12/02/2013 - 10:16:52
O Complexo Industrial-Portuário do Açu: um grande exemplo de que nem tudo o que reluz é ouro
* Por Marcos A. Pedlowski
Em
determinados contextos históricos, a busca de soluções para cenários
marcados por graves dificuldades sociais e econômicas acaba gerando
expectativas exageradas em torno de determinados empreendimentos. Isto
se dá mesmo quando seus idealizadores não fazem nenhum esforço para
aumentar seu poder de atração para eventuais parceiros ou, tampouco,
para ganhar legitimidades em ações que, eventualmente, se tornam
impopulares.
Entretanto,
também existem casos em que há um esforço deliberado para gerar
expectativas exageradas que acabam servindo não só ampliar a gama de
parceiros, mas também para neutralizar e deslegitimar as eventuais vozes
dissonantes. Neste segundo cenário é que se insere a construção do
chamado Complexo Industrial-Portuário do Açu (CIPA), um
mega-empreendimento que vem sendo tocado pelo Grupo EBX do bilionário
Eike Batista no município de São João da Barra, no Norte Fluminense.
Em
sua versão mais otimista, e que ainda é mostrada aos que fazem as
visitas dirigidas no canteiro de obras do Porto do Açu, o CIPA deveria
abrigar um porto, duas siderúrgicas, um pólo metalmecânico, unidades de
armazenamento e tratamento de petróleo, um estaleiro, plantas de
pelotização e cimenteiras, e duas termoelétricas.
Apesar
de atualmente Eike Batista enfrentar dificuldades para manter sua fama
de ser a versão tupiniquim do "Rei Midas", aquele que transformava em
ouro tudo o que tocava, até bem pouco tempo qualquer um que se atrevesse
a questionar as projeções otimistas em torno do CIPA era logo taxado de
inimigo do desenvolvimento regional.
Além
disso, qualquer menção de crítica aos aspectos sociais, econômicos e
ambientais associados à instalação do CIPA era prontamente justificada
com o número de empregos que seriam gerados, bem como por um ciclo
virtuoso de desenvolvimento econômico que causaria. Por exemplo: em um
seminário público realizado no campus da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) em 2010, o Grupo EBX anunciou a criação de 39.500
empregos na fase de instalação e outros 47.290 quando o CIPA passasse
para sua fase operacional.
Desfile de marcas
Eike
Batista iniciou um verdadeiro desfile de marcas famosas que viriam para
São João da Barra para ajudá-lo a transformar a realidade econômica do
Norte Fluminense. Por outro lado, o empresário conseguiu aliados
importantes nas diferentes esferas de governo, desde a então prefeita
Carla Machado (PMDB), passando pelo governador Sérgio Cabral, e
alcançando também o planalto central, onde desfrutava das melhores
relações com o então presidente Lula e sua ministra da Casa Civil, a
hoje presidente Dilma Rousseff.
Com
base nessa rede de forças, Eike Batista conseguiu ainda obter em tempo
recorde todas as licenças ambientais necessárias para iniciar a
implantação do Porto do Açu e a construção do estaleiro naval da OSX.
Mas a ajuda estatal não parou por aí, se estendendo à edição de quatro
decretos pelo governo do Rio de Janeiro que implicaram na desapropriação
de mais de 7.000 hectares de terras no quinto distrito de São João da
Barra, afetando um número indeterminado de pequenos proprietários rurais
e pescadores.
A
partir da edição desses decretos, supostamente em nome do interesse
público, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro
(CODIN) foi mobilizada para realizar uma série de remoções forçadas de
agricultores e pescadores do interior de propriedades que eram ocupadas
por suas famílias há várias gerações, e um grande número de remoções foi
realizado em 2011.
Nas
remoções, o que se viu foi a repetida utilização de um forte contingente
policial que retirava à força famílias inteiras, muitas delas não tendo
para onde ir, momento em que muitos acabaram saindo de suas
propriedades apenas com a roupa do corpo. As condições para questionar a
aura de infalibilidade que cercava a implantação do CIPA começaram a
ser viabilizadas com a criação da Associação de Produtores Rurais e
Imóveis de São João da Barra (ASPRIM) no mês de setembro de 2010.
