sexta-feira, 19 de março de 2010

TEMPO BOM DEMAIS....

*José Antônio Oliveira de Resende


Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de
Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.


Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando
a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum
conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente,
à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os
donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se
apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão
dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e
minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos
num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos
na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de
centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras
que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo
benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e
dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte:
pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a
mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que
televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café,
na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade
nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e
amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a
esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas
vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela
acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração
em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos,
a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no
horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão,
vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe
mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que
escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde
perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a
lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da
manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!

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