Contribuição do camarada Pablo Cartaxo, militante do PCB na Paraíba ao evento “PRISÕES, TORTURAS E QUEDAS DO PCB NA PARAÍBA” da Comissão da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba no dia 22.11.13
Gostaria de agradecer à Comissão da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba pelo convite enviado ao Partido Comunista Brasileiro para estar presente neste espaço. Saúdo a todos os presentes em nome de David Capistrano, José Montenegro de Lima, Célio Guedes e tantos outros camaradas que pertenceram à organização que hoje milito e que aqui poderiam estar em meu lugar, caso não tivessem sido covardemente torturados, assassinados e “desaparecidos” pela ditadura empresarial-militar que foi imposta ao nosso país, de 1964 a 1985. Saúdo, em especial, aos companheiros Antonio Augusto Almeida, José Fernandes Neto e Ovídio Raimundo dos Santos que, nesta manhã, estão conosco para compartilhar suas memórias.
De início gostaria de construir um entendimento comum em relação ao que comumente chamamos de ditadura militar. Tal termo nos leva ao falso entendimento de que as forças armadas, isoladamente e por conta própria, decidiram tomar o Estado brasileiro no fatídico dia primeiro de abril de 1964. É mais do que necessário deixar claro, e há uma vasta literatura que comprova que o que houve em 64 foi uma ofensiva organizada pela burguesia brasileira vinculada ao imperialismo, utilizando-se das Forças Armadas, para derrubar os possíveis avanços para a classe trabalhadora que poderiam ocorrer a partir das mobilizações populares que pressionavam o governo João Goulart pelas reformas de base. Avanços, que até hoje, a classe trabalhadora não viu acontecer, como a reforma agrária e a melhoria dos direitos e ganhos trabalhistas. Muito pelo contrário, nestas ultimas décadas temos sentido na pele incontáveis ofensivas contra nossos direitos mais básicos, como saúde, educação, terra, enfim, o direito a uma vida digna.
Na época lutávamos não somente contra a ditadura empresarial-militar, mas para que fosse possível um mundo sem explorados ou exploradores, no qual o desenvolvimento da humanidade em todos os seus aspectos, e não o lucro e enriquecimento de poucos, regesse nossas vidas. Penso ser importante a nossa presença aqui nesse espaço para deixar claro que continuamos subjugados sob o braço de ferro daqueles que nos exploram. Vivemos num país onde 130 pessoas detêm quase 15% da riqueza do país, enquanto mais da metade da população luta para viver com míseros R$130,00 por mês (IBGE). Num mundo onde 0,7% da população mundial detêm 41% da riqueza mundial enquanto 50% detêm apenas 1% dessa riqueza por nós mesmos produzida (Creditt Suisse). Sim, sobrevivemos à batalha da ditadura, mas a guerra ainda está ocorrendo e de forma cada vez mais feroz.
Em um mundo onde se tenta mascarar o conflito existente entre o capital e o trabalho, que se deixe claro pelo que lutavam os que tombaram e, pelo que lutam os que aqui continuam de pé. Em uma sociedade que, de forma oportunista, a oligarquia prega o individualismo e a não organização dos trabalhadores, que fique claro que a ditadura foi orquestrada exatamente para quebrar essa organização devido aos riscos que ela representa à burguesia que, às nossas custas, de nosso suor e de nosso sangue, sobrevive até hoje. Por tudo isso, destacamos a importância de continuarmos nos organizando e por que, após tantos ataques, o PCB ainda está de pé.
