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INVESTIGAÇÃO
Assassinato do religioso, que foi auxiliar de dom Helder Câmara, abrirá a
pauta de trabalho da Comissão Estadual da Memória e Verdade. Anúncio
foi feito ontem: 06/06/2012
Por Sérgio Montenegro Filho (
smontenegrofilho@gmail.com )
O assassinato do padre Antônio Henrique
Pereira, ocorrido em maio de 1969, vai abrir a pauta das investigações
da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, instalada
na semana passada para apurar denúncias e informações sobre
pernambucanos mortos e desaparecidos durante o regime de exceção.
O tema foi definido ontem, após um
encontro entre o jurista José Paulo Cavalcanti Filho e o presidente
estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Henrique Mariano.
Integrante da Comissão Nacional da Verdade, José Paulo anunciou o
repasse à comissão estadual de todos os documentos e informações
colhidos pela nacional sobre a morte do religioso, cujo caso se tornou
um símbolo dos crimes políticos cometidos no Estado por agentes da
repressão.
“Decidimos começar pelo caso do
padre Henrique porque além de simbólico, já existem muitas informações
levantadas, houve processo e até decisão judicial. A partir dele, vamos
levantar outros processos. Já temos mais uns três ou quatro casos em
vista”, informou o coordenador da comissão estadual, Fernando
Coelho. O grupo também receberá da nacional uma lista de todos os
pernambucanos mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar, com o
objetivo de comparar os casos com os que já estão em análise em nível
local.
A convite de José Paulo, Henrique
Mariano e o professor Manoel Moraes representarão a comissão estadual em
Brasília, no próximo dia 18, durante a sessão da Comissão Nacional da
Verdade em que será ouvido o depoimento do jornalista Elio Gaspari,
autor de As ilusões armadas e O sacerdote e o feiticeiro – premiadas
séries de livros-reportagem sobre os bastidores da ditadura militar.
Após isso, será definida a data da reunião conjunta das duas comissões,
que acontecerá em Pernambuco. “Fechamos uma agenda conjunta de
cooperação técnica e jurídica, para que as duas comissões possam agir de
forma integrada, sempre que necessário”, afirmou Mariano.
Desde ontem, a comissão estadual da
verdade já dispõe de endereço fixo. Os trabalhos vão funcionar num
conjunto de salas na sede da Secretaria de Direitos Humanos, no bairro
da Benfica. De acordo com o coordenador Fernando Coelho, que comandou a
reunião de ontem da comissão já no novo escritório, o governo do Estado
também vai ceder pessoal técnico, assessores e secretárias, até que o
grupo defina sua sede permanente.
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Padre Henrique
Auxiliar direto de Dom Hélder Câmara –
que, à época os militares rotulavam de arcebispo vermelho –, o padre
Antônio Henrique Pereira da Silva Neto foi torturado até a morte, no
Recife, entre a noite e a madrugada de 26 e 27 de maio de 1969. O crime,
nunca esclarecido até a prescrição do processo aberto para apurar os
fatos, teve o objetivo claramente político de tentar barrar, através da
violência física, o arcebispo nas suas ações e pregações em defesa da
liberdade.
A macabra lógica dos torturadores era
esta: se a eliminação do próprio Dom Hélder não era recomendável porque
repercutiria internacionalmente, deixando o governo brasileiro em
situação delicada, o caminho era o assassinato de um auxiliar direto da
Arquidiocese. Desta forma, deduziam eles, o arcebispo recuaria e o crime
não teria grande repercussão porque a vítima, digamos assim, era “menos
importante”.
Responsável pelo setor da Arquidiocese
de Olinda e Recife que prestava assistência à juventude, o padre
Henrique mantinha encontros inclusive com estudantes cassados e, em
várias ocasiões, recebeu ligações telefônicas com ameaças de morte. A
maioria delas partidas da organização denominada Comando de Caça aos
Comunistas (CCC). O padre não se curvou às ameaças e pagou um alto preço
por isso.
