Militantes
e amigos do movimento se reuniram nesta segunda (15) para lembrar os 17
anos do massacre de Eldorado dos Carajás e todos os mártires da luta
camponesa. Marcelo Freixo entregou a Medalha Tiradentes à família de
Cícero Guedes.
por Alan Tygel, com fotos de Zizo
O
MST realizou nesta segunda-feira (15) no Rio de Janeiro um grande ato
pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Cerca de 500 militantes, amigos
e amigas do MST, lotaram o auditório da Associação Brasileira de
Imprensa na atividade que marca o início da Jornada de Lutas de Abril.
Nesta semana, em todos os estados o movimento relembra seus mártires
simbolizados pelos 21 mortos de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de
1996.
A mística de abertura relembrou outros
massacres, como Corumbiara, Candelária, Felisburgo e Carandiru. Como
lembrou a professora Virgínia Fontes, seja no campo ou na cidade, dentro
ou fora da prisão, perto ou longe dos grandes centros, a vítima sempre é
a classe trabalhadora. Além dela, foram convidados para a ocasião o
juiz Rubens Casara, o deputado federal Marcelo Freixo e o membro da
coordenação nacional do MST João Pedro Stedille.
Na plateia, assentados e acampados de todo
o estado confraternizaram com militantes de movimentos sociais, de
partidos políticos e sindicatos, além de estudantes. Das várias
entidades presentes, o recado veio em uníssono: a reforma agrária é uma
luta de todos. A grande faixa estendida no auditório refletia o
sentimento: “Chega de violência no campo. Queremos reforma agrária!”
Rubens Casara, que é membro da Associação
de Juízes pela Democracia iniciou agradecendo aos presentes por não
vaiarem um membro do judiciário. Segundo ele, a função deste poder no
Brasil é uma só: manter o status quo. Casara ressaltou que o debate da
questão agrária no judiciário é permeado por pré-conceitos, e que os
movimentos sociais são visto apenas como obstáculos à manutenção da
ordem. Ele finalizou: “Romper o silêncio é necessário. A democracia é a
realização dos direitos fundamentais, e a terra é um deles.”
Virgínia
Fontes, professora da UFF e pesquisadora da Fiocruz, se disse muito
emocionada por participar deste momento. Colaboradora histórica do
movimento, Virgínia também dá aulas na Escola Nacional Florestan
Fernandes. Segundo ela, os massacres acontecem num contexto de defesa
ferrenha da propriedade, seja no campo jurídico ou no midiático. Para
Virgínia, a atualidade da reforma agrária deve ir contra a concentração
de terras e de capital.
Em seguida, o deputado estadual pelo PSOL
Marcelo Freixo colocou claramente: “Estar aqui é reafirmar que temos
lado. Estamos do lado da luta pela reforma agrária e contra a violência
no campo.” Freixo lembrou a todos o editorial publicado pelo jornal O
Globo que dizia que a reforma agrária não é mais necessária. “Não
percebem que essa concepção de desenvolvimento, que a mesma aplicada aos
grandes empreendimentos com a TKCSA, produz apenas miséria urbana e
cidadãos invisíveis e supérfluos. É só ver como o direito do consumidor
tem mais espaço na câmara do que os direitos humanos”.
Para Cícero Guedes, a Medalha Tiradentes
No momento mais emocionante, Marcelo
Freixo entregou a medalha Tiradentes para a família do Sem-Terra Cícero
Guedes, assassinado em janeiro deste ano em Campos dos Goytacazes. O
deputado disse que essa entrega iria dignificar a medalha, e lembrou da
luta de Cícero pela reforma agrária, contra o trabalho escravo e pela
agroecologia. A sem-terra Regina dos Santos, assassinada também em
Campos 10 dias depois, também foi lembrada.
A
noite foi encerrado por João Pedro Stédille, que percorreu a história
da luta pela terra no Brasil através dos massacres de fazendeiros contra
trabalhadores sem-terra. “São Cícero pagou com a vida o sonho de ver a
terra dividida.”
Para o membro da coordenação nacional do
MST, a história do Brasil sempre foi banhada pelo sangue de quem luta
pela terra, desde os índios, passando por Zumbi e chegando aos sem-terra
mortos na atualidade. “Se nós não lembrarmos os mártires, não seremos
dignos de seguir sua história”.
Segundo Stedille, depois da derrota
histórica do projeto democrático popular em 1989, as possibilidades de
realização de uma reforma agrária clássica foram ficando cada vez mais
distantes. Durante o governo FHC, a situação piorou, sobretudo com a Lei
de Patentes e Lei Kandir. Em 1996, os tanques lançados contra os
trabalhadores durante a greve dos petroleiros foram um golpe muito duro
no movimento sindical. Com isso, o MST ficou isolado, e na mesma época
ocorreram as chacinas de Eldorado dos Carajás e Corumbiara.
Ainda segundo o dirigente, a esperança que
veio com a eleição de Lula levou o MST a reunir 200 mil famílias
acampadas em beiras de estrada. No entanto, já não era o PT no governo, e
sim uma aliança que não tinha nenhum interesse em fazer a reforma
agrária. Após a Veja publicar a foto de Lula boné do MST em 2003, duas
outras chacinas ocorreram: Unaí e Felisburgo, ambas em 2004.
Stedille apontou o agronegócio como
principal culpado pela recente alta no preço dos alimentos. “Enquanto o
gado morre de fome pela seca no nordeste, a Bunge e a Cargill exportam
nosso milho para os EUA fazerem etanol.”
Para ele, “a correlação de forças é
desfavorável, mas nossa causa é justa. Temos três desafios históricos:
seguir denunciando a impunidade; denunciar a contradição do agronegócio –
o agrotóxico, concentração de terras, perda da soberania alimentar e
invasão do capital estrangeiro; e finalmente denunciar os ataques que
vem sendo feitos ao meio-ambiente.”
Stedille finalizou colocando a reforma
agrária como uma luta contra o capital. “Não é só dividir terras. É
reforma agrária para produzir alimentos saudáveis. E devemos combinar
isso com educação, pois não é a terra que liberta, mas sim o
conhecimento. A reforma agrária é uma luta de todos.”
A Jornada de Luta segue no Rio de Janeiro
nos próximos dias. Na terça-feira (16) haverá uma reunião com órgão
ambiental do estado, o INEA, já que diversos processos de desapropriação
encontram-se parados neste órgão. Na quarta-feira (17), os sem-terra se
juntam aos atingidos pela Vale num ato em frente à empresa.
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