Sobre a Comissão Nacional da Verdade, entendemos, enquanto partido, que ela é importante, mas está muito aquém do que deveria ser. Lembremos que foi criada somente após a pressão popular embasada nas orientações do Comitê de Direitos Humanos da ONU em 2005 e pela posterior condenação por parte da Corte interamericana de direitos humanos da OEA, que exigia não somente uma comissão que realizasse o esclarecimento dos fatos e a reparação das vítimas, mas também a punição dos responsáveis pela repressão. Criou-se, ao invés disso, uma comissão que tem por responsabilidade apenas apurar os fatos, de forma sigilosa quando conveniente (como se já não fosse suficiente toda a história escondida e falseada por parte dos repressores, que existe sobre essa época) e sem sequer cogitar a punição dos responsáveis, não confrontando a Lei de auto-anistia que já foi declarada nula pela mesma Corte Interamericana em 2010 ao julgar os casos dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia. Nem sequer apontam para a punição daqueles que torturaram, estupraram e mataram nesse país por 21 anos. Por isso lutamos: por uma Comissão da Verdade, Memória e Justiça transparente e efetivamente pública; pela abertura ampla, geral e irrestrita de todos os arquivos da ditadura e pela imediata implementação da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Gostaria ainda de ler um trecho de um texto do camarada Mauro Iasi, militante do PCB, sobre essa questão:
“Um lado sequestrou, levou para porões e aparatos oficiais, arrancou unhas, deu choques elétricos nos testículos, estuprou as mulheres na frente de seus companheiros e filhos, quebrou ossos, nos jogou nus em celas imundas cobertas de fezes, destruiu cientificamente nossos corpos e mentes, nos assassinou e escondeu nossos corpos para garantir o sagrado direito de propriedade e a continuidade da acumulação de capitais. Esta cicatriz ainda dói nos corpos dos desaparecidos, nas mentes destruídas aprisionadas nos corpos condenados a continuar vivendo, nas nossas filhas e filhos que cresceram sem seus pais e mães, nas mães e pais obrigados a viver sem seus filhos e não ter um túmulo onde chorar.
Nós sabíamos porque lutávamos. Seus assalariados do terror sabiam porque nos matavam? Eles repetiam para si mesmos que era para defender a pátria quando chutavam nossos rostos com seus coturnos? Eles repetiam que era para defender a família quando nos estupravam? Eles repetiam que era para defender a democracia quando nos arrastavam à noite de olhos vendados, sem mandado, sem processo e sem defesa, para ser assassinado em um matagal ou aparato clandestino do exército?
Não, não acho que seja possível reconciliação. Gosto de vê-los assustados quando nossos meninos e meninas os perseguem pelas ruas e fazem com que militares envergonhados tenham que entrar pela porta do fundo de seus clubes sob vaias e ovos podres. Gosto de ver a história os colocando no papel que lhes cabe: de algozes e assassinos. Não se trata de um problema jurídico. A borracha da anistia não apaga minhas cicatrizes e a memória da humanidade. Nós sobrevivemos a nossa derrota, vocês jamais escaparão do sangue que encharca sua vitória.
Com Pablo Neruda gritamos, intransigentes e irreconciliáveis:
Nossos Inimigos (Canto Geral)
Aqui eles trouxeram os fuzis repletos
de pólvora, eles comandaram o acerbo extermínio,
eles aqui encontraram um povo que cantava,
um povo por dever e por amor reunido,
e a delgada menina caiu com a sua bandeira,
e o jovem sorridente girou a seu lado ferido,
e o estupor do povo viu os mortos tombarem
com fúria e dor.
Então, no lugar
onde tombaram os assassinados,
baixaram as bandeiras para se empaparem do sangue
para se erguerem de novo diante dos assassinos.
Por estes mortos, nossos mortos,
peço castigo.
Para os que salpicaram a pátria de sangue,
peço castigo.
Para o verdugo que ordenou esta morte,
peço castigo.
Para o traidor que ascendeu sobre o crime,
peço castigo.
Para o que deu a ordem de agonia,
peço castigo.
Para os que defenderam este crime,
peço castigo.
Não quero que me deem a mão
empapada de nosso sangue.
Peço castigo.
Não vos quero como embaixadores,
tampouco em casa tranquilos,
quero ver-vos aqui julgados,
nesta praça, neste lugar.
Quero castigo.”
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