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Consideram-se redes sociais como
Facebook e suportes como Youtube exemplos do grande alcance da
democratização da informação, sem perceber que se tratam de empresas
privadas que, por meio de uma tecla lá de seus centros de controle,
podem eliminar um conteúdo subversivo e fazer desaparecer um usuário. Já
há muitos casos para contar. Por Pascual Serrano, do Rebelión
Pascual Serrano* – Rebelión
Havana – As novas tecnologias, a
internet e as redes sociais têm chegado à sociedade com uma auréola de
democratização, participação e igualdade que levou concomitantemente uma
fascinação progressista unida ao caráter inovador inerente da
tecnologia. Não se trata somente de aparatos, suportes e formatos
fascinantes tecnologicamente – como toda tecnologia inovadora –, mas que
também adiante resultavam, quando igualitárias e baratas, libertadoras
na medida em que pareciam romper o monopólio da difusão dos grandes
grupos de comunicação e grandes empresas. Não se podia querer outra
coisa. E não negaremos que parte de tudo isso é verdade. Mas a questão é
que existem muito mais elementos ao redor das novas tecnologias para o
que devemos estar preparados; e é necessário discutir criticamente esse
mito progressista que envolve esse novo fenômeno comunicativo.
Devemos nos perguntar se as redes
sociais são um instrumento de socialização ou, pelo contrário, de
isolamento. Já sabemos que 39% dos usuários dessas redes passam mais
tempo socializado por meio desses canais do que com outras pessoas, cara
a cara. As motivações que levam ao uso da rede e seus conteúdos, o
exibicionismo da intimidade, a vaidade e o egocentrismo são prioritários
em redes como Facebook em detrimento do interesse de formar-se cultural
ou intelectualmente. Pensa-se que os formatos dessas redes são um
fenômeno de revolução popular com signo progressista, mas, como na
maioria dos produtos culturais promovidos pelo mercado moderno, o
domínio segue sendo o da frivolidade. Um estudo do Twitter mostrou, em
2012, que o os picos de atividade coincidiram com os gols da Eurocopa,
quando os usuários o usaram para comemorá-los (veja nota 1 abaixo). O
jogador Fernando Torres tinha 318.714 seguidores no Twitter, e o único
tweet que tinha escrito na rede era um em inglês, meio ano antes,
dizendo algo como “ainda não comecei no Twitter, mas esta é a minha
página oficial e já está pronta para quando chegar o momento oportuno”.
De modo que centenas de milhares de pessoas estavam seguindo alguém que
nada dizia.
A importância que se dá às redes sociais
é tal que dizem que alguns meios selecionam seus colaboradores e
colunistas segundo o número de seguidores que têm nas redes sociais. O
professor francês Salim Lamrani demonstrou que a blogueira anticastrista
de fama mundial, Yoani Sánchez, colaboradora em muitos jornais
europeus, tinha engordado seu Twitter com seguidores falsos.
O suposto igualitarismo democratizador
das redes sociais tem tido, não se pode negar, elementos positivos, como
o fim do oligopólio da agenda e seleção das informações dos grandes
meios, mas também tem sua face negativa. Trata-se da ausência de bula
que nos oriente para distinguir o valioso do irrelevante, o rigoroso do
rumor, o verdadeiro do falso, o especialista do amador, a análise genial
do comentário de bar. Que eu possa palpitar sobre política com a mesma
autoridade que Kissinger ou de economia com a mesma contundência que
Friedman pode nos deixar orgulhosos, os críticos do controle da
informação por parte dos poderes, mas não supõe necessariamente
substituir o pensamento dominante do establishment pelo pensamento
alternativo crítico. A torrente da internet nos oferece sem distinção o
estudo rigoroso, o dado valioso, o argumento elaborado, a tese paranoica
sem fundamento, a descoberta falsa, a invenção de um testemunho, o
megalomaníaco mentiroso, o presunçoso vão, a trivialidade. Não quero que
me confundam e, assim, se pense que estou defendendo o elitismo. A
história está repleta de supostos especialistas e doutos que eram na
verdade medíocres, mas, para mudar e melhorar o mundo, é necessário se
orientar em meio à névoa, e a balburdia pode ser tão estéril que também
pode colaborar com a reação e impedir a mudança. Minha proposta não é
renunciar às redes sociais e nem a outras muitas opções que nos abre a
internet, mas sim ter suas limitações às claras e tentar corrigir a
inconsistência de seus conteúdos, além do uso perverso majoritário que a
sociedade está dando da elas.
