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A situação europeia não pode ser
compreendida sem considerar a situação da economia mundial em sua
totalidade. Hoje, após a reintegração da China e a plena incorporação da
Índia na economia capitalista mundial, a densidade das relações de
interconexão e a velocidade de interações no mercado alcançaram um nível
jamais visto anteriormente. O que prevalece hoje na arena mundial é o
que Marx chama de “anarquia da produção”. Alguns Estados, os que ainda
têm meios para isso, são cada vez mais os agentes ativos dessa
competição. E único Estado que conserva esses meios na Europa
continental é a Alemanha. O artigo é de François Chesnais.
François Chesnais
9.7.2012
Carta Maior
A crise financeira europeia é a
manifestação, na esfera das finanças, da situação de semiparalisia na
qual se encontra a economia mundial. Neste momento é sua manifestação
mais visível, mas de modo nenhum a única. As políticas de austeridade
aplicadas simultaneamente na maior parte dos países da União Europeia contribuem para a espiral recessiva mundial, mas não são sua única causa.
Foram eloquentes as manchetes da nota de
perspectiva de setembro de 2011 da OCDE: “A atividade mundial está
perto da estagnação”; “O comércio mundial se contraiu, os desequilíbrios
mundiais persistem”; “No mercado de trabalho, as melhoras são cada vez
menos perceptíveis”; “A confiança diminuiu”, etc. Após as projeções de
Eurostat, em meados de novembro, apontando uma contração econômica da
UE, da qual nem a Alemanha escaparia, a nota da OCDE de 28 de novembro
assinala uma “considerável deterioração” com um crescimento de 1,6% para
o conjunto da OCDE e de 3,4% para o conjunto da economia mundial.
Compreensivelmente, a atenção dos
trabalhadores e dos jovens da Europa está centrada nas consequências do
“fim de caminho” e do “salve-se quem puder” das burguesias europeias. A
crise política da UE e da zona euro, assim como as intermináveis
vacilações do BCE acerca do financiamento direto dos países em maiores
dificuldades, são suas manifestações mais visíveis. A tendência é
endurecer as políticas de austeridade e montar uma operação de “resgate
total” da qual não escape nenhum país. No entanto, a situação europeia
não pode ser compreendida independentemente da consideração da situação
da economia mundial em sua totalidade.
A CNUCED começa seu informe assinalando
que “o grau de integração e interdependência econômicas no mundo atual
não tem precedentes” (CNUCED, 2011). Este reconhecimento é um inegável
progresso intelectual no qual muitos analistas e, inclusive, militantes
de esquerda, deveriam se inspirar. O campo da crise é o do “sistema de
mudança internacional mais desenvolvido”, do qual já falava Marx em seus
primeiros escritos econômicos (Marx, 1971: 161). Hoje, após a
reintegração da China e a plena incorporação da Índia na economia
capitalista mundial, a densidade das relações de interconexão e a
velocidade de interações no mercado mundial alcançaram um nível jamais
visto anteriormente. Este é o marco no qual devem ser abordadas as
questões essenciais: a superacumulação e a superprodução, ossuper poderes das instituições financeiras e a competição intercapitalista.
Não há nenhum “fim da crise” à vista
Na usual linguagem econômica de
inspiração keynesiana, o termo “saída da crise” indica o momento no qual
o investimento e o emprego se recuperam. Em termos marxistas, é o
momento no qual a produção de valor e de mais valia (tomando e fazendo
trabalhar os assalariados e vendendo as mercadorias a fim de realizar
sua apropriação pelo capital) está baseada na acumulação de novos
equipamentos e na criação de novas capacidades de produção. São muito
raras as economias que, como é o caso da China, apesar de estarem
inseridas em relações de interdependência, seguem desfrutando de certa
autonomia, de modo tal que a saída da crise pode ser concebida em nível
na economia do Estado-Nação. Todas as demais estão inseridas em relações
de interdependência que determinam que o fechamento do ciclo do capital
(Dinheiro-Mercadoria-Produto-Mercadoria-Dinheiro) da maior parte das
empresas (de todas as grandes, em todo caso) se realize no estrangeiro. E
os maiores grupos deslocalizam diretamente todo o ciclo de uma parte de
suas filiais.
