam, já com os
socialistas, para além de contraditória, a ideia tem o seu quê de
irónico: é que os ideais socialistas surgiram, precisamente como
alternativa a esta política, à exploração capitalista. Ao dizerem, e já o
disseram em várias ocasiões, que não há alternativa confessam que já
nada têm a ver, nem sequer com o «socialismo aos bocadinhos» da
social-democracia, pois também eles já destroem as reformas que a
existência da URSS e dos restantes países socialistas os foi obrigando a
ir fazendo.
Como bem sublinha Albano Nunes em O
Militante de nº 319, Julho/Agosto 2012, «A cavalgada da
social-democracia para a direita neoliberal (que mais que «rendição» foi
opção consciente e deliberada) aproximou-a, confundiu-a e em certos
casos fundiu-a com a própria direita burguesa, de que se tornou uma
simples variante». E mais à frente previne: «Ao procurar responder à
pergunta «o que é a social-democracia hoje?», «há uma questão prévia de
lucidez e pura higiene mental: rejeitar liminarmente a caracterização
desta corrente política como força «de esquerda» e, do mesmo passo,
rejeitar uma «unidade de esquerda» que, em nome de um pretenso combate a
uma direita «ideológica» e «ultraliberal», apenas serviria para atrasar
a unidade necessária e iludir questões de fundo da luta de classes»
[sublinhados meus].
No momento em que, reflectindo a
agudização da luta de classes e a enorme movimentação e crescimento das
massas em luta, o PS e Bloco de Esquerda partilham de forma não
declarada a encenação das alternativas das «esquerdas», não é demais
enfatizar este importante texto de Albano Nunes, transcrito em www.odiario.info/?p=2593.
Como a estrutura interna do poder mantém
no essencial as mesmas relações de exploração em capitalismo, a luta de
massas cresceu e alargou-se com novas categorias de trabalhadores que,
até aqui, estavam afastados da luta contra a política de regressão em
curso.
A imitação do modo de vida burguês e o
consumismo desenfreado, fomentados a partir das estruturas do capital
através de cuidadas campanhas publicitárias, e uma acentuada
desigualdade salarial provocaram o afastamento de muitos trabalhadores
da luta libertadora do trabalho, mas nos momentos de crise profunda e
estrutural como o que estamos a viver, torna-se evidente o que os
momentos de euforia do capital escondem: o que sempre identificou os
trabalhadores foi, e continua a ser, a sua subordinação estrutural do
trabalho ao capital e não o nível de vida deste o daquele trabalhador
por muito numerosos que sejam, neste ou naquele país mais desenvolvido.
É a consciência de que esta realidade
está a ser rapidamente apreendida e de que há outra saída que preocupa
Paulo Portas, dirigentes e deputados do CDS, e leva alguns barões do PSD
e cada vez mais epígonos do capitalismo a alertarem para o perigo da
conflitualidade social com esta programada «destruição [do que eles
chamam] classe média».
O mundo pula e avança
A situação política do país alterou-se
profundamente nas últimas semanas. O descontentamento e a chegada à luta
de categorias de trabalhadores que nela não participavam, a que se
juntaram também, pela primeira vez, novas classes e camadas sociais, são
sinais irrefutáveis da profunda alteração das condições objectivas e
subjectivas verificadas nas últimas semanas.
A permanente contestação popular a cada
saída oficial de um membro do governo, transformou-o em refém das
consequências da sua própria política. Os ministros não saem da redoma
dos gabinetes sem um batalhão de polícias e seguranças. Têm medo do povo
– o soberano – que dizem representar.
E a questão não é a «compra de um cão»,
como tentou gracejar Mário Soares procurando desdramatizar e desviar as
atenções da realidade: estamos perante um poder político ilegítimo e um
sistema caduco a necessitar urgentemente de ser superado.
A questão que se põe é a da legitimidade
do governo. Não se trata da legitimidade jurídica, plasmada nas leis
formais de uma democracia representativa, fórmula talhada como fato por
medida do sistema capitalista. A questão não é de interpretação do
ordenamento jurídico vigente e da teoria que lhe serve de suporte, mas
ética no seu sentido mais amplo.
O Presidente da República não pode
fingir que tudo continua na mesma. Ele próprio, também já a ser
contestado pela sua inércia e permissividade cúmplice com o governo,
começa também a fugir do povo. A desonrosa fuga do povo nas cerimónias
do 5 de Outubro, que não podia ter deixado de ter a anuência de António
Costa, presidente da Câmara de Lisboa, e a quebra do uso por ele criado
de abrir o Palácio de Belém ao povo na data da comemoração da
implantação da República, são indicativos que também Cavaco tem
consciência da ilegitimidade do actual poder político, mas não tira daí
as devidas consequências.
As novas condições objectivas e
subjectivas da sociedade portuguesa ampliam um problema velho que
normalmente não tem tido a devida resposta por parte das organizações
dos trabalhadores – partidos e sindicatos de classe. Não basta negar o
capitalismo, há que apresentar soluções para o futuro e explicações para
as derrotas sofridas.
Na guerra de classes não há hiatos nem
espaços entre as classes em luta. Quando uma classe recua um passo é
porque a antagónica avançou esse mesmo passo.
As novas situações objectivas e
subjectivas indicam claramente que só há razões para intensificar a
ofensiva, mas essa ofensiva será tanto mais eficaz quanto mais alargado
for o conhecimento da etapa em que está a luta em Portugal, quais os
objectivos mais imediatos, sem deixar de indicar, como nos dizem os
clássicos, o objectivo final e o que é necessário para o construir – a
conquista do poder pelos trabalhadores.
Lisboa, 5 e 6 de Outubro de 2012
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