Um objetivo ideológico
Temos que considerar que se é fato que a
aparição da internet supõe uma liberdade de informação – e
desinformação – sem precedentes e também supõe o fim do oligopólio da
distribuição desta mesma informação, as grandes empresas de mídia seguem
sendo desproporcionadamente poderosas na internet. As grandes empresas
desenvolvem métodos de presença e influência esmagadora sobre o
conteúdo: através de colaboradores pagos em fóruns e webs, mediante
influência em sites de busca, mudanças em planos e tecnologias que
desenvolvem seus projetos na internet. Tampouco esqueçamos que o mais
lido na rede, quando falamos de informações, continuam sendo os grandes
meios tradicionais, inclusive são os mais citados nas redes sociais.
Segundo dados do Instituto Nielsen NetRatings publicados pelo ‘Le Monde’
e citados por Ignacio Romanet, "entre os duzentos sites de informação
online mais visitados dos Estados Unidos, os meios tradicionais
representam 67% do tráfego" e "80% dos links que encontramos em sites de
informação, blogues ou redes sociais norte-americanos remetem a meios
de comunicação tradicionais". Conclui Romanet que "na internet, o
fenômeno da concentração de informação e da escassez do pluralismo,
ainda que de natureza diferente, não é menos importante que a imprensa
tradicional" (nota 2).
Por outro lado, e recordando a Guy
Debord, o formato espetacular da imagem, cor, movimento, interação e
superficialidade da informação atual já é, em si mesmo, ideologia: "O
espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta
plenamente a essência de todo o sistema ideológico: empobrecimento,
servidão e negação da vida real" (nota 3).
São numerosos os elementos de
ideologização que encontramos nos novos formatos e o novo padrão
informativo que se está impondo. Para começar, os métodos de busca já
incorporam uma inclinação reacionária e conservadora. Seus critérios
prezam o majoritário, o popular, o consenso dominante, náo só na hora de
priorizar as temáticas, mas também as teses sobre os temas, os autores,
os portais informativos. Numa biblioteca, encontra-se o livro do
pensador reacionário ao lado de um pensador crítico, entretanto agora o
Google nos oferece os primeiros dez links do autor e o meio dominante,
já o alternativo ou contra-corrente aparece muito depois. Os grandes
veículos podem dispor de técnicos e estratégias informáticas complexas
para alcançar um bom posicionamento nos resultados de busca, em alguns
casos incluem em seus conteúdos determinadas palavras que sabem que são
as mais usadas pelos internautas. Temos assim, uma outra - e nova -
forma de adulteração da informação que é utilizada para triunfar no
Google.
Proprietários
Para nos inteirarmos do ideário dos
principais interessados no novo modelo informativo tecnológico, podemos
fazer uma revisão rápida dos acionistas das principais empresas, ou
seja, quem financia e recebe benefícios desse mesmo modelo.
Em primeiro lugar temos a gigante
Google, que é listada na Nasdaq e é proprietária, entre outras empresas e
serviços, do Youtube e da Motorola Mobility. Entre seus acionistas,
junto aos fundadores Sergey Brin y Larry Page, encontra-se Eric Schmidt,
membro do Clube Bilderberg, que foi presidente e diretor geral da
Google até abril de 2011. Também Ram Shriram, antes administrador da
Netscape e da Amazon. Entre os investidores internacionais, basicamente
se encontram grandes fundos de investimentos de capital de risco como
FMR LLC, The Vanguard Group, Inc., State Street Corporation e outros
mais.
Quanto ao Facebook, sabemos que colheu
cerca de 18 bilhões de dólares com a abertura de seu capital na bolsa,
operação esta gerida pelo banco Morgan Stanley, ao lado de Goldman Sachs
e JP Morgan. Seu fundador, Mark Zuckerberg, possui 18,4% da companhia.
Entre os principais acionistas e dirigentes, se encontra Goldman Sachs,
um banco que, como recordamos bem, esteve envolvido na crise financeira
dos EUA em 2008. Também esteve na origem da crise financeira da Grécia
de 2010-2011, visto que ajudou a esconder o déficit das contas gregas do
governo conservador. Outro acionista do Facebook é Erskine Bowles
(também membro do grupo diretor), que ocupava alto cargo na
administração Clinton e agora, na gestão Obama, é como presidente da
Comissão Nacional de Responsabilidade Fiscal e Reforma. Além disso, é
membro do grupo que administra a General Motors, Morgan Stanley e
Norfolk Southern Corporation. Também temos a Sheryl Sandberg, que
trabalhou para Google e para o Banco Mundial. Foi chefe de gabinete no
Departamento do Tesouro na gestão Clinton. Pertence ao corpo da direção
de empresas como Walt Disney e Starbucks. Além desses, Reed Hastings,
diretor executivo da NetFlix (um provedor de internet estadunidense), e
membro do conselho administrativo da Microsoft, sem contar do Facebook.