A isso se deve o alcance do atoleiro
registrado desde o último G20. A mais de quatro anos do começo da crise
(agosto 2007) e três desde as convulsões provocadas pela quebra do banco
Lehmann (setembro2008),
o conjunto da situação está marcado pela incapacidade, ao menos
momentaneamente, do “capital” – os governos, os bancos centrais, o FMI e
os grupos privados de centralização e poder do capital coletivamente
considerados – para encontrar meios que permitam criar uma dinâmica como
a indicada em nível da economia mundial ou, pelo menos, em muitos
grandes setores da mesma. A crise da zona euro e seus impactos sobre um
sistema financeiro opaco e vulnerável são uma expressão disso.
Mas essa incapacidade não implica
passividade política. O que ocorre simplesmente é que a ação da
burguesia está cada vez mais movida exclusivamente pela vontade de
preservar a dominação de classe em toda sua crueza. E faz isso de
maneira imediata e direta sobre os trabalhadores da Europa. Os centros
de decisão capitalista buscam ativamente soluções capazes de proteger os
bancos e evitar o imenso choque financeiro que significaria a moratória
de Itália ou Espanha, fazendo cair mais do que nunca o peso da crise
sobre as classes populares. Um testemunho disso foi o desembarque (com
poucos dias de intervalo) na cúpula dos governos grego e italiano, de
agentes do capital financeiro que foram designados diretamente por este,
“ignorando os procedimentos democráticos”. Outro testemunho é a dança
de rumores sobre projetos de “governança” autoritária que estão sendo
discutidos na zona euro. Isso tem implicações políticas ainda mais
graves para os trabalhadores, porque vem acompanhado pelo reforço do
caráter pró-cíclico das políticas de austeridade e privatização que
contribui para a nova recessão em marcha.
Os incessantes chamados que, do outro
lado do Atlântico Norte, fazem Barack Obama e o Secretário do Tesouro,
Tim Geithner, para que os dirigentes europeus apresentem uma rápida
resposta à crise do euro traduzem o fato de que o “motor americano”,
como dizem os jornalistas, está “avariado”. Desde 1998 (rebote da crise
asiática), o funcionamento macroeconômico estadunidense foi construído
quase inteiramente na base do endividamento das famílias, das pequenas e
médias empresas e das comunidades locais.
Este “regime de crescimento” está muito
arraigado: reforçou com tanta força o jogo dos mecanismos de
distribuição desigual de renda que os dirigentes não têm outra
perspectiva a qual se agarrar que o momento – distante – em que as
pessoas possam (ou estejam, na verdade, obrigadas a) endividar-se
novamente. As diferenças “irreconciliáveis” entre democratas e
republicanos estão ligadas a duas questões interconectadas: qual seria a
melhor maneira de desendividar o Estado Federal desde essa perspectiva e
se pode, ou mesmo deve, endividar-se ainda mais para alcançar esse
objetivo.
A incapacidade de conceber qualquer
outro “regime de crescimento” reflete a quase intocável força econômica e
política da oligarquia político-financeira que constitui esse 1%. O
movimento Ocupa Wall Street é um primeiro sinal do enfraquecimento desta
dominação, mas até que não ocorra um terremoto mundial que inclua os
Estados Unidos, a política econômica norteamericana seguirá reduzida às
injeções de dinheiro do Banco Central (FED), ou seja, a fazer funcionar a
máquina de fabricar cédulas, sem que ninguém saiba até quando isso pode
durar.
A China e a Índia podem ajudar, como
fizeram em 2009, a limitar a contração da produção e do comércio. Em
particular a China seguirá – mas com mais dificuldade que antes –
ajudando a enfrentar a contração mundial. Com a plena integração da
Índia e da China na economia se produziu um salto qualitativo na
dimensão do exército industrial de reserva a disposição do capitalismo
mundial em seu conjunto. Adicionalmente, deve-se recordar que na China
se encontram alguns dos mais importantes focos de superacumulação e de
superprodução. Fala-se muito do efeito tesoura entre a grande baixa do
PIB dos países capitalistas industriais “velhos” e a ascensão dos
“grandes emergentes”, e a crise também acelerou a finalização do período
de hegemonia mundial dos Estados Unidos (hegemonia econômica,
financeira e monetária, desde os anos 1930, hegemonia militar não
compartilhada a partir de 1992). No entanto, a China não está de nenhum
modo em condições de tomar o lugar dos Estados Unidos como potência
hegemônica.
