Oscar Niemeyer, um arquiteto comunista
PCB | |
Frank Svensson
Neste depoimento de Frank Svensson,
também arquiteto e integrante do Comitê central do PCB, quando do
aniversário de 100 anos de Oscar Niemeyer, conhecemos um pouco mais da
trajetória deste ícone brasileiro.
Nasci em Belo Horizonte, em 1934.
Dezesseis anos após tinha minha carteira de trabalho. De dia trabalhava
como apontador de obra numa pequena empresa de construção civil. À noite
cursava o científico, preparando-me para ingressar nalgum curso
superior. Natural ser-me-ia escolher engenharia civil. Na minha família
não havia ninguém com formação superior, e eu temia as disciplinas das
“ciências exatas”. Como havia ouvido que cursar arquitetura era menos
difícil, concorri em 1957 ao exame vestibular na Escola de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Minas Gerais. Fui reprovado em desenho
artístico, o que me fez matricular-me numa Escola de Belas Artes. No ano
seguinte fui admitido em arquitetura.
Antes eu havia acompanhado a construção
dos edifícios do conjunto da Pampulha. Surpreendiam-me as formas curvas
das obras de Niemeyer. Contrastavam com a retilineidade das obras da
empresa em que eu trabalhava. Soube que ele, no início de sua carreira,
trabalhara com Lúcio Costa. Sabia também que Bela Bartok fazia
levantamentos de música popular húngara para depois reinterpretá-las em
composições modernas. – Não seria o mesmo caso de Niemeyer?
Hoje percebo tratar-se de algo muito
mais significativo. A geometria euclidiana surge do movimento das
ferramentas: a linha reta do ato de serrar, o círculo do ato de tornear
etc. Aproxima-se da matemática permitindo o cálculo das formas. Sou do
tempo das máquinas de calcular. Permitiam-nos até três incógnitas, no
máximo quatro. Que trabalheira... Com a ajuda do sábio Joaquim Cardoso,
Niemeyer movia uma luta intensa para aproximar o conhecimento das formas
à assimetria encontrada na natureza. É de se reconhecer o avanço que a
geometria euclidiana teve para o domínio da natureza. Niemeyer, no
entanto, procurava uma geometria mais avançada que a euclidiana,
permitindo uma melhor integração entre a sensibilidade do arquiteto, no
construído pelo homem, e a natureza. Com o surgimento da informática é
que ocorreria um salto maior em relação a tal aproximação.
No fim de 1958 aceitei ser responsável
por uma das secretarias do Centro Acadêmico e no ano seguinte ingressei
no PCB. Sabíamos que Niemeyer vez por outra pernoitava em Belo
Horizonte, a caminho de Brasília. Eu e mais três alunos (todos
comunistas) decidimos procurá-lo no hotel em que se hospedava.
Sugeriu-nos passar as próximas férias de fim de ano estagiando no
escritório que dirigia em Brasília. Claro que aceitamos e passamos a nos
preparar para isso. Uma vez em Brasília fomos encaminhados ao arquiteto
Gladson da Rocha, que voltara do México e participava da equipe de
Niemeyer. Pela manhã examinávamos os desenhos de alguma edificação no
Plano Piloto. Almoçávamos no Palace Hotel e à tarde íamos ao canteiro de
obras relacionar a obra com os desenhos vistos pela manhã. Disso
resultaria um relatório para posterior consideração por Gladson da
Rocha. Percorremos assim praticamente tudo o que estava sendo construído
a partir de projetos feitos pela equipe.
Soubemos que o projeto do Teatro
Nacional havia sido concebido em cinco dias. Que cada uma das “pétalas”
que configuram a catedral tem uma fôrma de madeira perdida em seu
interior. Que para a catedral havia sido feito um projeto anterior mais
adequado à liturgia católica. Era o papado de João XXIII, propondo
grandes mudanças na Igreja. Decidiu-se por um projeto ecumênico,
permitindo distintos tipos de culto. Daí a forma atual. Para calcular a
forma das fôrmas de concreto armado recorreu-se a um padre alemão,
professor de geometria descritiva. Aprendemos muito!
Como militante de um partido com um
enfoque materialista dialético histórico somos levados a sempre
relacionar o específico com o geral, a parte com o todo, o lógico com o
histórico, o regional com o nacional e o nacional com o internacional.
Relacionar as obras específicas de um profissional como Oscar Niemeyer
com categorias abrangentes como cultura brasileira, democracia, riqueza,
liberdade, espírito de partido etc. Era natural que em face de seu
engajamento político-partidário nos perguntássemos que relação isso
poderia ter com sua produção arquitetônica.
A escola que eu cursara não me dera
clareza quanto a isso. Meus estágios em Brasília limitaram-se à
curiosidade quanto aos edifícios em si, bem como à cidade quase como uma
maquete. Foi meu trabalho na SUDENE, em equipes interdisciplinares
formadas para a solução de problemas concretos, que me forçaram a
esclarecer o que seria específico da arquitetura. O que é que faria com
que fosse arquitetura, não outra coisa? Na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco conheci o Professor
Evaldo Coutinho. Seus livros evidenciaram a importância da vivência da
realidade, de como de expectadores e usuários sermos transformados em
valor arquitetônico, em componentes espaciais. Isto era muito mais do
que uma apreciação e um conhecimento positivista dos lugares da vida.
Sem sabê-lo, Evaldo Coutinho fez-me ainda mais marxista, enquanto a
SUDENE convenceu-me da existência de uma consciência coletiva que
incorpora as motivações de relações sociais e de produção.
A partir de 1968, com o esvaziamento da
SUDENE, fui convidado a trazer sua experiência para a Universidade de
Brasília, o que resultou num processo de conscientização de alunos
quanto à realidade da região centro-oeste. Tornei-me incômodo ao regime
militar e fui enquadrado na lei de exceção 477, do ato AI5, proibindo-me
de lecionar e ser funcionário público em todo o território nacional.
Tive de deixar o país.
Em 1975 recebi convite para integrar a
equipe de Oscar Niemeyer em Argel. Minha convivência pessoal com obras
de Niemeyer limitou-se a um período de trabalho na Argélia e a conhecer
in loco suas obras em Paris e Milão. Cheguei à Argélia vindo da França,
onde obtivera trabalho como professor convidado das escolas de
arquitetura em Estrasburgo e Nancy. Passando pela Itália procurei meu
amigo Glauco Campelo, em Milão, e tive oportunidade de conhecer a
construção da nova sede da empresa editorial Mondadori.
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