A maioria dos acionistas do Twitter vem
de agências de capital de risco como Spark Capital, Union Square
Ventures, Kleiner Perkinsm Benchmark Capital, Institutional Venture
Partners, T. Rowe Price e DST Group. A empresa está obcecada para que
não sejam mais de 500 acionistas para, assim, não ter que citá-los na
bolsa e não trazê-los a público. Sabe-se que entre os acionistas do
Twitter está o príncipe saudita Alwaleed bin Talal, que anunciou em
dezembro de 2011 que tinha comprado uma participação de 300 milhões de
dólares. O Skype foi comprado recentemente pela Microsoft e o Tuenti é
propriedade, em sua maior parte, da Telefónica.
A tudo que listamos podemos adicionar os
interesses empresariais dos consórcios de fabricação de celulares, a
indústria da informática e as operadoras de telefonia e internet. Por
trás das empresas dos novos formatos de comunicação, enfim, estão os
grandes grupos de investimento mundiais junto com alguns
multimilionários da nova economia, então é fácil deduzir a ideologia que
vão promover.
Censura
A propriedade privada das empresas
tecnológicas e seus suportes tecnológicos modernos permitem todo tipo de
censura, que, assombrosamente, é aceito pela sociedade e poderes
públicos. Consideram-se redes sociais como Facebook e suportes como
Youtube exemplos do grande alcance na democratização da informação, sem
perceber que se tratam de empresas privadas que, por meio de uma tecla
lá de seus centros de controle, podem eliminar um conteúdo subversivo e
fazer desaparecer um usuário, com a complacência de uma sociedade que
nunca percebe que estamos ante um ataque à liberdade de expressão. O
Facebook veta imagens que não o agrada e expulsa de suas páginas
coletivos que lhe parece indesejáveis. Em junho de 2012, o Facebook
censurou uma imagem de capa de perfil da revista de humor ‘El Jueves’,
que fazia alusão a Merkel e Rajoy, e comunicou ao administrador que lhe
tiraria o direito, por 30 dias, de poder subir qualquer conteúdo na rede
social (nota 4). Se a revista continuava sendo distribuída com
normalidade nas bancas e, em outro lado, na rede social Facebook não se
permitia e se impedia o usuário de vê-la, estávamos sofrendo, a partir
das mãos das redes sociais, um retrocesso da liberdade de expressão.
As notícias de grupos sociais que tem
suas páginas eliminadas no Facebook são constantes. Em abril de 2011
vários coletivos que protestavam no Reino Unido contra os cortes do
governo denunciaram o fechamento de suas páginas (nota 5). Neste mesmo
mês, alguns ativistas espanhóis do 15M denunciaram que o anúncio de sua
manifestação, com mais de 23 mil participantes confirmados, fora apagado
de várias de suas páginas (nota 6). Youtube elimina vídeos baseado em
qualquer argumento insustentável, como aconteceu com a conta do portal
Cubadebate por um vídeo que denunciava o apoio financeiro que recebia o
terrorista Luis Posada Carriles (nota 7), autor intelectual da explosão
de um avião civil cubano que causou a morte de 73 pessoas. Outros
usuários também denunciaram a desativação de vídeos do Youtube, bem como
suas contas de usuário, argumentando que violavam direitos autorais,
quando na verdade se tratavam de imagens de televisões públicas que as
cedem para uso livre (nota 8).
As denúncias dos afetados nunca têm
grande espectro nem qualquer viabilidade legal, posto que são empresas
privadas que, com seu quase monopólio do serviço e com sua imagem
internacional de comunicação gratuita e livre, aplicam a censura
corriqueiramente. Por sua vez, os internautas cubanos denunciaram que o
Google vetou aos habitantes deste país o uso do serviço Google
Analytics, meio pelo qual os administradores de páginas na web têm
acesso às estatísticas de visitação. No entanto, a empresa pode usar
estes dados para seus cálculos e negócios (nota 9). É ingenuidade pensar
que vão nos ceder suas logísticas, é como se um grupo de Panteras
Negras quisesse se reunir num McDonalds. O modelo de funcionamento das
redes pode ser evidentemente reacionário e conservador. Observemos, por
exemplo, que no Facebook aparece sempre a opção "Curtir", mas não existe
a correspondente "Não curtir". "Se trata de impedir, obviamente, a
crítica a marcas e produtos que podem se tornar futuros anunciantes ou
investidores. Mas também se inscreve completamente nesse ciberotimismo,
por se incitar a produção constante (inteligência coletiva) e depreciar a
crítica, e, sobretudo, a inação, a greve, a renúncia" (nota 10).
