Eduardo Serra, Ricardo Costa, Rodrigo Castelo
Ainda pouco conhecido no Brasil, Ruy Mauro Marini foi um dos maiores críticos do nacional-desenvolvimentismo. O resgate da sua obra e militância é uma necessidade teórico-política para os comunistas brasileiros, hoje envoltos na luta contra uma nova etapa do capitalismo dependente, que alguns analistas chamam de neodesenvolvimentismo.
Nascido em 1932 em Barbacena, Minas Gerais, transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1950, tendo estudado no curso de Direito na UFRJ, não concluído, e depois na Escola Brasileira de Administração Pública, ligada à Fundação Getúlio Vargas, onde teve contato com as ideias desenvolvimentistas da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, ligada à ONU). Em 1958, obteve bolsa de estudos para cursar o Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris.
No contexto mundial das lutas de libertação nas Américas, Ásia e África, as teorias do desenvolvimento, em voga nos centros imperialistas, começaram a se revelar a Marini como forma de mistificar a exploração capitalista e como instrumento de domesticação dos povos do Terceiro Mundo, que se levantavam contra o imperialismo. Com isso, Marini, influenciado pelas ideias marxistas, afastava-se das perspectivas apontadas pela CEPAL, segundo a qual seria possível aos países da América Latina avançarem no rumo de um capitalismo nacional autônomo, com vistas à superação do “atraso” econômico decorrente das trocas comerciais desiguais entre os países da periferia e do centro (mercadorias primárias por industriais).
A Teoria da Dependência
As ideias desenvolvimentistas ganharam força no Brasil na década de 1950. Impulsionadas pelas crescentes urbanização e industrialização, ganharam fôlego com a política adotada pelo governo JK sintetizada no Plano de Metas, pela qual se dava vazão a implantação da indústria de bens de consumo duráveis, além da expansão da infraestrutura. Mas a opção de JK pela ampla abertura ao capital estrangeiro colocou por terra a defesa do “capitalismo nacional autônomo”, projeto que, segundo os desenvolvimentistas, convergiria os interesses da burguesia e da classe trabalhadora por meio do aumento do emprego e da distribuição da renda. A burguesia brasileira se tornou, de fato, sócia minoritária do capital internacional e abandonou, de vez, qualquer projeto de uma revolução nacional-democrática.
Tal avaliação, divergente das teses então dominantes no interior da esquerda brasileira, foi difundida pelo coletivo de que Marini fez parte. Ainda na França, ele entrou em contato com o grupo que editava, no Brasil, a revista Movimento Socialista, da juventude do Partido Socialista Brasileiro, que, mais tarde, formaria a Organização Revolucionária Marxista - Política Operária (POLOP). Esta corrente, com bases no Rio, São Paulo e Belo Horizonte, seria a expressão de uma esquerda revolucionária que discordava das teses nacional-democráticas defendidas então pelo PCB e proporia, de forma isolada nos anos 1960, a bandeira estratégica da Revolução Socialista no Brasil, sem a etapa democrático-burguesa.
Em 1962, Marini foi convidado para dar aulas na recém-fundada UnB, onde conviveu com André Gunder Frank, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra. Ali nasceu a chamada Teoria da Dependência, fazendo frente às teses dualistas (atraso x desenvolvimento) presentes tanto nas análises dos partidos comunistas quanto da CEPAL a respeito da realidade latino-americana. A nova teoria rejeitava categoricamente a ideia do desenvolvimento capitalista para superar o atraso econômico dos países periféricos, afirmando, pelo contrário, que a independência da América Latina frente ao imperialismo somente ocorreria com a supressão das relações de produção capitalistas, não com a sua expansão. Esta, no fundo, representaria o desenvolvimento do subdesenvolvimento.
O Brasil e o subimperilaismo
Com o golpe de 1964, Marini foi para o México e para o Chile, retornando ao México após a derrubada do governo socialista de Allende. Neste período, produziu textos fundamentais para a compreensão de suas teses, como Subdesenvolvimento e Revolução (1969) e Dialética da Dependência (1973), onde aparece a categoria de superexploração do trabalho, que parte da ideia segundo a qual as perdas de mais-valia sofridas pelas burguesias latino-americanas em virtude do intercâmbio desigual levam-nas a “agudizar os métodos de extração do trabalho excedente”, pela combinação de baixos salários com a intensificação do trabalho, muitas vezes obtida com a extensão das jornadas.
Foi também neste período que Marini começou a dar corpo à outra categoria fundamental de sua análise sobre o capitalismo dependente: o subimperialismo. Com esta categoria Marini tratava de compreender a entrada do capitalismo dependente na fase monopolista, o que se deu em especial após a 2ª Guerra Mundial. Isso acarretava uma mudança na divisão internacional do trabalho, com a emergência de centros intermediários de acumulação. Entre estes, se destacava o Brasil, que passou a adotar em certos períodos uma política de “cooperação antagônica” frente ao imperialismo. Daí que sua análise já apontasse para a crítica do subimperialismo brasileiro na América Latina e na África, na medida em que as burguesias locais, associadas diretamente ao capital internacional, buscavam ampliar a acumulação com a expansão, para o exterior, das empresas baseadas no Brasil.
As formulações de Marini foram criticadas por autores como José Serra e F. H. Cardoso, que o acusavam de “combater moinhos de vento e remar contra a corrente”, dado que, na opinião destes, o capitalismo se desenvolvia pela introdução de tecnologias somente disponíveis nos países centrais. Também defendiam a entrada de capital estrangeiro como forma de superar a crise do início dos anos 1960, identificada por eles como uma crise do capitalismo nacional. Por outro lado, Ruy Mauro e outros autores marxistas viam a crise no Brasil e na América Latina como uma crise de acumulação capitalista, reforçada pela vinculação ao capital estrangeiro, materializada na presença das empresas transnacionais. Estas buscavam um sobre-lucro nos países periféricos, que, gerado pela superexploração do trabalho, só fazia agravar as desigualdades sociais.
Na década de 1990, escrevendo sobre a nova fase do capitalismo, que muitos denominavam apologeticamente de “globalização”, Marini identificava a configuração de uma nova divisão internacional do trabalho, com a constituição de um exército industrial de reserva “globalizado” e a tendência à generalização para o todo o sistema daquele traço que era próprio (embora não exclusivo) da economia dependente: a superexploração do trabalho.
Após o furor neoliberal da Era FHC, os rumos trilhados pela economia brasileira, durante os governos Lula e Dilma (que se assumem “neodesenvolvimentistas”), não se afastaram, no essencial, do modelo da dependência e subordinação ao imperialismo, garantindo ainda a plena expansão para o exterior das empresas sediadas no Brasil. Nesse sentido, é extremamente atual a contribuição de Ruy Mauro Marini para o entendimento e a reflexão sobre o quadro atual, assim como ganha relevo o projeto da Revolução Socialista como única alternativa real à dependência dos países e povos ao imperialismo.
Eduardo Serra é professor da UFRJ e do Comitê Central do PCB; Ricardo Costa é professor da Faculdade Santa Dorotéia e do Comitê Central do PCB; Rodrigo Castelo é professor da UNIRIO e militante do PCB
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