terça-feira, 17 de julho de 2012

A bofetada das FARC a Santos em Toribío



imagemCrédito: RL


por Dick e Mirian Emanuelsson, da Colômbia

Sábado, 14 de Julho de 2012

Os guerrilheiros, muitos dos quais indígenas ao nosso redor, que vêem e escutam os comentários de Caracol, agregam que “a guerrilha no Cauca está constituída em sua maioria por indígenas”. Como seria possível levantar barreiras um quilômetro além do zona urbana se não fosse pela base social que temos em Toribío e no Cauca em geral?
(Guerrilleros de las FARC. FOTO: DICK EMANUELSSON)

A bofetada das FARC a Santos em Toribío
Por Dick e Mirian Emanuelsson, ANNCOL

MONTANHAS da COLÔMBIA / JULHO de 2012 / Durante mais de uma semana as FARC mostraram literalmente que são um exército irregular capaz de enfrentar em suas áreas de controle o exército e a força aérea oficial.
Eram 19h de quarta-feira, 11 de julho. Os canais de televisão Caracol e RCN veicularam como notícia de “ÚLTIMO MINUTO” a derrubada de um avião Supertucano*, moderna aeronave utilizada no combate contrainsurgente. A apresentadora da Caracol estava consternada quando apresentou os membros do governo que diziam que a guerrilha havia derrubado um destes 25 aviões vendidos por Lula ao regime de Álvaro Uribe Vélez, cujo ministro da defesa era Juan Manuel Santos, atual presidente da Colômbia.
AO NOSSO REDOR, ESCURIDÃO. Se escutva apenas a voz metálica da jornalista da Caracol, os grilos, os sapos e os pássaros da úmida selva colombiana. Mas de repente se escutaram as expressões de muitos guerrilheiros sentados a nosso lado, ao saber das notícias desta noite. Não podiam conter sua alegria pelas notícias da ação de seus companheiros em outra parte do país, Toribío, município do departamente de Cauca no sudoeste colombiano.
  • Durante mais de uma semana, nossas forças combateram o inimigo, que não pode conosco, diz um guerrilheiro na multidão de companheiros. Seus olhos brilham quando refletem um raio de luz da lua que entra pela densa selva. A apresentadora entrega o outro desastre militar: “um helicóptero foi atingido e incendiado por guerrilheiros das FARC em El Mango, e os pilotos foram levados pela guerrilha”. Caracol mostra um vídeo amador com o helicóptero em chamas.
  • Os pilotos têm que explicar à guerrilha o que andavam fazendo por lá, num inferno de guerra com bombardeios, combates e enfrentamentos. Muitas vezes, o exército utiliza os supostos “privados” para realizar operações de inteligência e, assim, os envolvem na guerra, agrega outro guerrilheiro vizinho, sentado na sala do acampamento insurgente.
COMO SE O PESADELO DESTA NOITE fosse pouco para os generais, a apresentadora lança um terceiro golpe midiático à moral castrense:
“Em meio às afrontas das FARC às forças públicas, as FARC mantêm barreiras a apenas um quilômetro da zona urbana onde o presidente Santos instalava um conselho de segurança”, protegido por mais de três mil soldados.
E a tela do televisor mostra como os guerrilheiros visam e checam os documentos das pessoas e veículos que transitam a apenas 15 minutos da malha urbana de Toribío. Caracol chega ao lugar e conversa tranquilamente com os guerrilheiros, que relatam o porquê da barreira e explicam que sua missão é conter o avanço das forças militares.
Em Toribío, Juan Manuel Santos, também pálido como a apresentadora da Caracol, quase balbucia e quase roga às FARC:
“Desmobilizem-se, desmobilizem-se”!, repete, “refaçam suas vidas como seus companheiros que agora gozam a vida, eehhh”!
O comandante do acampamento onde permanecemos diz que há 15 dias o apoio a Santos vem caindo vertiginosamente nas pesquisas, e “continuará caindo devido à incontrolável e complicada situação do país”.