A novidade da grande questão política do período
Este artigo trata de repassar a origem e
a natureza das crises capitalistas que se tornaram particularmente
notórias com a crise atual e situar esta na “história de longo prazo”. A
crise em curso estourou ao término de uma fase muito longa (mais de
cinquenta anos) de acumulação quase ininterrupta: a única fase desta
duração em toda a história do capitalismo. Precisamente, a crise pode
durar muitos anos, até uma década, porque tem como substrato uma
superacumulação de capacidades de produção especialmente elevada e, como
aberração, uma acumulação de capital fictício em um valor também sem
precedente.
Por outro lado, a situação muito difícil
dos trabalhadores em qualquer parte do mundo – por diferenciada que ela
seja de continente para continente e, inclusive de país para país,
devido a suas trajetórias históricas anteriores – resulta da posição de
força obtida pelo capital graças à mundialização do exército industrial
de reserva com a extensão da liberação dos intercâmbios e do
investimento direto na China.
Se em um horizonte temporal previsível
não há “saída da crise” para o capital, de maneira complementar e
antagônica, o futuro dos trabalhadores e dos jovens depende, em grande
medida, senão inteiramente, da capacidade para abrir espaços e criar
“tempos de respiração” políticos próprios, a partir de dinâmicas que
hoje só eles podem mobilizar. Estamos em uma situação mundial na qual o
decisivo passou a ser a capacidade destes movimentos – nascidos sem
aviso – se organizarem de tal modo que conservem uma dinâmica de
“autoalimentação”, inclusive em situações nas quais não existam, no
curto prazo, desenlaces políticos claros ou definidos.
Na Tunísia, Grécia ou Egito, mas também
nos Estados Unidos, os movimentos OWS (Ocupa Wall Street), em especial
no contexto nacional da principal potência capitalista do mundo e de um
espaço geográfico continental, o melhor que os militantes podem fazer é
ajudar a que os atores dos movimentos com essa potencialidade afrontem
os diversos e numerosos obstáculos contra os quais se chocam e defendam a
ideia de que, em última instância, as questões sociais decisivas são
“quem controla a produção social, com que objetivo, segundo que
prioridades e como pode ser construído politicamente esse controle
social”. Possivelmente seja este o sentido dos processos e consignas “de
transição” hoje em dia. Alguns poderão dizer que sempre foi assim. Mas,
dito nos termos acima, para grande quantidade de militantes constitui
uma formulação em grande medida – se não completamente – nova.
A valorização “sem fim e sem limites” do capital como motor da acumulação
Antes de retomar a crise iniciada em
2007, é preciso explicitar os meios da acumulação capitalista.
Detenhamo-nos por um instante na teoria da acumulação no longo prazo. O
objetivo é ajudar, partindo de uma compreensão precisa dos estímulos do
movimento de acumulação capitalista, para facilitar a explicitação da
natureza das crises e situar cada grande crise na história social e
política mundial. Como escreveu Paul Mattick, ao comentar uma indicação
de Engels, “nenhuma crise real pode ser entendida se não for situada no
contexto mais amplo de desenvolvimento social global” (Mattick,
1977:39). A magnitude e os traços específicos das grandes crises são a
resultante dos meios aos quais o capital (em um sentido que inclui os
governos dos países capitalistas mais importantes) recorreu no período
precedente para “superar esses limites imanentes” antes de ver “que
voltam a se levantar esses mesmos limites, ainda com maior força” (Marx,
1973: III, 248).
As crises estouram no momento em que o
capital fica novamente “enredado” em suas contradições, enfrentando as
barreiras que ele mesmo cria. Quanto mais importantes tenham sido os
meios utilizados para superar seus limites, mais prolongado será o tempo
em que esses meios de superação atingirão seu objetivo, e mais poderão
diferir sua revelação. Além disso, mais importante será a crise e mais
difícil a busca de novos meios para “superar esses limites imanentes”.
Deste modo, a história invade a teoria da crise.
Cada geração lê e relê Marx. E o faz
tanto para seguir a evolução histórica como também para dar conta da
experiência de dificuldades teóricas com as quais tropeçou. Durante
muitas décadas predominou a problemática do desenvolvimento das forças
produtivas em suas distintas variantes, com as reminiscências das
teorias do progresso que a mesma ainda podia arrastar.
