Polícia apura uso eleitoreiro de programa para beneficiar Garotinho e sua filha Clarissa
Publicada em 28/09/2010
Sérgio Ramalho e Carla Rocha
Agência O Globo
RIO - A utilização de integrantes do programa Jovens Pela Paz como cabos eleitorais pelo ex-governador Anthony Garotinho e pela vereadora Clarissa Matheus, sua filha, entre 2004 e 2005, está sendo investigada pela Delegacia Especial de Crimes Contra a Fazenda, a Administração Pública e o Patrimônio do Estado do Rio. Candidatos, respectivamente, a deputado federal e estadual pelo PR, Garotinho e Clarissa figuram em dois inquéritos - juntamente com outras oito pessoas, entre elas Mário Marques, ex-prefeito de Nova Iguaçu, e Wilson Pinheiro Sombra, ex-subsecretário de Governo e ex-coordenador do programa. A polícia investiga formação de quadrilha, peculato (crime praticado por funcionário público contra a administração) e se houve irregularidade na dispensa de licitação para a criação do projeto. A soma das penas varia de seis anos (considerando-se a punição mínima) a 20 anos de prisão.
As investigações usam como base depoimentos de jovens que fizeram parte do programa, entre 2004 e 2005, e dados referentes à quebra do sigilo bancário e fiscal dos envolvidos. Nos depoimentos prestados este mês na delegacia, ex-integrantes do programa disseram que Clarissa Matheus e Wilson Pinheiro Sombra eram os responsáveis pelo esquema de recrutamento dos jovens, para participar de manifestações a favor de Garotinho, então candidato à Presidência da República. Os integrantes do Jovens pela Paz também teriam atuado na entrega de cheque-cidadão, leite e cestas básicas, com fins político-partidários. As testemunhas afirmaram que eram coagidas a participar e, se recusassem, eram ameaçadas de desligamento do projeto.
Polícia apura ainda dispensa de licitação
Procurada pelo GLOBO, a delegada Izabela Rodrigues Santoni informou que a investigação foi desmembrada em dois inquéritos. Um apura a dispensa de licitação para a criação do programa, implantado a partir da assinatura de um convênio entre as secretarias estaduais de Segurança Pública e Infância e Juventude com a Associação Candido Mendes de Ensino e Pesquisa (Acamep), no valor de R$ 25,6 milhões. De acordo com o inquérito, além de não ter sido realizada a licitação, os integrantes do Jovens Pela Paz ouvidos afirmaram não ter recebido o treinamento previsto no projeto.
No segundo inquérito em andamento na Delegacia Especial de Crimes Contra a Fazenda, a Administração Pública e o Patrimônio do Estado, a polícia apura formação de quadrilha e peculato. Além de Garotinho, Clarissa, Sombra e Mário Marques, outras pessoas ligadas ao programa são acusadas: Edson Eduardo Soares, Egberto Figueira Gabry, José Augusto Andrade, Vagner de Aguiar, Vanielly Bethania do Nascimento Sena e Paulo Sérgio Delfino Machado. De acordo com as investigações, o programa deveria beneficiar 12 mil jovens com idades entre 17 e 24 anos. Contudo, entre os anos de 2004 e 2005, apenas metade do número previsto foi contratada. Em tese, os jovens recebiam R$ 240 mensais para atuar em comunidades carentes, dando aulas a crianças e adolescentes.
Jovens teriam fornecido cópias do título de eleitor
Testemunhas ouvidas no inquérito, no entanto, denunciaram que a principal atividade era de fato a atuação político-partidária. Ex-integrantes do programa contaram ter participado de reuniões com Clarissa e Wilson Sombra. Nos encontros, os jovens teriam sido orientados a entregar cópias dos títulos de eleitor e até mesmo a preencher fichas de filiação na Juventude do PMDB, então presidida por Clarissa Matheus:
- Num dos encontros, que foi coordenado por Sombra, fomos orientados a fazer reuniões com os pais dos alunos, solicitando os números dos títulos de eleitor para um cadastro. Eles também nos obrigavam a participar de atos políticos, sempre sem o uniforme do programa. Num desses eventos, em Nova Iguaçu, fomos orientados a gritar "Juventude presente, Garotinho presidente!" quando Garotinho entrasse no palanque - contou um dos ex-integrantes do programa.