O padre Henrique foi seqüestrado na
noite de 26 de maio, no bairro de Parnamirim, depois de participar de
uma reunião com um grupo de jovens católicos. De acordo com uma
testemunha, ele acabava de sair do local do encontro, quando foi
abordado por três homens armados que o levaram em um veículo de marca
Rural, de cor verde e branca. Às 10 horas do dia seguinte, o corpo seria
encontrado num matagal da Cidade Universitária.
À época, o governo ainda não havia
instituído formalmente a censura à imprensa, mas, mesmo assim, os
jornais foram proibidos de noticiar o assassinato do padre. A notícia só
foi dada pelo Boletim Arquidiocesano (um informativo mimeografado da
Igreja) e lida pelos padres de todas as paróquias recifenses. Mesmo sem
notícias na imprensa, cerca de 20 mil pessoas acompanharam o enterro,
numa caminhada entre igreja do Espinheiro e o cemitério da Várzea.
De processo controverso e volumoso
(dezenas de volumes com milhares de páginas), o caso do assassinato do
Padre Henrique foi arquivado e reaberto inúmeras vezes, sem que nada
ficasse esclarecido até a prescrição do crime. Um único suspeito foi
apontado, o estudante Rogério Matos do Nascimento (que, inclusive,
esteve preso), mas as autoridades não chegaram a conclusão nenhuma. Foi
mais um bárbaro crime impune.
No Departamento de Ordem Pública e
Social (DOPS) de Pernambuco não há nenhum registro sobre o Padre
Henrique, antes da sua morte. Os arquivos começam com o laudo técnico do
Instituto de Polícia Técnica do Estado sobre o seu assassinato.
“Sei quem matou meu filho e nada posso fazer”
O assassinato do padre Henrique não
funcionou para calar Dom Hélder Câmara, que continuou denunciando as
injustiças sociais e lutando por liberdade, mas destruiu praticamente
toda a família do sacerdote. Em depoimento ao extinto semanário
recifense Jornal da Cidade, a 24/07/1981,dona Isaíras Pereira da Silva,
mãe do padre, narraria o que se seguiu ao crime:
“Depois de assassinarem meu filho,
começaram as perseguições. Um dia depois do enterro, o meu marido foi
preso e, sob ameaça de tortura, foi obrigado a relatar nomes de pessoas
que vinham aqui em casa e que eram amigas de Antônio Henrique.
Adolfo, meu segundo filho, que na época
havia sido aprovado no concurso de oficial da Polícia Militar, passou a
exercer dentro da PM funções de servente, sendo depois transferido para a
Polícia Rodoviária, coisa que não tinha nada a ver com o concurso a que
foi submetido. Fizeram o possível para sujar o seu nome, até que o
ex-agente Wilson Maciel o envolveu com uns roubos de imagens sacras.
Passou 11 meses preso e foi absolvido por falta de provas.
Pouco tempo depois, um outro roubo de
objetos sacros ocorrido em Natal foi motivo para que o meu filho ficasse
mais um tempo preso. No terceiro, o da imagem do Carmo em 1979, Wilson
Maciel tenta culpá-lo e, como não consegue, o ameaçou de morte. Por
conta disso, teve que viver foragido com a mulher e filhos.
Justo Henrique, um outro filho, foi
preso três vezes como subversivo, porque na época era seminarista e isso
tinha muito a ver com o irmão. Tanto fizeram que atualmente ele vive no
exterior e, por medida de segurança, não mantemos nenhuma comunicação.
Existe um quarto filho que usa nome
falso por ter fugido da prisão. Sofreu torturas e, para castigá-lo, eles
disseram que meu filho andava espalhando por aí que ia se vingar.Meu
marido, com os aperreios, morreu com uma úlcera gástrica. E eu, eu sou o
palhaço da história. Sei quem matou meu filho e nada posso fazer.”