SANTOS FALA AOS JORNALISTAS e diz que convidará os líderes indígenas para que cheguem a um acordo com o governo e o Estado. Posando de atraente, Santos oferece entregar meio bilhão de pesos para melhoramentos do saneamento, outros serviços públicos, ofertas e promessas que o povo colombiano escutou a vida inteira, conhecendo o verdadeiro valor e o conteúdo desta política loquaz.
Os indígenas não querem sentar-se à mesa com Santos, e apenas entregam um documento com suas exigências, sendo a principal a saída das forças militares da jurisdição de Toribío. Caracol gira a câmera, mostrando a estação de polícia de dois andares. Para proteção, os agentes ergueram trincheiras e o homem da televisão se pergunta “a quem protege a polícia contrainsurgente em Toribío, se eles mesmos se escondem atrás destas bolsas cheias de areia para proteger-se das FARC, que têm este município cercado”?
(Indígenas tapan trincheras de Ejército en cerro de las Torres. Foto: Ivan Noguera / El Tiempo)
SANTOS SAI À RUA e é hostilizado pela população. Durante o dia anterior, mulheres indígenas derrubaram essas fortificações, exigindo a retirada da força pública. As mesmas mulheres e toda a população rechaçam a visita de Santos, que reponde que não vai “desmilitarizar um só milímetro da cidade porque ela faz parte do território nacional”. Nesta frase, reconhece que o Estado militarizou a região.
Caracol tenta salvar de algum modo a deteriorada imagem de Santos, um presidente rechaçado pela comunidade em massa, afirmando que “os indígenas querem que a guerrilha, ela também, saia de seu território”. O que Caracol oculta é o fato de que a guerrilha é móvel e várias de suas frentes nasceram neste território, como parte da luta camponesa e indígena pela terra e pelo território cobiçado pelas transnacionais. Mais: nesta região, o Estado quer ocupar os territórios para entregá-los às mineradoras, já que estes contêm grandes reservas de ouro e de outros minerais na cordilheira.
Os guerrilheiros, muitos dos quais indígenas, a nosso redor, que vêem e escutam os comentários de Caracol, acrescentam que “a guerrilha no Cauca está constituída em sua maioria por indígenas. Como seria possível erguer barreiras a um quilômetro da zona urbana se não fosse pela base social que temos em Toribío e no Cauca em geral”?
(Una guerrillera indígena de las FARC-EP, una de miles. Foto: D.E.)
A VIOLACÃO DO Direito Internacional Humanitário, DIH, é flagrante em Toribío. A polícia militarizada utiliza a população civil como escudo, colocando um posto policial no meio da zona urbana quando o DIH diz claramente que todos os postos policiais e guarnições militares em um país com conflito armado têm de ser instalados fora das zonas mais povoadas, para evitar que os civis sejam alvejados pelos enfrentamentos.
A isto acrescentamos as provocações permanentes do exército e da aviação que, para impedir os avanços da guerrilha, bombardeia indiscriminadamente aldeias e aglomerados de casas. Em 2005, outro presidente colombiano, Álvaro Uribe, foi atingido em Toribío quando as FARC derrubaram um helicóptero Black Hawk. Mobilizou batalhões para enfrentar a guerrilha, batalhões que só puderam avançar poucos metros por dia, ainda que viessem com tanques, aviões e helicópteros.
No dia 11 de julho de 2012 os mesmos guerrilheiros voltaram a dar uma bofetada em um presidente, desta vez em Juan Manuel Santos, que várias vezes declarou o fim da guerrilha das FARC. E agora estamos talvez no começo de uma nova etapa da guerra, que a cada dia se parece mais com a guerra do Vietnam, uma era em que ao que parece a aviação já não poderá fazer das suas tão facilmente.
As FARC têm foguetes antiaéreos?
Foi no município de Suárez, também no departamento de Cauca, onde a guerrilha, segundo vídeo que circula na internet [http://youtu.be/z0yFsDy9ynA], estreou seus próprios mísseis antiaéreos, Made in FARC. Estes artefatos que têm alcance de vários quilômetros foram desde então objeto de análise e estudo dos generais, sobretudo da Força Aérea Colombiana, FAC, mas também do Pentágono.
