Brasil de Fato
espaço sindical
Marcos Pedlowski do Rio de Janeiro (RJ)
espaço sindical
Marcos Pedlowski do Rio de Janeiro (RJ)
A INSTALAÇÃO do Complexo Industrial- Portuário do Açu vem sendo alardeada
como uma oportunidade única para alavancar o desenvolvimento econômico
do município de São João da Barra(RJ) e, por extensão, de todo o norte fluminense.
Quando visto na maquete que é mostrada aos que visitam o canteiro de obras
na localidade de Barra do Açu, a magnitude do empreendimento impressiona,
pois além de um porto, existem projetos para a instalação de um estaleiro, duas
siderúrgicas, duas termelétricas, uma fábrica de automóveis e vários outros projetos
menores. As estimativas de empregos diretos e indiretos ficam na ordem de 100
mil postos de trabalho. O financiamento destas obras é um exemplo perfeito
das chamadas parcerias público-privadas (PPPs), já que apesar de ser um empreendimento
privado do Grupo EBX, do bilionário Eike Batista, o Complexo
do Açu foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em função
disso, apenas para a construção de um estaleiro pela OSX foi anunciado um
generoso empréstimo do BNDES na ordem de R$ 2,7 bilhões.
Outra faceta da parceira público-privada na construção deste complexo é a participação
direta do governo do Estado do Rio de Janeiro no fornecimento de terras
para a instalação do chamado Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB)
que possui a chancela da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de
Janeiro (Codin). Em troca da localização do empreendimento no norte fl uminense,
o governo do Rio de Janeiro emitiu seis decretos de desapropriação de terras
cobrindo em torno de 7.200 hectares em nome do interesse público. Além disso, o
governo fl uminense conseguiu a descentralização do processo de licenciamento
ambiental, que passou do Ibama para o Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
A alegação para esta mudança de jurisdição na emissão das licenças ambientais
foi a da necessidade de se diminuir a burocracia e, com isto, ganhar celeridade
no processo. Um aspecto ignorado nas diferentes
esferas decisórias é que o chamado V Distrito de São João da Barra não era desabitado
e, tampouco, suas terras eram improdutivas. Pelo contrário, a área escolhida
para a instalação do DISJB abrigava em torno de 1000l famílias de agricultores
e pescadores artesanais há varias gerações. Mas esse aparente desconhecimento
da realidade não se deu por falta de informações, visto que dados socioeconômicos
fornecidos em diferentes momentos pelo IBGE mostravam a presença
dessas famílias, bem como a renda que eles obtinham a partir de uma
agricultura bastante adaptada à realidade ecológica existente. Dados estatísticos
apontam ainda que os agricultores do V Distrito respondiam por uma parte
significativa da produção estadual de várias culturas, tais como abacaxi, quiabo
e maxixe. Os moradores do V Distrito reagiram inicialmente com incredulidade à possibilidade
de que perderiam suas pequenas propriedades, visto que a maioria possuía os títulos de propriedade, enquanto
outros possuíam direitos hereditários claramente demarcados. Assim,
a reação ao processo de desapropriação começou apenas em 2010 quando
os primeiros proprietários começaram a ser expulsos de suas propriedades de
forma truculenta em operações realizadas por forte contingente repressivo que
misturava policiais militares, ofi ciais de justiça e seguranças privados contratados
pelo Grupo EBX. Para piorar toda esta situação, poucas famílias foram indenizadas
no processo de desapropriação, o que gerou uma série de problemas
de ordem fi nanceira para as famílias afetadas. Há que se salientar que os
procedimentos adotados pela Codin no processo de desapropriação afrontam
diretamente tanto a Constituição Federal como a Estadual, num claro desrespeito
aos direitos das famílias que foram desapropriadas.
Para responder a esta situação, os agricultores criaram a Associação dos Produtores
Rurais e Imóveis de São João da Barra (Asprim) que começou, desde então,
a liderar a resistência às tentativas de remoção forçada das famílias. A este processo se juntaram militantes de movimentos sociais como o MST e o MPA, sindicalistas e também professores e estudantes
do Instituto Federal Fluminense (IFF), da Universidade Federal Fluminense
(UFF) e da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Este
processo de agregação de forças tornou possível a realização de diversos eventos
políticos, incluindo seminários e marchas de protesto. Além disso, houve ainda
a produção de vídeos que foram disseminados em redes sociais e em blogs.
Esta combinação de esforços e uso de ferramentas virtuais vem retardando a expulsão das famílias e ampliou o processo de resistência.
Para piorar ainda mais as coisas, recentemente foi identifi cado um processo
de salinização de corpos aquáticos e das terras do V Distrito. A investigação desse
fato começou a partir de denúncias feitas por agricultores que vivem nas propriedades
que ainda não foram desapropriadas. A salinização foi comprovada
por pesquisas científi cas realizadas por pesquisadores ligados ao Laboratório de
Ciências Ambientais da Uenf. Esta descoberta levou a que o Ministério Público
Estadual do Rio de Janeiro desse início a um processo de verifi cação das licenças
ambientais concedidas pelo Inea para a construção das duas siderúrgicas.
Este processo pode se estender à provável causa da salinização que é a construção
do estaleiro da OSX. O que precisa ser ressaltado é a própria
crise do projeto, inicialmente idealizado por Eike Batista, e que justifi cou
a desapropriação realizada pelo governo do Rio de Janeiro. É que apenas nos últimos
meses três grandes parceiros anunciados desistiram de se instalar no Complexo
do Açu: a chinesa Wuhan Steel e a ranco-argentina Ternium, que construiriam
as duas siderúrgicas; e a empresa automobilística japonesa Nissan que levantaria
uma planta de automóveis. Com sto deixarão de ser gerados em torno de
47 mil postos entre empregos diretos e indiretos.
Para tornar a situação ainda mais escandalosa, gora o bilionário Eike Batista
anda alardeando uma mudança de estratégia dentro da qual as terras desapropriadas
serão alugadas para empresas interessadas em fornecer equipamentos
para a exploração do petróleo existente na camada Pré-Sal com um ganho anual
de cerca de R$ 100 milhões para o Grupo EBX.
Finalmente, ainda que não se desconheça a necessidade de ampliar a capacidade
logística e industrial do Brasil, os fatos que foram aqui narrados são inaceitáveis
dentro de um Estado que se proclama democrático. Não há qualquer justifi -
cativa para o tipo de tratamento que está sendo dado a centenas de famílias pobres
cujos meios de produção estão sendo retirados à força pelo Estado. O mais gritante
é que isto está ocorrendo na segunda economia da federação e num estado
que importa a maioria dos alimentos que sua população consome. É urgente que
haja uma mobilização para defender os direitos destas famílias que passam, inclusive, pela exigência de revisão dos decretos de desapropriação.
Marcos A. Pedlowski é Professor Associadodo Laboratório de Estudos do Espaço
Antrópico da Uenf, PhD em Planejamento
Regional pela Virginia Polytechnic Institute
and State University.
EIKE BATISTA
Agricultores e pescadoressão os grandes perdedores na construção do
Complexo Industrial- Portuário do Açu no norte fluminense
Os deserdados do desenvolvimento econômico
Em troca da localização do empreendimento
no norte fluminense, o governo do Rio de Janeiro emitiu seis decretos de
desapropriação de terras Para piorar toda esta situação, poucas famílias foram indenizadas
no processo de desapropriação Manifestação contra a construção do Complexo Industrial-Portuário do Açu no norte fl uminense Terras desapropriadas abrigavam cerca de mil famílias de agricultores e pescadores
Nenhum comentário:
Postar um comentário