Uma versão na imprensa
Em 1975, o Jornal da Cidade, veículo recifense da chamada imprensa alternativa, reconstituiu o episódio assim:
"A corda aperta-lhe o
pescoço e o homem dobra as pernas, semi-asfixiado e cai de joelhos. Uma
pancada de faca ou canivete no rosto e o sangue escorre, grosso,
molhando o dorso nu e as calças.
Os vultos, ao seu redor, começam a se
tornar ainda mais difusos e ele sente um impacto na face e, certamente,
não sente o segundo, à queima-roupa, pouco acima da orelha. Dois tiros
de mestre, convergindo para um só ponto do cérebro. O homem estende-se
em meio à pequena clareira aberta no matagal e, nos últimos estertores
da morte, agarra, com a mão direita, crispada, um tufo de capim.
Passava da primeira hora da madrugada de
27 de maio de 1969 e não era chegada, ainda, a terceira hora. Os olhos
do homem estavam abertos, como abertos e cheio de espanto estavam os
olhos do vigia Sérgio Miranda da Silva, quando o encontrou, estirado no
chão, às seis e meia da manhã.
Antes das dez, o corpo estava
identificado: era do padre Antônio Henrique Pereira da Silva Neto, 28
anos de idade, visto com vida, pela última vez, por uma testemunha,
quando era obrigado a entrar numa rural verde e branca.
No final da tarde, a igreja do
Espinheiro, no Recife, estava abarrotada de gente para assistir à missa
de corpo presente, celebrada por 40 sacerdotes. Durante toda a noite
houve vigília e, no dia seguinte, a pé, por mais de 15 quilômetros, uma
multidão de 20 mil pessoas acompanhava o enterro até um cemitério
próximo à Cidade Universitária, a mesma região onde aconteceu o crime."
Silêncio no cemitério
Em 1989, numa entrevista para a emissora
de televisão estatal de Pernambuco, Dom Hélder Câmara revelaria que,
além de assassinar o Padre Henrique, a ditadura militar também proibiu
toda e qualquer manifestação de protesto contra aquela violência:
- Quando nós chegávamos ao cemitério, eu
recebi um aviso de que, se no cemitério houvesse a menor palavra contra
os militares, a palavra de ordem era reagir de vez. Aí, quando terminou
o enterro, eu disse: meus irmãos, tudo o que nós poderíamos fazer aqui
na terra pelo nosso irmão Padre Henrique, nós já fizemos. Vamos rezar
mais um Pai Nosso e, depois, vamos fazer uma experiência que nunca foi
feita aqui em nossa terra: vamos oferecer a homenagem do silêncio, vamos
sair do cemitério sem uma palavra, silêncio profundo!... Nunca eu ouvi
um silêncio tão impressionante. Era um silêncio que gritava.
O Padre Henrique por Dona Isaíras
Antonio Henrique
Pereira Neto nasceu no Recife, a 28 de outubro de 1940, filho de José
Henrique Pereira da Silva Neto e Isaíras Pereira da Silva. Era sociólogo
e professor. No depoimento a seguir, prestado ao Grupo Tortura Nunca
Mais, que organizou o Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos na
Ditadura Militar de 1964,Dona Isaíras fala um pouco do filho:
“Padre Henrique era o
meu filho primogênito, muito alegre e brincalhão. Escolheu sua missão
de sacerdote aos 16 anos e tomou várias iniciativas na profissão
escolhida: não cobrava para fazer batizados, celebrar casamentos,
porque, dizia ele, “a palavra de Deus não tem preço”.
Tinha muitos amigos, era professor de
três colégios e com o salário ajudava as pessoas realmente carentes. Não
gostava de conflitos, nem de ver pessoas sofrendo. Por isso, quando
balearam, por questões políticas, o estudante Cândido Pinto, Henrique
procurou os grupos de estudantes que planejavam violências e
sugeriu-lhes que pedissem ajuda aos governantes. Começaram daí os
telefonemas ameaçadores que se identificavam como CCC (Comando de Caça
aos Comunistas); mas Henrique dizia que aquilo não passava de piadas,
porque “se eles tocassem num fio de cabelo de um padre, o mundo os
derrubaria”.
