Elas não vão acordar
E então leio, neste final de domingo:
“Doze civis morreram no sábado, durante um ataque aéreo das
forças comandadas pelos americanos numa aldeia do distrito de Shigal,
província de Kunar, junto à fronteira com o Paquistão. Segundo a
Reuters, os mortos são 11 crianças e uma mulher. Seis outras mulheres
ficaram feridas.”
Vejo a foto e fico em dúvida sobre se a publico. Decido que sim: o mundo tem que ver isso.Tem que se indignar.
Até quando vamos suportar isso? Já pensaram se fossem crianças americanas?
É uma rotina, lamentavelmente.
Vou contar uma história.
Em dezembro de 2009, o jornalista iemenita Abdulelah Shaye foi a uma
aldeia em seu país para investigar a morte de dezenas de pessoas num
bombardeio. A alegação do governo do Iêmen era que se tratava de
terroristas da Al-Qaeda, o grupo de bin Laden.
O que Shaye descobriu foi algo bem diferente.
Crianças e mulheres tinham sido mortas, e não terroristas. Ele também
encontrou destroços em que estava escrito “made in USA”. O Iêmen não
tem as armas utilizadas no bombardeio.
Fora, na verdade, uma ação americana, não do Iêmen. E o meio foram os
controvertidos drones, os aviões teleguiados que disparam mísseis sem
que haja tripulação. Um dos documentos vazados pelo Wikileaks sobre as
atividades da diplomacia americana mostrava que a Casa Branca combinara
com o Iêmen que este assumiria a responsabilidade em caso de ataques
como o da aldeia para a qual fora, como jornalista, Shaye.
Isso evitaria não só desgaste de imagem como a economia de dinheiro em indenizações por mortes de inocentes.
O furo de Shaye lhe valeu duas coisas. A primeira, aplausos entre os
iemenistas, cansados de um governo corrupto, ditatorial e subserviente
aos Estados Unidos. A segunda, a cadeia. O governo do Iêmen acusou-o de
vínculos com a Al-Qaeda – sem provas — e o prendeu.
Os inocentes mortos no Iêmen – ou no Afeganistão, ou no Iraque – têm
escasso valor, quando comparados aos inocentes mortos no Ocidente. São
vítimas invisíveis, ignoradas no mundo — choradas apenas num canto que
para nós, ocidentais, não é nada.
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