Hoje, o Marx que, como
militante-investigador, deve ser lido é o que ajuda a compreender o que
significa a tomada do poder pelas finanças, o dinheiro em toda sua
brutalidade, aquilo sobre o qual ele escreveu nos Manuscritos de 1857-58
dizendo que “o capital (...) enquanto representante da forma universal
da riqueza – o dinheiro – constitui o impulso desenfreado e desmedido de
passar por cima de suas próprias barreiras” (Ibid.: 276). Ou também o
que sustenta em O Capital, a saber que “a circulação do
dinheiro como capital carrega em si mesmo seu fim, pois a valorização do
valor só se dá dentro deste processo constantemente renovado. O
movimento do capital é, portanto, incessante” (Ibid.: I, 108). Ao longo
do século XX, muito mais que no momento em que foi estudado por Marx, o
capital evidenciou um profundo nível de indiferença quando ao uso social
das mercadorias produzidas ou a finalidade dos investimentos.
Há trinta anos, a “riqueza abstrata”
tomou cada vez mais a forma de massas de capital-dinheiro em busca de
valorização colocadas nas mãos de instituições – grandes bancos,
companhias de seguros, fundos de pensão e Hedge Funds – cujo “trabalho” é
o de valorizar seus bens de maneira puramente financeira, sem sair da
esfera dos mercados de títulos e de ativos fictícios “derivados” de
títulos, sem passar pela produção. Enquanto as ações e os títulos da
dívida – pública, das empresas ou das famílias – só são “vales”,
direitos de se apropriar de uma parte do valor e da mais valia,
concentrações imensas de dinheiro se voltam ao “ciclo curto
Dinheiro-Dinheiro” que representa a suprema expressão do que Marx chamou
de fetichismo do dinheiro. Expressa mediante formas cada vez mais
abstratas, fictícias, “nocionais” (termo utilizado pelos economistas das
finanças) de dinheiro, a indiferença ante as consequências da
valorização sem fim e sem limites do capital impregna a economia e a
política, inclusive em “tempos de paz”.
Os traços principais do capital a juro,
que foram destacados por Marx – manter-se “à margem do processo de
produção” e apresentar “o juro como o verdadeiro fruto do capital, como o
originário, e com o lucro transfigurado agora como lucro de empresário,
como simples acessório e aditamento adicionado no processo de
reprodução” (Ibid.: III, 373) – hoje colocam os dirigentes capitalistas
defrontados com a toda a sociedade, com o conjunto da sociedade. O que
ocorre em nível da distribuição (o 1% frente ao 99%, segundo diz a
consigna dos militantes do OWS) é só a expressão mais facilmente
perceptível de processos muito mais profundos. Na cúpula dos grandes
grupos financeiros – tanto nos chamados “com predomínio industrial” como
nos demais – existe uma fusão quase completa entre o
“capital-propriedade” e o “capital-função”, que Marx identificou,
opondo-os parcialmente. A “era dos gerentes” deu lugar a outra na qual
há uma identidade de visão quase completa entre os acionistas e os
dirigentes.
Para um capital no qual as finanças
estão no comando, a busca “desenfreada e desmedida” da valorização deve
ser conduzida muito mais impecavelmente se o sistema está em crise. Os
“vales” sobre a produção em forma de dividendos ou juros estão ameaçados
e alcançam montantes que, desde os anos 1920, nunca tinham sido tão
elevados. É por isso que, seja se trate dos trabalhadores que o
capital emprega apesar da situação de superprodução, ou dos recursos
básicos que vão ficando raros ou mesmo da posição a se adotar frente às
mudanças climáticas e suas previsíveis consequências, o reflexo
predominante no capital tomado de conjunto é intensificar as exploração
das “duas fontes originais de toda riqueza”: a terra e o homem (Ibid.:
I, 424) e isso, ilimitadamente, até o esgotamento, sejam quais forem as
consequências.
Não posso estender-me aqui
na análise das questões ecológicas e sua interação com o movimento da
acumulação e suas contradições, mas cabe assinalar que, com a crise,
estas interações se tornam ainda mais estreitas, como mostra o último
informe da Agência Internacional de Energia (Reverchon).