Uma outra testemunha disse que a situação se agravou durante a candidatura de Garotinho para presidente.
- Nesse período, ocorreu o maior índice de corrupção no programa. As oficinas foram obrigada a parar suas atividades. A ordem era que todos os bolsistas fizessem a campanha de Garotinho para presidente e Rosinha para governadora. Caso houvesse recusa por parte de algum bolsista, ele seria desligado do programa e teria seu cartão e sua senha do banco recolhidos pela coordenação - contou.
Com o pedido de quebra de sigilo dos envolvidos no caso, os investigadores pretendem saber se os responsáveis pelo programa continuaram a sacar os valores referentes às bolsas canceladas.
Procurado, o ex-governador Anthony Garotinho não quis comentar as denúncias, alegando que não tinha conhecimento do inquérito. Ele disse que, assim que for chamado a depor, irá à delegacia acompanhado de seu advogado para dar todos os esclarecimentos necessários.
A vereadora Clarissa Garotinho (PR) disse que desconhecia a existência do inquérito e afirmou estranhar que as informações tenham vazado a poucos dias das eleições. Segundo ela, na época dos fatos citados na denúncia, a governadora era Benedita da Silva e a coordenação do programa Jovens Pela Paz já estava a cargo do PT.
- Como eu poderia, como presidente da Juventude do PMDB (partido ao qual era filiada à época), coagir jovens de um programa sob a coordenação do PT? Parece totalmente ilógico. Nunca tive contato com esses jovens. Nada disso é verdadeiro. Só posso ver interesse político em me prejudicar às vésperas da eleição - afirmou Clarissa Garotinho.
Nos anos mencionados no inquérito, Clarissa, além de presidir a Juventude do PMDB, trabalhava ao lado de Wilson Pinheiro Sombra, então seu namorado. Sombra negou ontem as acusações.
- Eu desafio qualquer pessoa a comparar a lista de filiados ao PMDB com a de integrantes do programa na época. O Ministério Público estadual já fez esse levantamento e viu que não era expressivo o número de jovens filiados. Eram dez mil em todo o estado, muitos de outros partidos. Nunca houve a exigência de entrega de título de eleitor - afirmou Sombra, que diz estar afastado da política e, até hoje, é filiado ao PMDB.
Parte das denúncias de irregularidades no programa também deu origem a uma ação de improbidade administrativa, que está tramitando na 1ª Vara Cível da Comarca de Nova Iguaçu.
Ex-governador foi condenado por formação de quadrilha
O ex-governador e ex-secretário de Segurança Anthony Garotinho foi condenado em agosto passado, no Tribunal Federal de Justiça do Rio, a dois anos e seis meses de reclusão em regime semiaberto (pena convertida em prestação de serviços), por formação de quadrilha. A sentença inédita se estendeu a dois ex-chefes da Polícia Civil - Álvaro Lins e Ricardo Hallak - e a mais sete pessoas. As penas variam de dois a 28 anos de prisão, por crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de bens.
Na sentença de 357 páginas, o juiz Marcelo Leonardo Tavares, da 4 Vara Federal Criminal, ressaltou: "o réu (Garotinho) teve elevada culpabilidade, diante do alto grau de conhecimento de ilicitude, sendo um especialista em segurança pública, conforme admitiu no interrogatório". Garotinho é citado como um dos chefes, juntamente com Álvaro Lins, de um esquema de loteamento de delegacias no período em que ocupou a Secretaria de Segurança Pública, no governo de Rosinha Garotinho.
As condenações foram resultado da Operação Segurança S/A, da Polícia Federal, que revelou a existência de um esquema de proteção ao contraventor Rogério Andrade no período em que Lins era chefe da Polícia Civil. Ainda na sentença, o juiz sustenta que Garotinho "perseguiu, através da quadrilha, o poder político a qualquer custo".
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