Crédito: Diario Liberdade | |
Estados Unidos - Carta Capital -
Novamente o mundo assiste perplexo a mais um massacre nos Estados
Unidos. E, novamente, a sociedade estadunidense chora seus mortos.
Nenhuma novidade. Lá são inúmeros os casos de pessoas, aparentemente
insuspeitas, que planejaram cuidadosamente cada detalhe de uma chacina e
a colocaram em prática com itens encontrados em estabelecimentos
comerciais.
No dia 20 de julho, um jovem de nome
James Holmes, equipado com colete balístico, capacete, máscara contra
gases e armado de pistola, escopeta e fuzil, entrou num cinema em
Aurora, no Colorado, lançou bombas de fumaça e atirou contra os
espectadores matando 12 deles e ferindo outras dezenas. De acordo com a
polícia, James Holmes não tinha antecendentes criminais, o que significa
dizer que até o dia do massacre James não infringiu a lei, fora uma
multa de trânsito em 2011. O jovem não comprou o armamento e a munição
das mãos de traficantes ou contrabandistas. Tudo foi adquirido
legalmente em lojas estabelecidas.
James Holmes comprou quatro armas,
dentre elas um fuzil semi-automático calibre .223. Armas com esse
calibre podem ser encontradas em qualquer mercado nos Estados Unidos e
sua aquisição não requer nenhum exame psicotécnico, depende apenas do
dinheiro. Na Bas Pro Shop, uma das lojas visitadas por James, um fuzil
nesse calibre, semi-automático, Remington R-15 VTR Predator,
custa US$ 1149.99. Apesar de ser vendida como arma de caça, seu calibre
foi desenvolvido por empresas dos Estados Unidos para o exército daquele
país que, depois da Segunda Guerra Mundial, concluiu que precisava de
um munição mais leve que a tradicional 7.62, afim de que seus soldados
tivessem mais precisão de tiro e pudessem carregar consigo mais balas. O
campo de provas desse novo calibre foi a selva vietnamita nos anos 60.
O mercado não se importa em produzir
artigos que podem, fatalmente, resultar na morte de seus consumidores. O
sistema econômico vigente consiste no tripé produção em
massa/consumo/descarte. Para mantê-lo é preciso criar perfis de consumo
que nem sempre são baseados em necessidades reais. É preciso produzir,
não importa a que preço. Basta rotular um maço de cigarro com “O
Ministério da Saúde adverte” ou uma garrafa de bebida alcóolica com “Se
beber não dirija” para que se redima a culpa da indústria pelas mortes
decorrentes de doenças respiratórias e acidentes de trânsito. A
indústria de alimentos despeja todos os dias nos supermercados produtos
que serão responsáveis por doenças cardíacas, câncer, diabetes. A
indústria química, proibida de vender agrotóxicos nos países ricos, os
vende à preço de banana para nações do Terceiro Mundo.
Nos Estados Unidos a indústria cinematográfica e armamentista sempre andaram de mãos dadas. Hollywood tem sido vitrine para o lobby
das armas. É a forma mais eficiente de publicidade. Raramente um filme
americano na TV ou no cinema não tem ao menos um personagem disparando
armas, mesmo em comédias ou filmes românticos como Ghost eTitanic.
Assim como os filmes de Humphrey Bogart e James Dean estimularam muita
gente a fumar, Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Bruce Willis
certamente inspiraram outros tantos a comprar ao menos uma pistola.
E aí fica a pergunta. Por que tanta
perplexidade com a ação de James Holmes? O atirador do Colorado não fez
nada que a sociedade e o mercado não conhecessem e incentivassem. Ele
foi até uma loja, comprou máquinas de matar de forma legal e fez
exatamente o que se espera delas. Matou. James Holmes é portanto um
consumidor, e o mercado agradece. A indústria armamentista não vai parar
por causa das vidas ceifadas à bala naquele cinema em Aurora, muito
menos pelos mortos em ataques de aviões não-tripulados estadunidenses no
Paquistão e no Afeganistão. É tudo negócio, nada pessoal.
Mais importante que nos debruçar sobre o perfil psicológico de James Holmes é analisar o caráter do establishment que tornou possível sua ação brutal.
http://www.diarioliberdade.org/mundo/batalha-de-ideias/29530-carlos-latuff-james-holmes,-um-consumidor.html
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