Centralização e concentração do capital e intensificação da competição intercapitalista
A ideia associada à expressão “os
senhores do mundo”, a de uma sociedade planetária do tipo de Metrópolis,
de Fritz Lang, acaba de ser reforçada pela difusão de um estudo
estatístico muito importante sobre as interconexões financeiras entre os
maiores bancos e empresas transnacionais, publicado pelo Instituto
Federal Suíço de Tecnologia, de Zurich (Vitali et. al.). Seria preciso
um artigo inteiro para examinar a metodologia dos dados de base e as
conclusões deste ambicioso estudo, cujos resultados têm importantes
implicações, mas devem ser cruzados com outros fatos.
Qual o sentido de classificar cinco
grupos financeiros franceses (Axa no quarto lugar e Société Générale no
posto vinte e quatro) entre os cinquenta primeiros grupos mundiais com
base no número de seus laços (caracterizados como “de controle”) com
outros bancos e empresas? Como reconciliar essa informação com a
exigência de socorrer esses mesmos grupos? A densidade de interconexões
financeiras não traduz sobretudo o fluxo de operações financeiras nas
quais os grupos em questão são intermediários? E os numerosos laços não
teriam o estatuto de nós do sistema e não o de centralizadores do valor e
da mais valia?
Em todo caso, a publicidade dada ao
estudo exige fazer dois tipos de observações teóricas que são, ao mesmo
tempo, indispensáveis para compreender a situação mundial. Os processos
de liberalização e privatização fortaleceram muitíssimo os mecanismos de
centralização e de concentração do capital, tanto em nível nacional,
como de maneira transnacional. São processos que alcançaram tanto o Sul
como o Norte. Em determinados setores dos países chamados “emergentes” –
a banca e os serviços financeiros, a agroindústria, a mineração e os
metais básicos – vimos a centralização e a concentração do capital e sua
expansão para os países vizinhos.
No Brasil e na Argentina, por exemplo, a
formação de poderosas “oligarquias” modernas andou de mãos dadas com
fortes processos endógenos de acumulação financeirizada e a valorização
de “vantagens comparativas” conformes às necessidades de matérias primas
desta acumulação mundial na qual a China passou a ser o pivô. Especialmente
no Brasil se formaram oligopólios que rivalizam com seus pares
norteamericanos ou australianos na extração e transformação de metais e
na agroindústria. Devido à mundialização, as interconexões
entre os bancos e entre bancos e empresas comprometidas com a produção
industrial e os serviços, passaram a ser mais fortemente transnacionais
do que em qualquer outro momento. O campo de ação do que Lenin chamava
de “entrelaçamento” é a economia mundial. Não é por isso que o capital é
monolítico. O entrelaçamento não apaga a competição entre os
oligopólios que, por ocasião da crise, recuperam traços nacionais e
comportamentos pouco cooperativos.
O que prevalece hoje na arena mundial é o
que Marx chama de “anarquia da produção”, cujo motor é a competição,
mesmo que o monopólio e o oligopólio sejam a forma absolutamente
dominante dos “múltiplos capitais” que conjuga o capital considerado
como totalidade. Os Estados, ou mais exatamente, alguns Estados, os que
ainda têm meios para isso, são cada vez mais os agentes ativos dessa
competição. O único Estado que conserva esses meios na Europa
continental é a Alemanha. Não ocorre o mesmo na França, onde a burguesia
se tornou novamente financeira e rentista, deixando que ocorresse um
processo de desindustrialização, encerrando-se na opção da energia
nuclear e que vê agora seus “campeões nacionais” caírem um após o outro.
Por isso, as dúvidas a respeito da presença dos bancos franceses entre
os cinquenta “senhores do mundo”.
A outra grande
observação referente à centralização-concentração do capital nos
devolve ao nosso fio condutor. A razão pela qual as leis coercitivas da
competição desfazem as tendências que vão no sentido do acordo entre os
oligopólios mundiais é que o capital, por mais centralizado que seja,
não tem o poder de se libertar de suas contradições constitutivas, assim
como não pode bloquear o momento no qual volta a se encontrar com seus
“limites imanentes”.
(*) François Chesnais é professor
emérito na Universidade de Paris 13 – Villetaneuse. Destacado marxista,
integra o conselho científico da Attac-França. É autor de “La
mondialisation du capital” e coordenador de “La finance mondialisée,
racines sociales et politiques, configuration, conséquences”. Email:
chesnais@free.fr
Tradução de Marco Aurélio Weissheimer, a partir da versão em espanhol publicada em Sin Permiso.http://www.cartamaior.com.br
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