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Muitos deles vinham assistir para
aprender a torturar. E lá estava eu, uma mulher franzina no meio
daqueles homens alucinados, que quase babavam. Hoje, eu ainda vejo a
cara dessas pessoas, são lembranças muito fortes. Eu vejo a cara do
estuprador. Era uma cara redonda. Era um homem gordo, que me dava
choques na vagina e dizia: ‘Você vai parir eletricidade’. Depois disso,
me estuprou ali mesmo. Levei muitos murros, pontapés, passei por um
corredor polonês. Fiquei um tempão amarrada num banco, com a cabeça
solta e levando choques nos dedos dos pés e das mãos. Para aumentar a
carga dos choques, eles usavam uma televisão, mudando de canal,
‘telefone’, velas acesas, agulhas e pingos de água no nariz, que é o
único trauma que permaneceu até hoje. Em todas as vezes em que eu era
pendurada, eu fi cava nua, amarrada pelos pés, de cabeça para baixo,
enquanto davam choques na minha vagina, boca, língua, olhos, narinas.
Tinha um bastão com dois pontinhos que eles punham muito nos seios. E
jogavam água para o choque fi car mais forte, além de muita porrada. O
estupro foi nos primeiros dias, o que foi terrível para mim. Eu tinha de
lutar muito para continuar resistindo. Felizmente, eu consegui. Só que
eu não perco a imagem do homem. É uma cena ainda muito presente. Depois
do estupro, houve uma pequena trégua, porque eu estava desfalecida. Eles
tinham aplicado uma injeção de pentotal, que chamavam de ‘soro da
verdade’, e eu estava muito zonza. Eles tiveram muito ódio de mim porque
diziam que eu era macho de aguentar. Perguntavam quem era meu professor
de ioga, porque, como eu estava aguentando muito a tortura, na cabeça
deles eu devia fazer ioga. Me tratavam de ‘puta’, ‘ordinária’. Me
tratavam como uma pessoa completamente desumana. Eu também os enfrentei
muito. Com certa tranquilidade, eu dizia que eles eram seres anormais,
que faziam parte de uma engrenagem podre. Eu me sentia fortalecida com
isso, me achava com a moral mais alta.
DULCE MAIA, ex-militante da Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), era produtora cultural quando foi presa na
madrugada de 26 de janeiro de 1969, em São Paulo (SP).Hoje, vive em
Cunha (SP), é ambientalista, dirige a ONG Ecosenso e é cogestora do
Parque Nacional da Serra da Bocaina.
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