E as ameaças foram aumentando (...), até
metralharam a sala onde ele trabalhava no Giriquiti, gritando, segundo
testemunhas, “Viva o CCC!”
Mas Henrique não temia (...) até que no
dia 26 de maio de 1969, após uma reunião com famílias amigas, quando
Henrique voltava para seu lar, uma rural verde e branca com policiais
armados levaram-no do Parnamirim até a Cidade Universitária e depois de
várias horas de torturas (das 10 às 4 da madrugada), segundo um morador
de um barraco de tábuas, mandaram ele se ajoelhar e dispararam, à
queima-roupa, três tiros na cabeça do padre indefeso. Para que não fosse
identificado, tiraram-lhe os documentos e iam enterrá-lo como “cadáver
desconhecido”. Porém, um rapaz desconhecido passou e disse: “Não é um
desconhecido. É o padre Henrique”.
Prenderam o rapaz, mas muita gente que havia escutado o comentário espalhou a notícia e não dava mais para esconder.
Padre Henrique, depois de passar pelo
IML, foi levado para a Igreja do Espinheiro, onde foi velado por
milhares de pessoas. No dia seguinte, foi levado em passeata até o
Cemitério da Várzea, onde, no percurso, muitas pessoas foram presas como
comunistas.
Ao chegarmos em casa, após o
sepultamento, levaram preso o meu marido José Henrique, para que ele
identificasse num álbum de fotografias os comunistas que freqüentavam a
nossa casa (...) e, como ele dizia que não sabia, foi também torturado
e, às 11 da noite, quando chegou em casa, estava vomitando sangue e não
conseguiu recuperar-se: depois de várias hemorragias, também faleceu.
E eu, continuei perseguida (...) até que, com a prescrição do crime, cessaram as ameaças”.
Os supostos matadores e mandantes
Sob o título Sepultamento do Insepulto, o Blog Metropolitano – O Lado Positivo da Notícia, do jornalista Ernesto Neves e dos empresários Fábio Lira e Nellyann Carneiro, veiculou o seguinte texto sobre os autores do assassinato do Padre Henrique:
“O Padre Henrique
Pereira da Silva, trucidado em novembro de 1969 e cujo cadáver foi
abandonado no Campus da UFPE, nunca teve os seus assassinos revelados e
ninguém foi responsabilizado pelo ato. Apesar de seu cadáver ter sido
sepultado, por conta disso, simbolicamente, continuava insepulto. Ontem,
durante as discussões sobre o Centenário de Nascimento de Dom Hélder
Câmara, o editor do Blog Metropolitano, jornalista Ernesto Neves, narrou
as informações de domínio da imprensa nacional e que, até hoje, nunca
foram esclarecidas.
Logo após a morte do então secretário do
Arcebispo de Olinda e Recife, que trabalhava na recuperação de
dependentes químicos, surgiu a informação que sua morte significava a
morte simbólica de Dom Hélder, uma forma de fazê-lo recuar das denúncias
que fazia nos principais fóruns de todo o mundo. A informação dava
conta de que a decisão de executar o Padre Henrique nasceu no DOI/CODI e
concretizada pelo DOPS da Secretaria de Segurança Pública de
Pernambuco, que tinha como coordenador o delegado Moacir Salles,
sobrinho de Apolônio Salles, fundador da Chesf.
A ordem foi dada aos policiais Rivel
Rocha, Henrique Pereira Silva, conhecido por X9, e Rogério Matos do
Nascimento, que serviu como isca para atrair o Padre Henrique, o fazendo
entrar numa rural verde e branca e só reaparecendo morto no Campus da
UFPE. Nenhum dos supostos matadores ou mandantes sofreu qualquer
punição. A poetisa Isaíras Pereira da Silva, mãe do sacerdote morto,
faleceu sem ver a punição dos culpados. O crime prescreveu e os
criminosos se beneficiaram pela omissão da polícia e da justiça. A
revelação dos supostos responsável pelo menos sepulta o cadáver do
insepulto Padre Henrique”.
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