Dario da Silva*
A violência é resultado dos problemas sociais. É produto da falta de garantia dos direitos sociais básicos: como alimentação, saúde, moradia, saneamento, emprego e educação.
Para sustentar a afirmação é suficiente apresentar a relação entre os índices de atendimento dos direitos básicos citados acima e os índices de violência. Mas é pertinente apresentar também o outro lado da moeda, ou seja, como se dá o processo do pondo da formação do comportamento, como se dá a internalização nos indivídios do campo simbólico correspondente à realidade social vivida, ou, em outras palavras, a socialização simbólico-ideológica dos indivíduos.
Dentre os casos de melhoria das condição sociais encontramos tanto as experiências sociaistas, que são os casos mais emblemático, quando concessões feitas dentro do capitlaismo, como o Welfare State (Estado de Bem-Estar Social). Não por acaso, estas realidades apresentam os menores índices de violência. Mesmo depois do fim da URSS com o período especial e suas privações em virtude do bloqueio econômico estadunidense, Cuba mantém um baixíssimo nível de violência. Em síntese, quando são generalizadas condições adequadas de vida, a necessidade de garantir a sobrevivência através da violência diminui drasticamente.
Se abordarmos a questão pelo ponto de partida da internalização simbólica da realidade pelos indivíduos, veremos que as duas análise se completam e se reforçam. Vigotsky e Bakhtin desenvolveram uma formulação consistente nesta área, com base em experimentos e apropriação crítica do acúmulo teórico até então desenvolvido.
Operações com signos aparecem como o resultado de um processo prolongado e complexo, sujeito a todas as leis básicas do desenvolvimento psicológico. Significa que a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos. Surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se de uma operação desse tipo somente após um série de transformação qualitativas, de acordo com Vigotsky (2008).
A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana, conforme Vigotsky (2007).
Os experimentos de Vigotsky mostram que as pessoas não nascem prontas, elas se formam interativamente em sociedade.
Pensamento e linguagem possuem origens diferentes, o pensamento independe da linguagem e é anterior à ela, mas com a internalização da liguagem, fundem-se pensamento e liguagem resultando no salto qualitativo chamado de pensamento verbal. O pensamento verbal é que possibilita o controle do indivíduo sobre seu comportamto em sociedade e é ao mesmo tempo um processo essencialmente social, é a apropriação da sociedade pelos indivíduos, segundo Vigotsky (2008).
Para Bakhtin (1981), cada campo da criação ideológica é dado pela função social que cumpre, porém o que os unifica é seu caráter simbólico. Além disso, cada parte do campo simbólico é simultaneamente parte, fragmento da realidade, o que torna passível de estudo metodologicamente unitário.
A consciência individual deve ser explicada a partir do meio ideológico e social. A consciência, privada de seu conteúdo semiótico e ideológico, é um simples ato fisiológico, desprovido de sentido, conforme Bakhtin (1981).
A relação entre ideologia e psicologia é colocada nos seguintes temos por Bakhtin (1981): o estudo da ideologias não depende da psicologia, porém o estudo da psicologia precisa se apoiar no estudo das ideologias.
Para Bakhtin (1981), a existência do signo materializa a comunicação social e esta é a natureza dos fenômenos ideológicos. A linguagem explicita esta caracterização, pois a palavra não comporta nada além de sua função social, além de uma relação social. O estudo da consciência individual não é possível isolado do tecido social.
A psicologia do corpo social é o elo de ligação entre a ideologia e a estrutura sócio-política, segundo Bakhtin (1981).
Todo signo é resultado do processo social interativo dos indivíduos que produz um consenso provisório e as formas do signo são condicionadas tanto pelo conteúdo social quanto pela forma como a interação acontece. Como o processo é interativo, o signo influencia o conteúdo e a forma social, porém se tais formas de interação mudam e conteúdos sociais mudam, o signo se torna inadequado e tende a dar lugar à nova significação. Portanto, para Bakhtin (1981), não se pode: i) separar ideologia e realidade material do signo; ii) dissociar o signo da formas de comunicação social; iii) desligar a comunicação da formas da sua base material.
Toda consciência individual é ideológica, para Bakhtin (1981), com o processo de interiorização ela absorve o signo como sendo seu, mesmo assim a fonte não se encontra na consciência individual.
O signo reflete a realidade e a realidade se refrata no signo, ou seja, não se trata de uma relação exata, a determinação do grau de refração (distorção) é da realidade no signo é produto da interação social, nas sociedade de classe, a luta de classes. Como a comunidade semiótica não pode se resumir à classe, diferentes classes utilizam um mesma língua, portanto o signo implica certo consenso e certa contradição ao mesmo tempo, pois expressa uma realidade contraditória. O signo não escapa à luta de classe e é uma arena de disputa, conforme Bakhtin (1981). A classe dominante tende a apresentar o signo ideológico como acima do interesses de classe a fim de ocultar tais os interesses, buscando o consenso em torno de seus interesses, esterilizando o campo simbólico a fim de torná-lo monovalente. A realidade oculta no signo só se revela em tempos de crise social e situação revolucionária.
Não se pode confundir o psicológico com o individual e o social com o ideológico, pois o processo de pensamento individual é por sua vez sócio-ideológico e portanto o psiquismo individual é igualmente social, tanto quanto a ideologia. O social está contraposto não ao indivíduo, mas sim ao natural, segundo Bakhtin (1981). A ideologia por sua vez carrega a marca da individualidade criadora, mesmo assim esta marca é tão social quanto os signos distintos das diversas manifestações ideológicas, ou seja, a individualidade é social.
Em resumo, não se pode avaliar o comportamento violento fora do contexto social no qual ele é produzido. O comportamento violento é resultado de condições sociais, mediado pelo compo simbólico (ideológico).
A repressão não apenas é inaceitável como inútil à solução da violência urbana, por não atacar a raiz do problema e sim a sua manifestção! A solução para a violência é a garantia universal de direitos básicos que tornam desnecessário o comportamento violento.
Em contextos dinâmicos, tanto no caso de realidades sociais onde se passa de um estado de direitos generalizados para situação de perda, quanto na caso inverso, comportamentos cristalizados podem oferecer resistência, exigindo mediações. Mesmo considerando tais cristalizações, em casos como o Brasil, a repressão além de inaceitável e inútil, é também promotora da violência e acaba por agravar o problema a ponto da própria ONU solicitar a extinsão do aparato repressivo Polícia Militar.
*Dario da Silva é economista pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, mestrando em Patrimônio Cultural pela mesma universidade e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro – PCB.
Referências:
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Editora Hucitec, 2a edição. São Paulo, 1981.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. Org. Michael Cole, Vera John-Steiner, Sylvia Scribner e Ellen Souberman. Martins Fontes, 7a ed., 2007.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. Martins Fontes, 4a ed., São Paulo, 2008.
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