Não são mísseis com grande precisão, mas, como diz uma fonte das FARC, “estamos todo o tempo aperfeiçoando e melhorando a arma para que cumpra sua meta: derrubar os aviões e helicópteros da força aérea”.
Na noite anterior, foi exibido no acampamento o vídeo [http://youtu.be/PeWTxn83BZI], feito pelo jornalista francês Romeo Langlois. Ele havia saído uma madrugada desde a base militar de Larandia, sob o controle do Comando Sul do exército dos Estados Unidos, para fazer uma reportagem sobre o tema do "cultivo de folhas de coca", junto a um comando de cerca de trinta soldados e oficiais das forças especiais do exército. Mas sua aventura terminou em um desastre tático quando a unidade militar se enfrentou contra guerrilheiros da 15ª Frente das FARC no vilarejo de San Isidro, departamento de Caquetá.
O vídeo é muito interessante do ponto de vista militar, porque mostra um suposto "Comando Selva", muito especializado, mas que no decorrer de sua manobra mostra-se pouco profissional.
INEFICÁCIA MILITAR
A outra observação que salta aos olhos é que depois do primeiro tiro, o capitão que havia falado de forma marcial em frente à câmera do jornalista francês na saída da expedição, muito assustado pedia por rádio a seu coronel apoio com aviões e helicópteros. Sua ineficácia militar foi evidente e sua linguagem, grosseira e vulgar. Coisas totalmente proibidas em comunicações militares. Enquanto isso, os guerrilheiros avançaram lentamente cercando o “Comando Selva”. Eram objetivos militares invisíveis às rajadas dos helicópteros.
Caiu morto o sargento que protegia o repórter francês, seguido pelo capitão e mais dois soldados. Langlois se deu conta de que ele também poderia morrer se não se passasse ao outro lado com seu braço ferido. E assim foi: atrás de Langlois, em outro setor, caíram mortos em combate outros 15 soldados e mais 10 ficaram feridos pelo fogo insurgente. A guerrilha respeitou a rendição de Langlois e lhe prestou os primeiros socorros por sua ferida.
A DIFERENÇA GUERRILHEIRO-SOLDADO
Se a guerrilha agora possui mísseis antiaéreos, estaria se configurando um fator de desmoralização para as tropas de infantaria, que, como demonstra o vídeo de Langlois, dependem muito do apoio aéreo para suas operações. É exatamente como na guerra do Vietnam, onde a aviação americana lançava “cortinas” de bombas com seus aviões B-52 para garantir o desembarque de suas tropas. Quando o desequilíbrio militar que impunha o domínio dos ares foi neutralizado pela artilharia vietnamita, os invasores ianques se viram obrigados a abandonar o país de Ho Chi Minh.
O sargento que protegia Langlois confessou, em meio às balas, que sua família não estava de acordo em que arriscasse sua vida por uma guerra que não era sua. E aí está a diferença entre guerrilheiros de todas as idades e soldados a soldo. Uns sabem por que expõe o peito e a vida por uma causa, por um ideal, enquanto os outros o fazem porque na Colômbia o povo é vítima do sistema capitalista, que condena milhões de seres humanos à miséria por falta de postos dignos de trabalho.
Dick Emanuelsson
Os aviões Supertucano do Brasil de ´Lula´
* O paradoxal neste tema dos 25 aviões Supertucano é que foi o socialista Inácio ´Lula´ da Silva, ex-presidente do Brasil, que deu permissão para vendê-los ao país com o conflito armado e social mais antigo do continente americano. O custo era de 240 milhões de dólares, que o povo colombiano segue pagando através de diversas formas de impostos.
As bombas destes aviões brasileiros acabaram com as vidas de revolucionários como Raúl Reyes, Jorge Briceño (el Mono Jojoy) e centenas de outros guerrilheiros vitimados pelas bombas destes aviões. Para os brasileiros traficantes da guerra, as notas manchadas de sangue não fedem.
NOTAS:
Comunicado de guerra FARC-EP 28 de setembro de 2011 Suarez, Cauca
http://youtu.be/z0yFsDy9ynA

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