O texto da Fernanda beira a precisão, de tanta lucidez na análise. O único destaque é quanto ao papel da vereadora petista neste enredo. Se a bem conheço, haja vista os métodos usados pela mesma enquanto sindicalista, as posições que tem tomado não passam de mera encenação, uma vez que o contexto político em que sua candidatura foi forjada é exatamente igual ao que repudiamos.
Não seria ela, afeita à demagogia, que perderia a oportunidade de propor uma CPI na certeza de que criaria em torno de si tão somente a aura da "bem intencionada", com a convicção de que, à exemplo de Brasil, tudo terminaria em "pizza".
Eis o texto da Fernanda:
Por Fernanda Huguenin
A proposta da vereadora do PT, Odisséia Carvalho, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos royalties é evidentemente corajosa, mas chega tarde como os cadeados colocados depois da porta arrombada. E sua não aceitação pela câmara significa um tiro no pé, pois os campistas estão fartos de verem o ouro ser entregue na mão do bandido. A falta de lisura com os gastos públicos é um fenômeno próprio de sociedades enrijecidas pelo tradicional personalismo e pela precária organização da sociedade civil. Se a Campos do passado era comandada pela elite canavieira associada ao Estado, a do presente é guiada por dois diferentes grupos políticos que historicamente se alternam ao estilo “é preciso mudar pra que tudo permaneça igual”. Do ponto de vista antropológico, a crise gerada pela proposta do deputado gaúcho Ibsen Pinheiro apenas abriu as cortinas para encenação de um drama.
Os dramas sociais, como sugere Victor Turner, “são, em larga medida, processos políticos. Envolvem a competição em torno de fins escassos – poder, dignidade, prestígio, honra, pureza – através de meios particulares e da utilização de recursos que são também escassos – bens, territórios, dinheiro, homens e mulheres. Fins, meios e recursos estão presos a um processo de feedback interdependente”. A alocação de responsabilidade pelo drama, isto é, a busca de bodes expiatórios ou de legítimos culpados entre as diferentes personagens da trama é geralmente o argumento do roteiro. Na vida ou no palco, o drama é encenado num campo político cheio de tensões, antagonismos e, sobretudo, interesses nem sempre públicos. Pelo menos um mérito tem a crise dos royalties: é a grande oportunidade de se repensar a política local.
É incorreto imaginar que a implementação de uma CPI ocorreria num momento inoportuno. Mesmo diante da previsibilidade de que tudo acabaria em pizza, o inquérito demonstraria boa vontade e, sobretudo, o destemor de quem nada deve. Fato é que os campistas já não mais agüentam viver numa cidade com um péssimo Índice de Desenvolvimento Humano, onde vigoram a corrupção e o assistencialismo que a sustenta. No entanto, historicamente não faltou apenas transparência dos gestores municipais, mas também criatividade. É de se perguntar: ainda que sob as rédeas do superfaturamento, ao estilo “rouba, mas faz”, que grande benfeitoria foi feita na cidade para além do asfalto maquiando o esgoto? A CPI seria uma boa oportunidade para elaborar idéias, colocá-las em debate e vislumbrar uma maneira de não jogar tanto dinheiro nos ralos entupidos das ruas.
Aliás, acertou em cheio o ambientalista Aristides Soffiati quando ponderou em sua coluna dominical que se for à custa da execução de projetos inconsistentes melhor mesmo que não tenhamos os royalties. E a vereadora Odisséia Carvalho em seu pedido de CPI enumera fatos absolutamente determinados e determinantes para a investigação, afinal, haja pizza para justificar a compra de meia tonelada de pimentão no mês de dezembro para a Fundação Municipal da Infância e Juventude! A vereadora tem sido acusada de querer se auto-promover, mas ainda que seja essa a sua intenção, pelo menos o faz oferecendo uma proposta de debate e correção e não os tais cinqüentinhas.
Um drama social geralmente termina ou com a reconciliação negociada ou com o rompimento definitivo dos grupos em disputa. E a história da política brasileira tem nos revelado que o inimigo de antes pode ser o amigo de amanhã e vice-versa. É vergonhoso que o desejo de transparência da população tenha sido recusado pelos seus representantes na Câmara, inclusive pelos vereadores da oposição. A longa viagem dos campistas em busca do tempo perdido parece ser a própria Odisséia.
Do blog O cru e o cozido
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