Texto enviado pelo leitor Matheus Rodrigues, do DDH.
“Deve ser ele, deve ser ele!”; “Tá parecendo ele, hein?”; “É isso aí. Parece mesmo”. Foi assim que os agentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro “identificaram”, à noite e a partir de um helicóptero a dezenas de metros do solo, o traficante Márcio José Sabino Pereira, conhecido como Matemático. O piloto do helicóptero declarou: “apesar de a imagem ser feita a uma distância muito longa e à noite, pelo biotipo a gente tinha certeza de que era o Matemático”. Fica a primeira pergunta: à noite e a dezenas de metros de distância, qual o biotipo observado pelos policiais para “identificar” o suspeito? Teria havido alguma característica determinante para além do fato de ser um homem caminhando nas ruas de uma favela?
A operação que culminou na morte de Matemático ocorreu na favela da Coreia, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. O carro no qual os agentes acreditavam que ele estava foi perseguido pelo helicóptero da corporação policial por cerca de um quilômetro. Foram incontáveis disparos a partir da aeronave. De acordo com o piloto, a operação foi bem-sucedida, pois evitou a fuga de Matemático e não feriu nenhum morador da região.
Ora, se observarmos as imagens gravadas pela equipe policial, facilmente perceberemos que, se ninguém foi atingido, isso se deu pelo mais puro acaso: os disparos foram efetuados a esmo e atingiram diversas casas e prédios. Daí fica a segunda pergunta: a Polícia Civil realizaria uma operação deste tipo, efetuaria disparos deste modo, em uma região habitada pela classe média, na Avenida Vieira Souto ou no Leblon?
Outras questões são essenciais: a Secretaria de Segurança Pública e a Chefia de Polícia Civil não tinham conhecimento do modus operandi da ação? Em que momento tomaram conhecimento? Não sabiam que o helicóptero estava equipado com armamento de uso privativo das Forças Armadas? Por que foram policiais civis os responsáveis pela ação e por que fuzilaram o carro? O piloto da aeronave foi afastado de suas funções após a divulgação das imagens, mas de que adianta este afastamento, se a lógica de segurança pública continua imutável, optando por uma truculência que tantas vítimas faz (vale lembrar a ação, em 2008, na qual os agentes da Polícia Militar fluminense alvejaram um carro “suspeito” e assassinaram uma criança de três anos de idade)?
Para responder a todos estes questionamentos é preciso atentar para o uso reiterado da barbárie como instrumento a serviço da criminalização da pobreza. Nas favelas não há direitos. A polícia invade, prende, tortura e mata qualquer pessoa. Pobres e negros são invariavelmente os mais atingidos, os “elementos suspeitos”, os “criminosos em potencial”. Os episódios de violência e arbitrariedade policial tem se mostrado cada vez mais corriqueiros e, lamentavelmente, aceitos por grande parcela da sociedade como algo normal e, não poucas vezes, desejável.
Da Maré ao Alemão, passando pela Coreia e pelo Borel, vemos diariamente as mais crassas violações de direitos: casas invadidas, moradores agredidos e assassinados. E um numeroso estrato da sociedade, em conjunto com a grande mídia, aplaude. O discurso e a prática da barbárie são adotados como os únicos capazes de vencer “o inimigo”. E o inimigo é o pobre, a sobra da sociedade de mercado da qual essa barbárie é servidora.
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