A Comissão da Verdade do Rio vem a público manifestar total repúdio à ação policial que, na noite da última quinta-feira, impediu ativistas da campanha Ocupa Dopsde grafitar nos tapumes que cercam a entrada do prédio que abrigou o antigo Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS/RJ), na Lapa, durante a ditadura empresarial-militar (1964-85).
Os artistas, que grafitavam uma bem-vinda alusão ao Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura e ao amplamente conhecido DOPS/RJ, foram abordados por oito policiais e conduzidos para a 5ª Delegacia de Polícia, que funciona no local. Durante o depoimento, ambos relataram ter sido destratados pelos delegados (delegado titular e delegado de plantão) que, mesmo reconhecendo o fato como “atípico” (ou seja, a não configuração de crime previsto em lei), insistiram que os ativistas estavam proibidos de prosseguir com a intervenção de street art, caso contrário eles mesmo tratariam de “criar um crime” para enquadrá-los. Os policiais entenderam que a mensagem que seria escrita no tapume da obra representava uma ofensa à Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), ameaçando os ativistas caso não apagassem o seu conteúdo.
A CEV-Rio lembra que, durante o seu primeiro ano de funcionamento, promoveu intensa discussão a respeito das torturas impingidas por policiais contra presos políticos, vide o Seminário DOPS: Ocupar a Memória – Um Espaço em Construção, e, ainda, sobre o inaceitável estado de abandono em que se encontra o prédio chamado de Palácio da Polícia ou Prédio do DOPS. Conjuntamente com os movimentos sociais, a CEV-Rio reivindica a transformação do prédio em um Espaço de Memória. Assim, a Comissão felicita a iniciativa dos ativistas e destaca que, a cada ato arbitrário, a Polícia Civil deslegitima ainda mais a sua condição de gestora de um prédio que pode servir ao cidadão carioca como referência para o debate aberto sobre democracia, direitos humanos, resistência política e direito à memória.
Ao ameaçar e constranger militantes, delegados e policiais reproduzem uma prática histórica e rotineira de criminalização da luta política, observada durante a ditadura e que se reveste com outra roupagem nos dias atuais. Com isso, o delegado ignorou o teor do Decreto Municipal nº 38.307, criado em 2014, que reconhece o graffiti como “manifestação artística cultural que valoriza a Cidade”, e autoriza, no art. 4º , a utilização de espaços públicos, tais quais “tapumes de obras”, como estímulo à prática dos artistas de rua. Desta maneira, a atuação policial configura verdadeira perseguição ideológica e ato de censura, sem amparo legal e flagrantemente violatória da liberdade de expressão dos artistas.
Como resultado dos trabalhos da Comissão da Verdade do Rio, espera-se que o Estado seja capaz de avançar politicamente para coibir práticas como a ora observada. Entendemos que a reforma de instituições que protagonizaram violações de direitos humanos durante a ditadura, tais quais as polícias civil e militar, são imprescindíveis para consolidarmos uma democracia plena, participativa e plural. Por fim, a Comissão ressalta a importância de ações como as atividades do Ocupa DOPS, que realizará umfilme-debate em frente ao prédio na próxima quarta-feira, e espera que as autoridades envolvidas no caso não voltem a criminalizar ativistas e movimentos sociais, que seguramente estarão no prédio histórico em outras oportunidades.
Foto: Ocupa Dops
Comissão da Verdade do Rio
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