A
partir desta criação, os agricultores que não queriam ceder suas terras
para a CODIN, passaram a atrair a solidariedade de movimentos sociais,
sindicatos urbanos, e pesquisadores. Com base nessa rede de apoiadores, a
ASPRIM começou a realizar uma série de ações marcadas pela variedade de
instrumentos de luta, indo desde o fechamento das estradas de acesso às
obras do CIPA até a contratação do mesmo escritório de advocacia que
havia representado comunidades que se opuseram a um empreendimento
portuário de Eike Batista em Santa Catarina.
A
ASPRIM logrou ainda realizar uma série de seminários para informar aos
moradores das diferentes localidades afetadas pelo CIPA sobre seus
direitos. Apesar das várias tentativas de descaracterizar e deslegitimar
as ações da ASPRIM, as diferentes ações que foram realizadas
contribuíram para diminuir o ritmo das remoções em 2012. Coincidência ou
não, ao longo do último ano o Grupo EBX começou a enfrentar uma série
de problemas em função da perda de credibilidade de Eike Batista na
passagem da fase da planificação para a entrada em funcionamento de
vários de seus projetos.
A
situação ficou ainda pior quando a OGX, empresa petrolífera do Grupo
EBX, teve de reconhecer que suas estimativas de produção de petróleo no
Pré-Sal foram superestimadas de forma grosseira. Além disso, a
persistência da crise econômica mundial contribuiu para a desistência
dos principais parceiros de Eike Batista na construção do CIPA; ainda
que as perdas mais sentidas tenham sido as da chinesa Wuhan e da
ítalo-argentina Ternium, que iriam construir as duas siderúrgicas
planejadas para o CIPA.
A
montadora japonesa Nissan e a empresa norueguesa SubSea 7, que constrói
dutos para exploração de petróleo em grandes profundidades, também
anunciaram sua desistência de se instalar. É importante notar que a
perda de parceiros foi atribuída inicialmente à incapacidade de se
estabelecer a infraestrutura necessária para a operação do CIPA.
Entretanto, nos últimos meses, um elemento de natureza ambiental se
tornou um complicador ainda maior para os planos de Eike Batista em São
João da Barra, já que a partir de denúncias de agricultores que ainda
permanecem em suas terras, pesquisadores do Laboratório de Ciências
Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense confirmaram a
ocorrência de um grave processo de salinização das águas superficiais na
área do entorno do CIPA.
Multa por crime ambiental
Apesar
das negativas, há algumas semanas, o Grupo EBX foi multado pelo governo
do Rio de Janeiro, que ainda determinou uma série de medidas visando
uma reparação do dano ambiental e das perdas financeiras sofridas pelos
agricultores do quinto distrito. Ainda que muitos avaliem as penas
impostas pelo governo estadual como excessivamente brandas, o principal
custo é o aumento da perda da credibilidade de Eike Batista no mundo
corporativo, o que, por si só, poderá ter desdobramentos avassaladores
sobre o Grupo EBX e todas as empresas da franquia “X”. Quando analisado
em seus mais variados aspectos, as chances do CIPA sair do papel estão
se tornando cada vez mais exíguas, assim como a realização da fabulosa
promessa de empregos.
Isto
levanta algumas questões sérias sobre o modelo de desenvolvimento que o
megaempreendimento representa, a começar pela aposta na aglomeração de
vários empreendimentos numa área ecologicamente sensível e
tradicionalmente ocupada por comunidades que anteriormente viviam e
trabalhavam em relativo equilíbrio com a Natureza. E aqui não se trata
apenas de contar os custos sociais e ambientais mais imediatos, mas de
estimar os que ainda estão por vir.
O
pior é que se a débâcle de Eike Batista não for revertida, os custos
aumentarão exponencialmente, e poderão atingir características
catastróficas. A principal lição que podemos tirar das desventuras do
Complexo Logístico Portuário do Açu é que não há porque aceitar sem os
devidos questionamentos certas propostas mirabolantes que prometem
mundos e fundos, mas que só são viáveis com a generosa intervenção do
Estado e que, por tabela, concentram os ganhos nas mãos de poucos
enquanto socializam coletivamente as eventuais perdas.
* Marcos
A. Pedlowski é professor do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico
da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Phd em Environmental
Design and Planning pela Virginia Polytechnic Institute and State
University.
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