(A indicação de um Chefe de Estado: nada de novo no Vaticano)
Milton Pinheiro[1]
O
processo eleitoral no Vaticano para a escolha do Chefe de Estado, que é
ao mesmo tempo o líder espiritual dos católicos, se revela um bom
exemplo para analisarmos as contradições do que se convencionou chamar
de democracia. É bom salientar que o debate sobre a formalidade da
democracia é uma forma camuflada de se transformar a democracia
burguesa, em democracia em geral.
A
cena política internacional marcada nos dias atuais pela renúncia do
papa Bento XVI e pelo falecimento do presidente Hugo Chávez,
apresentou-se na mídia burguesa, no Brasil e no mundo, de forma
extremamente diferenciada. O componente ideológico do consórcio
midiático internacional, neste cenário, agiu para reafirmar posições na
constante tarefa de projetar ideias em defesa de um estilo político que
reafirma os interesses do capital na re-construção de uma cultura
cotidiana reacionária e chauvinista, que pode se transformar em braço do
fascismo a depender da correlação de forças.
Nessa
manipulação midiática a respeito da democracia em geral, eles
transformam a democracia de novo tipo do Estado cubano em ditadura.
Mesmo tendo conhecimento da norma jurídica daquele país, do processo
eleitoral em Cuba e das formas populares de se eleger o poder de Estado
na perspectiva de outro regime político, ou seja, o socialismo. Mas esse
procedimento não se restringe a Cuba. A Venezuela é atacada
constantemente, o sistema venezuelano de eleições diretas para
presidente, parlamento, províncias e municípios não satisfaz ao
consórcio da mídia classista internacional. Para eles o que importa é
quem sai vencedor do pleito e a posição política dos novos governantes.
Chávez,
a partir da norma jurídica constitucional da Venezuela, sempre foi
expressivamente sufragado nas eleições que venceu. Essas eleições
tiveram observadores internacionais, que nada identificaram contra a
lisura do pleito, e o reconhecimento da derrota por parte dos candidatos
da oposição, como foi o caso de Capriles, que liderou uma coligação
oposicionista de 30 partidos. No entanto, o consórcio midiático
brasileiro e internacional, no falecimento do comandante Chávez o
qualificou de ditador.
Qual
é o sentido dessa postura, já que na Venezuela as liberdades
democráticas e as normas constitucionais estão em perfeito
funcionamento? E isso é comprovado, até mesmo, pelo insuspeito
ex-presidente estadunidense Jimmy Carter que chamou as últimas eleições
de mais livres e honestas do que as dos EUA. Por que Chávez é chamado de
ditador, quando 90% dos meios de comunicação são privados e serve
diariamente a oposição? Talvez tenhamos algumas respostas: Chávez em 14
anos de sucessivas vitórias eleitorais conseguiu fazer profundas
transformações naquele país. Seu governo reduziu a pobreza em mais de
70%, construiu 22 universidades, o que torna a Venezuela um país que
tem, proporcionalmente, o 5º maior contingente de estudantes
universitários do mundo, numa população de 26 milhões de habitantes. As
mulheres avançaram em suas lutas, os trabalhadores do campo e das
cidades tiveram vitórias significativas, a moradia se transformou num
direito da cidadania, floreceu o respeito do Estado venezuelano as
minorias, os negros e os indígenas adquiriram direitos históricos, a
organização popular cresceu para exercer o seu poder de pressão e a
democracia tem sido vitoriosa. Portanto, o ódio do consórcio midiático
burguês ao líder político falecido, deve ser em virtude das vitórias dos
trabalhadores e do povo em geral na Venezuela, que rompeu com a secular
acumulação privada da riqueza.
Mas,
no outro lado da notícia encontramos a problemática da renúncia do papa
Bento XVI com todas as suas implicações: falência fraudulenta do Banco
do Vaticano, pedofilia, postura inadequada para os problemas
contemporâneos (Aids, aborto em casos especiais, ordenamento de
mulheres, casamento de sacerdotes, hierarquia antidemocrática, casamento
gay...), luta interna desleal com acusações nada éticas, etc. Não
obstante esse quadro, outra questão pontifica nesse debate sobre a
democracia em geral. Como no mundo contemporâneo, um Chefe de Estado e
líder espiritual de centenas de milhões de católicos pode ser eleito por
um colégio eleitoral, intramuros medievais, composto por 115 homens?
Trata-se de um processo onde a democracia não encontra qualquer tipo de
representação, nem mesmo naquela da formalidade burguesa que quer se
transformar ideologicamente, na democracia em geral.
O
que vem com a fumaça que saiu da chaminé da Capela Sistina que, via uma
articulação palaciana, elegeu um novo Chefe de Estado para o Vaticano
e, ao mesmo tempo, o líder de centenas de milhões de católicos?
Confirma-se assim, com esse arcaico procedimento, que o Vaticano e a
Igreja Católica, novamente estão de costas para a história e para o povo
que diz representar, sem interesse de encontrar-se com a democracia,
com os valores da cidadania, com os pressupostos de uma ética que
estaria em consonância com a sua base social. Portanto, a Igreja
Católica vai continuar como instrumento do poder em curso, apoiando a
lógica reacionária que predomina nas agências de dominação e integrada
na ordem econômica e ideológica do capital.
O
colégio eleitoral mais restrito do mundo elegeu o argentino Jorge Mario
Bergoglio Chefe do Vaticano e Papa. Esse religioso, que pelas denúncias
da Associação das Mães da Praça de Maio e do jornalista Horacio
Verbistky, entregou os padres Francisco Jalics e Orlando Yorio para a
repressão, quando era chefe da Companhia de Jesus. Esses padres foram
desaparecidos pela sanguinária ditadura militar que tomou conta da
Argentina de 1976 a 1983. O atual Chefe do Vaticano ainda é acusado de
ter conhecimento do seqüestro de bebês de presos políticos que foram
adotados, clandestinamente, por outras pessoas.
E
agora, o que será “informado” pelo consórcio midiático burguês? O que é
a democracia em geral? Conforma-se uma postura ideológica que não entra
no mérito das determinações de cada nação, mas sim, na postura e na
posição política daqueles que se encontram do outro lado da cena
contemporânea. Se fugir à regra do projeto do capital e da barbárie em
curso será tratado como inimigo a ser derrotado, e para isso os meios
justificam os fins, a democracia em geral continuará como instrumento da
ditadura de uma classe, no caso, a burguesia.
Será que Marx continua certo quando afirmou, em um contexto específico, que a “religião é o ópio do povo”?
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