Ciberativismo
"O risco da internet é pensar que se
vive a democracia de maneira direta, quando só é se trata de uma
democracia virtual. Internet não é mais que a continuação da utopia de
querer falar diretamente com o mundo todo; o problema é pensar que isso
vai resolver nossos problemas reais" (nota 11).
Nosso ativismo político despenca por um
declive para a virtualidade dos manifestos e empresas na rede, o sexo
alcançou a higiene absoluta e a desinibição total graças ao mundo
virtual, os amigos não mais estão no bar, mas no Facebook, e continuarão
na rede ainda que morram amanhã. As vias são virtuais porque são as
"vias da informação". Mas enquanto tudo isto acontece, as guerras e a
fome nada virtuais, com seus mortos nada virtuais, armamentos e
criminosos que as provoca, menos virtuais ainda, seguem existindo. Do
mesmo modo, nosso salário e nossos serviços sociais estão sendo
reduzidos, enquanto seguimos conectados ao mundo virtual.
A ofensiva tecnológica-virtual parece
projetada para fugirmos da realidade autêntica e nos metermos numa
realidade virtual para assim nos neutralizar. Existem jogos na internet
para crianças – e adultos – que o sistema lhe premia com "créditos" para
comprar objetos virtuais, depois de enviar uma mensagem de texto do
celular com custo real. Isto é, troca-se com toda a inconsequência
dinheiro real por virtual. Do mesmo modo atua grande parte da revolução
tecnológica: rouba-nos a vida real, sobretudo se uma vida potencialmente
crítica e subversiva, e nos dá em troca a vida virtual. Esse é um dos
objetivos da assim chamada "brecha digital", enquanto pobres do mundo
morrem de fome, os que têm de comer são detidos e levados ao mundo
virtual, o mundo feliz de Aldous Huxley onde não terão de se preocupar
com os pobres. Toda esta enxurrada tecnológica tem como resultado
principal o isolamento do indivíduo.
Expor esta tese em Cuba, onde seus
cidadãos sofrem grandes dificuldades para usar a internet, um resultado
do bloqueio dos EUA que impede que a Ilha tenha acesso normal ao
ciberespaço, pode parecer inoportuno, mas eu venho de uma Europa
abduzida pelas redes sociais e acredito ser necessário alertar os
cubanos sobre esta possibilidade.
Notas
[1] “Eurocopa 2012: Twitter celebra los goles de la televisión”. Periodistas 21, 2-7-2012http://periodistas21.blogspot.com.es/2012/07/eurocopa-twitter-celebra-los-goles-de.html
[2] Ramonet, Ignacio. La explosión del periodismo. Clave Intelectual, Madrid, 2011.
[3] Debord, Guy. La sociedad del espectáculo. Pre-Textos, Valencia, 2010
[4] El Jueves, 14-6-2012 http://www.eljueves.es/2012/06/14/facebook_veta_nuestra_portada_merkel_rajoy_plan_sadomaso.html#
[5] The Guardian, 24-4-2012 http://www.guardian.co.uk/technology/2011/apr/29/facebook-accused-removing-activists-pages
[6] Barrapunto.com, 12-4-2011 http://barrapunto.com/~manje/journal/35852
[7] Cubadebate.cu, 13-1-2011 http://www.cubadebate.cu/noticias/2011/01/13/censura-de-youtube-a-cubadebate-desato-movimiento-solidario/
[8] lubrio.blogspot.com.es , 13-6-2012 http://lubrio.blogspot.com.es/2012/06/rcn-y-venevision-usan-youtube-para.html
[9] La pupila insomne. 19-6-2012 http://lapupilainsomne.wordpress.com/2012/06/19/google-roba-datos-de-sitios-cubanos/
[10] Baños Boncompain, Antonio, Posteconomía. Hacia un capitalismo feudal, Barcelona, Los libros del lince, 2012
[11] Citado por Rivière, Margarita. La fama. Iconos de la religión mediática. Crítica, Barcelona, 2009.
*A segunda parte deste texto será divulgada em breve
Tradução: Caio Sarack
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